sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O jovem que a TV esconde

 Uma cobertura ao vivo no campus da Universidade Federal de Pernambuco poderia render ótimas histórias. Cerca de quatro mil jovens estavam lá para o encontro do Conselho Nacional de Entidades de Base da UNE. Mas presentes estavam só as tevês públicas. As emissoras privada não se interessam por esses jovens.
(*) Publicado originalmente na edição de fevereiro de 2013 da Revista do Brasil.

Cerca de quatro mil jovens circulam pelo campus da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) na manhã de um belo sábado de verão. Festival de risos, músicas, mochilas e colchonetes.

Estão ali para participar do 14º Coneb, o Conselho Nacional de Entidades de Base da União Nacional de Estudantes (UNE). Havia gente que levou dois ou três dias para chegar ao Recife, como os que saíram do interior do Amapá, usando barcos e ônibus como meios de transporte.

Durante três dias vão discutir os rumos da educação brasileira e, de quebra, a luta pela democratização da mídia. Nada mais pertinente e necessário. O próprio encontro é o melhor exemplo dessa necessidade, praticamente ignorado pelos grandes meios de comunicação.

O número de participantes, os convidados presentes (autoridades públicas e especialistas) e os temas em discussão justificam a inclusão do encontro em qualquer cobertura jornalística séria. Não foi o que ocorreu. Abro dois grandes jornais de Pernambuco no domingo e nada. Nos do Rio e São Paulo nem sombra do encontro.

Televisões presentes só as públicas: a TV Brasil e a TV Pernambuco. Fato que ressalta a importância desses veículos na luta contra o bloqueio imposto pelos meios privados aos movimentos sociais, como o estudantil.

Uma cobertura ao vivo no campus da UFPE poderia render ótimas histórias. Além do conteúdo dos debates, as vivências, os sonhos e as esperanças daqueles estudantes com diferentes sotaques brasileiros mostrariam ao telespectador um jovem comprometido com seu País, bem diferente dos que aparecem todos os dias em Malhação ou similares.

Coincidindo com o evento da UNE foi oficialmente implantada a Empresa Pernambuco de Comunicação, gestora da TV pública local. Vinculada ao governo do Estado mas gerida por um Conselho autônomo que segue em linhas gerais os padrões de gestão adotados pela Empresa Brasil de Comunicação. São tentativas promissoras de tornar esses veículos mais públicos e menos estatais.

No caso de Pernambuco o processo levou mais de três anos, num debate aberto com ampla participação da sociedade. A TV já existia mas estava sucateada. Foi criada em 1984, tendo tornado-se durante os governos pós-ditadura de Miguel Arraes (1987-1990 e 1995-1999) um importante veículo de informação e entretenimento. Abandonada na gestão Jarbas Vasconcelos (1999-2006), tem agora possibilidades de se reerguer.

São passos importantes mas ainda preliminares para a constituição de um serviço público de rádio e televisão no país capaz de competir com a mídia comercial. Um dos obstáculos mais sérios, além de uma destinação constante e consistente de recursos, está na forma do telespectador sintonizar essas emissoras.

O espectro eletromagnético por onde trafegam as ondas de rádio e TV foi praticamente privatizado. Pernambuco é um bom exemplo: no Recife a TV Pernambuco pode ser assistida no canal 46 (UHF). Até o governo Jarbas era possível ver a TV estatal em VHF, no canal 9, ao lado das grandes redes comerciais. Mas a concessão foi perdida e ocupada, rapidamente, pela Bandeirantes.

Fato que se repete em outros Estados. Com a digitalização prevista para os próximos anos o problema pode ser minimizado mas não resolvido. As grandes redes comerciais continuarão a ser sintonizadas nos tradicionais canais de números baixos (hoje vão do 2 ao 13) restando os mais longínquos para as redes públicas.

Para que o telespectador possa comparar os programas e escolher os que lhe interessam é fundamental que públicas e privadas estejam lado a lado, com um “zap” apenas entre elas . E que as públicas sejam várias, dando conta da grandeza territorial do Pais e de sua diversidade cultural. Não são tantas as emissoras comerciais mostrando praticamente a mesma coisa? Então deveremos ter muitas públicas mostrando as nossas múltiplas realidades.

Só assim será possível cobrir ao vivo, com competência e detalhamento, um evento como o da UNE realizado no Recife. Dessa forma, o estereótipo do jovem consumista e alienado será, no mínimo, relativizado.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Hildegard Angel: Sobre a “manipulação de uma mídia voraz”

 



MINHA FALA NO ATO NA ABI PELA ANULAÇÃO DO JULGAMENTO DO MENSALÃO

Por Hildegard Angel, em seu blog, via Julio Cesar Macedo Amorim

Venho, como cidadã, como jornalista, que há mais de 40 anos milita na imprensa de meu país, e como vítima direta do Estado Brasileiro em seu último período de exceção, quando me roubou três familiares, manifestar publicamente minha indignação e sobretudo minha decepção, meu constrangimento, meu desconforto, minha tristeza, perante o lamentável espetáculo que nosso Supremo Tribunal Federal ofereceu ao país e ao mundo, durante o julgamento da Ação Penal 470, apelidada de Mensalão, que eu pessoalmente chamo de Mentirão.

Mentirão porque é mentirosa desde sua origem, já que ficou provada ser fantasiosa a acusação do delator Roberto Jefferson de que havia um pagamento mensal de 30 dinheiros, isto é, 30 mil reais, aos parlamentares, para votarem os projetos do governo.

Mentira confirmada por cálculos matemáticos, que demonstraram não haver correlação de datas entre os saques do dinheiro no caixa do Banco Rural com as votações em plenário das reformas da Previdência e Tributária, que aliás tiveram votação maciça dos partidos da oposição. Mentirão, sim!
Isso me envergonhou, me entristeceu profundamente, fazendo-me baixar o olhar a cada vez que via, no monitor de minha TV, aquele espetáculo de capas parecendo medievais que se moviam, não com a pretendida altivez, mas gerando, em mim, em vez de segurança, temor, consternação, inspirando poder sem limite e até certa arrogância de alguns.

Eu, que já presenciara em tribunais de exceção, meu irmão, mesmo morto, ser julgado como se vivo estivesse, fiquei apavorada e decepcionada com meu país. Com este momento, que sei democrático, mas que esperava fosse mais.

Esperava que nossa corte mais alta, composta por esses doutos homens e mulheres de capa, detentores do Supremo poder de julgar, fosse imune à sedução e aos fascínios que a fama midiática inspira.

Que ela fosse à prova de holofotes, aplausos,  projeção, mimos e bajulações da super-exposição no noticiário e das capas de revistas de circulação nacional. E que fosse impermeável às pressões externas.

Daí que, interpretação minha, vimos aquele show de deduções, de indícios, de ausências de provas, de contorcionismos jurídicos, jurisprudências pós-modernas, criatividades inéditas nunca dantes aplicadas serem retiradas de sob as capas e utilizadas para as condenações.

Para isso, bastando mudar a preposição. Se ato DE ofício virasse ato DO ofício é porque havia culpa. E o ônus da prova passou a caber a quem era acusado e não a quem acusava. A ponto de juristas e jornalistas de importância inquestionável classificarem o julgamento como de “exceção”.
Não digo eu, porque sou completamente desimportante, sou apenas uma brasileira cheia de cicatrizes não curadas e permanentemente expostas.

Uma brasileira assustada, acuada, mas disposta a vir aqui, não por mim, mas por todos os meus compatriotas, e abrir meu coração.

A grande maioria dos que conheço não pensa como eu. Os que leem minhas colunas sociais não pensam como eu. Os que eu frequento as festas também não pensam, assim como os que frequentam as minhas festas. Mas estes estão bem protegidos.

Importa-me os que não conheço e não me conhecem, o grande Brasil, o que está completamente fragilizado e exposto à manipulação de uma mídia voraz, impiedosa e que só vê seus próprios interesses. Grandes e poderosos. E que para isso não mede limites.

Esta mídia que manipula, oprime, seduz, conduz, coopta, esta não me encanta. E é ela que manda.
Quando assisti ao julgamento da Ação Penal 470, eu, com meu passado de atriz profissional, voltei à dramaturgia e me lembrei de obras-primas, como a peça As feiticeiras de Salém, escrita por Arthur Miller. É uma alegoria ao Macartismo da caça às bruxas, encetada pela direita norte-americana contra o pensamento de esquerda.

A peça se passa no século 17, em Massachusets, e o ponto crucial é a cena do julgamento de uma suposta feiticeira, Tituba, vivida em montagem brasileira, no palco do Teatro Copacabana, magistralmente, por Cléa Simões. Da cena participavam Eva Wilma, Rodolpho Mayer, Oswaldo Loureiro, Milton Gonçalves. Era uma grande pantomima, um julgamento fictício, em que tudo que Tituba dizia era interpretado ao contrário, para condená-la, mesmo sem provas.

Como me lembro da peça Joana D’Arc, de Paul Claudel, no julgamento farsesco da santa católica, que foi para a fogueira em 1431, sem provas e apesar de todo o tempo negar, no processo conduzido pelo bispo de Beauvais, Pierre Cauchon, que saiu do anonimato para o anonimato retornar, deixando na História as digitais do protótipo do homem indigno. E a História costuma se repetir.

No julgamento de meu irmão, Stuart Angel Jones, à revelia, já morto, no Tribunal Militar, houve um momento em que ele foi descrito como de cor parda e medindo um metro e sessenta e poucos. Minha mãe, Zuzu Angel, vestida de luto, com um anjo pendurado no pescoço, aflita, passou um torpedo para o então jovem advogado de defesa, Nilo Batista, assistente do professor Heleno Fragoso, que ali ele representava. O bilhete dizia: “Meu filho era louro, olhos verdes, e tinha mais de um metro e 80 de altura”. Nilo o leu em voz alta, dizendo antes disso: “Vejam, senhores juízes, esta mãe aflita quebra a incomunicabilidade deste júri e me envia estas palavras”.

Eu era muito jovem e mais crédula e romântica do que ainda sou, mas juro que acredito ter visto o juiz militar da Marinha se comover. Não havia provas. Meu irmão foi absolvido. Era uma ditadura sanguinária. Surpreende que, hoje, conquistada a tão ansiada democracia, haja condenações por indícios dos indícios dos indícios ou coisa parecida…

Muito obrigada.

 texto da Hildegard Angel, filha da Zuzu Angel, morta pela ditadura.



publicado em http://www.viomundo.com.br

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Chávez é um mortal. Mas a Revolução Bolivariana é eterna”


Para o jornalista e escritor Fernando Morais, uma das maiores conquistas da Revolução Bolivariana comandada por Chávez foi o alto nível de consciência política adquirida pelo povo da Venezuela
23/01/2013
 
Nilton Viana,
da Redação
       
O jornalista e escritor Fernando Morais
Foto: Divulgação
       
 
“Se você olhar o mapa da América Latina de duas, três décadas atrás, verá que o continente estava coalhado de di­taduras e governos alinhados automati­camente com os interesses dos Estados Unidos”. Hoje é o oposto. Assim o jor­nalista e escritor Fernando Morais vê o atual cenário da América Latina. E, se­gundo ele, não se trata de uma visão retórica, mas muito concreta. Para isto, ci­ta como exemplos o sepultamento da Alca e a reação do Mercosul ao golpe que depôs o presidente Lugo, no Paraguai.
Nesta entrevista, Fernando Morais, que participou do processo de criação do Brasil de Fato, afirma estar tranquilo com o processo venezuelano. Para ele, que é amigo pessoal do presidente Hugo Chávez, a Revolução Bolivariana é eter­na. Sobre o Brasil, Morais avalia que os dez anos de governos Lula/Dilma foram positivos. “Se tivesse que votar no Lula ou na Dilma de novo, faria isso de olhos fechados”, afirma. Para ele, salvo as ex­ceções, a mídia brasileira já é um parti­do político de direita, e o Brasil de Fato funciona como um respiradouro que nos salva da asfixia produzida pela gran­de imprensa.
Brasil de Fato – A América Latina passou por uma mudança nesses últimos 10 anos, com a chegada de forças progressistas aos governos. Qual sua opinião sobre esse processo e sobre a continuidade dele?
Fernando Morais – Se você olhar o mapa da América Latina de duas, três décadas atrás, verá que o continente estava coalhado de ditaduras e governos alinhados automaticamente com os interesses dos Estados Unidos. Hoje é o oposto. À exceção do Chile, do Paraguai (este vítima de um golpe de Estado) e de mais um ou outro caso, como o da Colômbia, temos governantes progressistas à frente de todos os países. Alguns deles, como Pepe Mújica, no Uruguai, e Mauricio Funes, de El Salvador, egressos da luta armada. Não se trata de uma visão retórica, mas muito concreta. Os melhores exemplos disto foram o sepultamento da Área de Livre Comércio da Américas (Alca) e a reação do Mercosul ao golpe que depôs o presidente Lugo, no Paraguai. É sobre esse cimento que está sendo construída a unidade que vai garantir a continuidade desse processo.
Como você vê a questão da Venezuela, em particular, com o agravamento da doença do presidente Hugo Chávez?
Não me abate qualquer preocupação com o futuro da Venezuela. Uma das maiores conquistas da Revolução Bolivariana comandada por Chávez foi o alto nível de consciência política adquirida pelo povo da Venezuela – sobretudo os mais pobres, que são a ampla maioria da população. Isto a grande imprensa brasileira não publica. Como não publicou uma sílaba sobre dados divulgados recentemente por organismos internacionais revelando que a Venezuela é o país que detém os mais baixos índices de desigualdade social do continente. Minha tristeza com o que ocorre com o presidente Chávez é também pessoal. Tenho muita honra em ser amigo dele. Aqui, ao lado da minha mesa, tenho um taco de beisebol autografado por ele para mim: “Para Fernando Morais, bateador de jonrones de la unidad latino-americana, Hugo Chávez”. Quis saber o que significava, na linguagem do beisebol, “bateador de jonrones”, e ele me respondeu que era algo como um “centroavante matador” no futebol. Como todos nós, Chávez é um mortal. Mas a Revolução Bolivariana é eterna.
Quais são as principais mudanças ocorridas em Cuba nesses últimos dez anos e qual sua opinião sobre o futuro da revolução cubana?
O radicalismo da Revolução Cubana, em seus primeiros anos, sobretudo, só encontra paralelo, acredito, na Revolução Russa de 1917. Na área econômica o processo começou com a estatização do sistema bancário e a “expropriação forçada” de quase mil indústrias, entre as quais se encontravam cem usinas de açúcar e algumas gigantes como a fábrica de rum Bacardi e a norte-americana DuPont Chemical. E terminou estatizando até carrinhos de pipoca. Manicures, barbeiros, engraxates e taxistas passaram a ser funcionários do Estado. Nos últimos anos o presidente Raúl Castro vem adotando medidas para corrigir esses erros. Antes tarde do que nunca. E desde o começo do mês de janeiro acabaram-se as restrições para que cubanos viagem ao exterior, outra medida acertada. O próprio Fidel declarou, anos atrás, que a Revolução tinha que ser “obra voluntária de um povo livre”, já apontando para o fim dos obstáculos às saídas do país. A essas mudanças v ai se somar um grande surto de crescimento econômico decorrente da ampliação do porto de Mariel, perto de Havana – ampliação financiada pelo BNDES. Por sua privilegiada posição geográfica, Mariel se converterá num gigantesco e bem situado hub, um centro de transportes intermodais. Conheço empresários brasileiros interessados em comprar, arrendar ou alugar terrenos nas imediações de Mariel para instalar grandes armazéns de storage que atenderão o movimento do porto. A dimensão desse boom econômico, no entanto, vai depender do fim do bloqueio imposto pelos EUA a Cuba há meio século. Quem sabe o presidente Obama, que não pode se candidatar à reeleição e, portanto, não precisa mais beijar o anel dos barões da poderosa e influente comunidade cubana na Flórida, ponha fim ao bloqueio. Afinal, ele ganhou o Nobel da Paz e já está na hora de fazer jus ao prêmio.
E a questão dos 5 cubanos. Como a sociedade brasileira e os povos devem agir para que estes heróis cubanos, presos e condenados injustamente pelos EUA, sejam libertados?
Renomados juristas europeus e norte-americanos afirmam que a condenação dos cubanos é um erro judiciário comparável ao que levou os anarquistas italianos Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti à cadeira elétrica nos Estados Unidos nos anos 1920. Até o ex-presidente Jimmy Carter já sugeriu ao presidente Obama que os indultasse. Mas enquanto a máfia cubana de Miami tiver poder – dinheiro e eleitores – para eleger deputados, senadores e até presidentes, esse perdão me parece muito remoto. Hoje há cerca de quinhentos comitês pró-libertação dos 5 espalhados por todo o planeta. Oito deles são dirigidos por prefeitos de cidades do interior dos EUA. Os nomes mais expressivos da esquerda de Hollywood – Sean Penn, Danny Glover, Saul Landau, Oliver Stone, Benicio del Toro, entre outros– participam de atos a favor da libertação. Mais dia, menos dia eles estarão tomando um mojito nas ruas de Havana, tenho certeza.
No Brasil, também estamos completando uma década de governo progressista, de esquerda. Qual a sua avaliação deste período? Quais os principais avanços?
A minha avaliação é muito positiva. Se tivesse que votar no Lula ou na Dilma de novo, faria isso de olhos fechados. A inclusão social de dezenas de milhões de brasileiros, em si, já justificaria um governo. Mas a isso se soma a democratização do acesso às universidades, através do Prouni, as políticas de cotas raciais... E, claro, é preciso ressaltar que durante o período o Brasil teve a mais independente e soberana política externa de toda sua história. Como bem disse Chico Buarque, o Brasil parou de falar fino com os Estados Unidos e falar grosso com a Bolívia. Não podemos nos esquecer de que a morte da Alca começou com a recusa do Brasil de Lula a entrar nessa canoa furada.
O que você destacaria deste período brasileiro que o governo Lula e agora o governo Dilma ainda não avançou e que merece urgência?
Dois temas me preocupam: a questão agrária, que está na raiz da maior parte dos problemas sociais brasileiros, e a democratização dos meio de comunicação. Neste caso, a dupla formada pelo ministro Franklin Martins e pelo jornalista Ottoni Fernandes, recentemente falecido, produziu avanços significativos. A mudança nos critérios de distribuição das verbas publicitárias do governo federal – uma cordilheira de dinheiro que antes era concentrada nas mãos dos grandes conglomerados de mídia – foi uma revolução, mas é preciso avançar mais. É preciso não ter medo de fazer a luta política pela implantação do Marco Regulatório da mídia no Brasil. Na área eletromagnética – canais de televisão e estações de rádio – isso chega a ser escandaloso. Um bem social, um bem público, como o sinal de rádio e tv, é entregue a meia dúzia de famílias e a congressistas sem que a sociedade tenha qualquer instrumento para cobrar um serviço de qualidade po r parte do concessionário. Vai dar briga? Vai, mas governar é se confrontar com interesses antagônicos e escolher de que lado você vai ficar.
A mídia brasileira tem se posicionado cada vez mais como um verdadeiro partido político das elites. Como você analisa a mídia brasileira?
Salvo as exceções de praxe, a mídia brasileira já é um partido político de direita. Mas uma direita ainda meio envergonhada, que não tem coragem de se assumir como de direita. Então isso não aparece no expediente do jornal ou da revista.
O jornal Brasil de Fato está completando 10 anos. Qual a importância de um veículo como este e qual o papel fundamental da mídia alternativa/popular no atual cenário brasileiro?
Eu estou com o Brasil de Fato desde o quilômetro zero. Fui voto vencido na reunião de escolha do nome (eu defendia “Aurora”, nome do cruzador que transportou os bolcheviques na conquista de São Petersburgo, em 1917). Fui do conselho do jornal durante muitos anos e sou leitor regular do Brasil de Fato. O jornal funciona como um respiradouro que nos salva da asfixia produzida pela grande imprensa. É uma pena que experiências como esta não se multipliquem pelo país.
Em relação ao mercado editorial brasileiro, esses 10 anos representaram mudanças significativas? Qual tem sido a influência da internet na produção editorial brasileira?
A mudança mais significativa foi o advento da internet como instrumento de comunicação de massa. O futuro é a internet, o papel impresso está com os dias contados. E esse fenômeno me parece muito saudável e democrático – veja a importância que adquiriram os blogueiros progressistas no enfrentamento com a mídia tradicional. Por isso é importante ficarmos de olho, porque as grandes empresas de telecomunicações estão se armando para assumir o controle da web.
* Fernando Morais nasceu em Mariana (MG) em 1946. É jornalista desde 1961. Trabalhou nas redações do Jornal da Tarde, Veja, Folha de S. Paulo e TV Cultura. Recebeu três vezes o Prêmio Esso e quatro vezes o Prêmio Abril de Jornalismo. Foi deputado (1978-1986), secretário da Cultura (1988-1991) e da Educação (1991-1993) do Estado de Sao Paulo. É autor do roteiro da minissérie documental Cinco dias que abalaram o Brasil, sobre o suicídio do presidente Getúlio Vargas, exibida pelo canal GNT/Globosat. Antes de Os últimos soldados da Guerra Fria, escreveu os livros Transamazônica, A Ilha, Olga, Chatô, o rei do Brasil, Cem quilos de ouro, Corações sujos (Premio Jabuti – Livro doAno de 2001), Toca dos Leões, Montenegro e O Mago (biografia do escritor Paulo Coelho, traduzido em dezenas de idiomas). Publicado em mais de vinte países, em 2004 Olga foi transformado em fi lme pelo diretor Jayme Monjardim, película vista por mais de cinco milhões de espectado res e indicada pra representar o Brasil no Oscar de 2005. Fernando Morais faz parte do Conselho Superior da Telesur, TV pública latino-americana sediada em Caracas, Venezuela.