terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Eduardo Galeano: "Quem deu a Israel o direito de negar todos os direitos?"



Eduardo Galeano (*)


Este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latinoamericanas que Israel assessorou.
Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los.

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições em 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e, desde então, viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que foram palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há muitos anos, o direito à existência da Palestina.

Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a do mapa. Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa.

Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço da Palestina, e os almoços seguem. O apetite devorador se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que burla as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros.

Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não conseguiu bombardear impunemente ao País Basco para acabar com o ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda chuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?

O exército israelense, o mais moderno e sofisticado mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas de “danos colaterais”, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez “danos colaterais”, três são crianças. E somam aos milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando com êxito nesta operação de limpeza étnica.

E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem palestinos mortos, um israelense. Gente perigosa, adverte outro bombardeio, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a crer que uma vida israelense vale tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada “comunidade internacional”, existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos adotam quando fazem teatro?

Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade.

Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos. A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma que outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caçada de judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinas, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antisemitas. Eles estão pagando, com sangue constante e sonoro, uma conta alheia.

(*)Escritor Uruguaio
**Texto publicado originalmente no jornal Brecha
(Tradução: Katarina Peixoto)
Jan 2009

Quantos Haitis? Artigo de José Saramago


O Nobel português rememora outro terremoto: aquele que arrasou Lisboa em 1755. E garante que, como ocorreu com a capital lusa, o Haiti será reconstruído. A questão é: como se reconstruirá a comunidade de seu povo?

O artigo de José Saramago está publicado no seu blog O Caderno de Saramago, 08-02-2010.

Eis o artigo.

No Dia de Todos os Santos de 1755 Lisboa foi Haiti. A terra tremeu quando faltavam poucos minutos para as dez da manhã. As igrejas estavam repletas de fiéis, os sermões e as missas no auge…

Depois do primeiro abalo, cuja magnitude os geólogos calculam hoje ter atingido o grau 9 na escala de Richter, as réplicas, também elas de grande potência destrutiva, prolongaram-se pela eternidade de duas horas e meia, deixando 85% das construções da cidade reduzidas a escombros.

Segundo testemunhos da época, a altura da vaga do tsunami resultante do sismo foi de vinte metros, causando 600 vítimas mortais entre a multidão que havia sido atraída pelo insólito espectáculo do fundo do rio juncado de destroços dos navios ali afundados ao longo do tempo.

Os incêndios durariam cinco dias. Os grandes edifícios, palácios, conventos, recheados de riquezas artísticas, bibliotecas, galerias de pinturas, o teatro da ópera recentemente inaugurado, que, melhor ou pior, haviam aguentado os primeiros embates do terremoto, foram devorados pelo fogo.

Dos 275 mil habitantes que Lisboa tinha então, crê-se que morreram 90 mil. Conta-se que à pergunta inevitável “E agora, que fazer?”, o secretário de Estrangeiros Sebastião José de Carvalho e Melo, que mais tarde viria a ser nomeado primeiro-ministro, teria respondido “Enterrar os mortos e cuidar dos vivos”.

Estas palavras, que logo entraram na História, foram efetivamente pronunciadas, mas não por ele. Disse-as um oficial superior do exército, desta maneira espoliado do seu haver, como tantas vezes acontece, em favor de alguém mais poderoso.

A enterrar os seus cento e vinte mil ou mais mortos anda agora o Haiti, enquanto a comunidade internacional se esforça por acudir aos vivos, no meio do caos e da desorganização múltipla de um país que mesmo antes do sismo, desde gerações, já se encontrava em estado de catástrofe lenta, de calamidade permanente.

Lisboa foi reconstruída, o Haiti também o será. A questão, no que toca ao Haiti, reside em como se há-de reconstruir eficazmente a comunidade do seu povo, reduzido não só à mais extrema das pobrezas como historicamente alheio a um sentimento de consciência nacional que lhe permitisse alcançar por si mesmo, com tempo e com trabalho, um grau razoável de homogeneidade social.

De todo o mundo, de distintas proveniências, milhões e milhões de euros e de dólares estão sendo encaminhados para o Haiti.

Os abastecimentos começaram a chegar a uma ilha onde tudo faltava, fosse porque se perdeu no terremoto, fosse porque nunca lá existiu. Como por ação de uma divindade particular, os bairros ricos, em comparação com o resto da cidade de Porto Príncipe, foram pouco afectados pelo sismo.

Diz-se, e à vista do que aconteceu no Haiti parece certo, que os desígnios de Deus são inescrutáveis. Em Lisboa as orações dos fiéis não puderam impedir que o teto e os muros das igrejas lhes caíssem em cima e os esmagassem.

No Haiti, nem mesmo a simples gratidão por haverem salvo vidas e bens sem nada terem feito para isso, moveu os corações dos ricos a acudir à desgraça de milhões de homens e mulheres que não podem sequer presumir do nome unificador de compatriotas porque pertencem ao mais ínfimo da escala social, aos não-ser, aos vivos que sempre estiveram mortos porque a vida plena lhes foi negada, escravos que foram de senhores, escravos que são da necessidade.

Não há notícia de que um único haitiano rico tenha aberto os cordões ou aliviado as suas contas bancárias para socorrer os sinistrados. O coração do rico é a chave do seu cofre-forte.

Haverá outros terremotos, outras inundações, outras catástrofes dessas a que chamamos naturais. Temos aí o aquecimento global com as suas secas e as suas inundações, as emissões de CO2 que só forçados pela opinião pública os governos se resignarão a reduzir, e talvez tenhamos já no horizonte algo em que parece ninguém querer pensar, a possibilidade de uma coincidência dos fenômenos causados pelo aquecimento com a aproximação de uma nova era glacial que cobriria de gelo metade da Europa e agora estaria dando os primeiros e ainda benignos sinais.

Não será para amanhã, podemos viver e morrer tranquilos. Mas, di-lo quem sabe, as sete eras glaciais por que o planeta passou até hoje não foram as únicas, outras haverá.

Entretanto, olhemos para este Haiti e para os outros mil Haitis que existem no mundo, não só para aqueles que praticamente estão sentados em cima de instáveis falhas tectônicas para as quais não se vê solução possível, mas também para os que vivem no fio da navalha da fome, da falta de assistência sanitária, da ausência de uma instrução pública satisfatória, onde os fatores propícios ao desenvolvimento são praticamente nulos e os conflitos armados, as guerras entre etnias separadas por diferenças religiosas ou por rancores históricos cuja origem acabou por se perder da memória em muitos casos, mas que os interesses de agora se obstinam em alimentar.

O antigo colonialismo não desapareceu, multiplicou-se numa diversidade de versões locais, e não são poucos os casos em que os seus herdeiros imediatos foram as próprias elites locais, antigos guerrilheiros transformados em novos exploradores do seu povo, a mesma cobiça, a crueldade de sempre.

Esses são os Haitis que há que salvar. Há quem diga que a crise econômica veio corrigir o rumo suicida da humanidade. Não estou muito certo disso, mas ao menos que a lição do Haiti possa aproveitar-nos a todos.

Os mortos de Porto Príncipe foram fazer companhia aos mortos de Lisboa. Já não podemos fazer nada por eles. Agora, como sempre, a nossa obrigação é cuidar dos vivos.

Haiti. As outras réplicas.


13/2/2010

Artigo de Eduardo Galeano


A tragédia do Haiti desatou um formidável movimento internacional de solidariedade. Mas, segundo o escritor uruguaio Eduardo Galeano, o terremoto também provocou outras réplicas. São, explica em artigo publicado no El País, 07-02-2010, tremores de hipocrisia, racismo e amnésia que nenhum sismógrafo é capaz de detectar. A tradução é do Cepat.


Pat Robertson, teleevangelista de ampla audiência, explicou claramente o assunto do terremoto. O pastor de almas cantou a bola: as placas tectônicas não têm nada a ver. O terremoto é uma consequência do pacto que os negros haitianos haviam feito com o diabo há dois séculos. Satã os libertou da França, mas o Haiti se converteu em um país maldito.

O bom Pat não está sozinho. São muitos os que acreditam, ou ao menos suspeitam, que a liberdade foi o pecado que condenou o país à desgraça perpétua. O Haiti não seria um país maldito se tivesse aceitado seu destino colonial.

Mas, maldito por quem? Os negros haitianos haviam humilhado o Exército de Napoleão Bonaparte, que nessa guerra perdeu 18 oficiais, e a França cobrou caro a expiação. Durante mais de um século, o Haiti pagou à França uma indenização equivalente hoje a quase 22 bilhões de dólares, por ter cometido semelhante sacrilégio.

O novo país nasceu endividado e arruinado, arrasado pela guerra da independência, que a tantos matou ou mutilou, e também arrasado pela exploração desapiedada de seus solos e de suas pessoas extenuadas no trabalho escravo. A prosperidade da França havia sido a ruína do Haiti. Todo o país se havia reduzido a uma imensa plantação de açúcar, que aniquilou as florestas e secou a terra. Os negros livres herdaram um reino sem sombra e sem água.

Nestes dias, a imprensa divulgou resenhas históricas. Supõe-se que ajudam a entender o que acontece. Em quase todos os casos, nos contam que o Haiti foi o segundo país livre das Américas, porque havia seguido o exemplo da independência dos Estados Unidos. A verdade é que não foi o segundo. Foi o primeiro, o primeiro país realmente livre, livre da opressão colonial, sim, mas também livre da escravidão. E foi o primeiro, exatamente porque não seguiu o exemplo dos Estados Unidos: o Haiti foi um país sem escravos 60 anos antes dos Estados Unidos, cuja primeira Constituição estabeleceu que um negro equivalia a três quintas partes de uma pessoa.

E o Haiti nasceu, por isso, condenado à solidão. O Haiti difundia, apenas com seu exemplo, uma peste contagiosa. Nenhum outro país reconheceu sua existência. Todos lhe deram as costas. Nem sequer Simon Bolívar, quando governou a Grande Colômbia, pôde recordar que devia sua glória aos haitianos, porque eles lhe haviam dado navios, armas e soldados, quando estava vencido, com a única condição de que libertara os escravos.

Outra réplica do terremoto: são muitos os que creem, e não poucos a afirmarem, que toda a ajuda será inútil, porque os haitianos são incapazes de se auto-governarem. Levam na testa a marca africana. Estão predestinados ao caos. É a maldição negra.

Pelo mesmo motivo, os Estados Unidos não tiveram outro remédio que invadir o Haiti em 1915. Robert Lansing, secretário de Estado, explicou então que “a raça negra é incapaz de se governar a si mesma e tem uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização”.

O presidente Woodrow Wilson, prêmio Nobel da Paz, fervoroso admirador da Ku-Klux-Klan, assinou a ordem de invasão, para restabelecer a ordem, evitar o caos e, de passagem, já que estavam aí, cobrar o que o Haiti devia aos bancos norte-americanos. As tropas foram para ficar apenas um curto período de tempo, mas acabaram ficando 19 anos. Não puderam restabelecer a escravidão, como haviam feito no Texas e na Nicarágua, mas ao menos impuseram um regime de trabalho forçado que era bastante parecido, e enquanto durou a ocupação militar proibiram que os negros entrassem nos hotéis, restaurantes e clubes reservados aos estrangeiros. Também proibiram que o presidente do Haiti cobrasse seu salário, até que emendou a sua conduta e presenteou o Banco da Nação ao City Bank.

Quando as tropas se retiraram, deixaram um país bastante pior do que aquele que haviam encontrado.

Oxalá, não se repita a história, agora que as tropas norte-americanas retornaram, trazidas pelo terremoto, e sobre as ruínas exercem o poder absoluto.

Terra desolada, gente desesperada: o Haiti viveu mal a sua vida, quase sempre submetido a ditaduras militares. Ditadura após ditadura: para que calem os muitos e mandem os poucos.

Um dos ditadores, Baby Doc Duvalier, escapou da fúria popular em janeiro de 1986. Fugiu, acompanhado por milhões de dólares, no avião militar que o presidente Ronald Reagan lhe enviou, em agradecimento pelos serviços prestados.

Tempos depois, por ocasião do terremoto, Baby Doc anunciou, do exílio, que doaria ao Haiti uma parte do dinheiro que havia roubado. Foi comovedor. Quase tanto como o gesto do Fundo Monetário Internacional, que decidiu emprestar ao Haiti 100 milhões de dólares.

A experiência demonstrou, na América Latina e em todo o mundo, que os especialistas internacionais são tão úteis quanto os ditadores militares, talvez mais, e são muito mais apresentáveis, porque matam para ajudar as suas vítimas.

No Haiti, como em muitos outros países, foram o Fundo Monetário e o Banco Mundial que pulverizaram o poder público e eliminaram os subsídios e as tarifas alfandegárias que de alguma maneira protegiam a produção nacional de arroz. Os camponeses que viviam de sua produção foram convertidos em mendigos ou balseiros, jogados nas ruas ou aos tubarões, e o Haiti passou a importar o arroz, esse sim subsidiado, esse sim protegido, dos Estados Unidos.

Graças aos bons serviços destes filantropos internacionais, o terremoto aniquilou um país aniquilado: sem Estado, sem instituições, sem hospitais, sem escolas.

Sem nada? Sem nada de nada?

Em 1996, o deputado alemão Winfried Wolf, que passava alguns dias no Haiti, consultou as estatísticas internacionais. Havia escutado milhares de vezes que o Haiti é um país superpovoado. Surpreendeu-se ao saber que a Alemanha está quase tão superpovoada quanto o Haiti. Mas admitiu: “Sim, o Haiti está superpovoado... de artistas”.

Winfried percorria os mercados sem se cansar nunca de tanto admirar as criações da arte popular deste país. As haitianas e os haitianos têm mãos magas, que revolvem o lixo e do lixo tiram ferro velho, cristais quebrados, madeiras gastas, coisas que parecem mortas, e essas escultoras e escultores lhes dão vida e alegria.

O Haiti é um país jogado no lixo, terra desprezada, terra castigada, que agora parece, depois do terremoto, mais morta que nunca. Restaram mãos magas capazes de ressuscitá-lo?

Um dos sobreviventes, que perdeu mulher, filhos, casa, tudo, respondeu à pergunta de um jornalista: “E agora? Agora choro. Todas as noites choro. Aqui, na praça onde durmo, choro. E depois me levanto e caminho. Sem destino. Caminho. Sigo. Busco a vida. Não me perguntes por quê”.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Punks de Juiz de Fora

foto Humberto Nicoline

AOS BERROS narra a trajetória dos primeiros punks de Juiz de Fora, cidade mineira que faz divisa com o Estado do Rio de Janeiro.

Originário da Inglaterra e dos EUA, o movimento contra cultural punk chega ao Brasil no final da década de 70. No princípio dos anos 80, Juiz de Fora vive sua primeira aurora punk. Nesse período, jovens influenciados pelas primeiras aparições do punk na mídia internacional e nacional, e também no mercado cultural, reforçaram sua comunicação e organização com grades centros, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo. Houve circulação de fanzines, fitinhas com músicas punks e visitantes.

Embora considerada cidade de médio porte, Juiz de Fora tinha uma forte dose de conservadorismo no final da década de 70, visto até hoje. O tradicionalismo se reflete na elite política, nos estilos de artistas e nos eventos, que, salvo exceções, são quase os mesmos desde aquela época, mantendo as devidas proporções.

Porém, no início da década de 80, o punk teve espaço. Jovens politizados de classe média, com mais acesso às informações e fartos do rock, da musica tradicional e da moda daquela época, difundiram o movimento para os jovens de classes mais baixas. O punk era a sua voz.

No I Festival de Rock de Juiz de Fora, realizado no dia 13 de agosto de 1983 no campo do Sport Clube, bandas punks do Rio de Janeiro e São Paulo tocaram para um público estimado entre oito e doze mil pessoas. Entre as bandas estavam Olho Seco, Cólera, 365, Coquetel Molotov e Desespero. Nesse dia também se apresentou a primeira banda punk de Juiz de Fora, a Força Desarmada. A partir daí, embora algumas distorções da mídia que ocorreram depois do festival, o punk ganhou mais espaço, mais pessoas se identificaram com o movimento, mais bandas se formaram. O cenário artístico da cidade sofreu grandes modificações e efervescência, se contrapondo aos mais conservadores.

Através de uma ampla pesquisa, gravações com vários remanescentes dessa “primeira geração punk”, além da compilação e restauração de arquivos inéditos, AOS BERROS tenta resgatar parte desta história ofuscada pela memória oficial. As fotografias de Humberto Nicoline e um filme em formato 16mm de Arthur Lobato fazem parte do material para o filme.

Documentário Punk de Arthur Lobato (1983)

A produção de AOS BERROS começou em outubro de 2008 como um projeto de monografia interdisciplinar de três estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora: Davi Ferreira, estudante de Comunicação Social, Aline Freitas, estudante de Especialização em TV, Cinema e Mídias Digitais; e Jimmy Klaus, estudante de História.

Confira o trailer e outros arquivos da época no site oficial: Aos Berros