terça-feira, 26 de agosto de 2014

Uma explicação para a postura imperial de William Bonner



publicado em 19 de agosto de 2014 às 8:26 em:  http://www.viomundo.com.br/
por Luiz Carlos Azenha

Trata-se de um simulacro de jornalismo, que nem original é. Nos Estados Unidos, muitos âncoras se promoveram com agressividade em suposta defesa do “interesse público”. Eu friso o “suposta”. Lembro-me de um, da CNN, que fez fama atacando a “invasão do país por imigrantes ilegais”. Hoje muitos âncoras do jornalismo policial fazem o mesmo estilo, como se representassem a sociedade contra o crime.

William Bonner está assumindo o papel de garoto-propaganda da criminalização da política. Ao criminalizar a política, fazendo dela algo sujo e com o qual não devemos lidar, ganham as grandes corporações midiáticas. Quanto mais fracas forem as instituições, mais fortes ficam as empresas jornalísticas para extrair concessões de todo tipo — do Executivo, do Legislativo, do Judiciário.

A postura supostamente independente de Bonner, igualmente agressivo com todos os candidatos, faz parecer que as Organizações Globo pairam sobre a política, que nunca apoiaram a ditadura militar, nem tentaram “ganhar” eleições no grito. Que os irmãos Marinho não fazem politica diuturnamente, com lobistas em Brasília. Que os irmãos Marinho não tem lado, não fazem escolhas e nem defendem com unhas e dentes, se preciso atropelando as leis, os seus interesses. Como em “multa de 600 milhões de reais” por sonegar impostos na compra dos direitos de televisão das Copas de 2002 e 2006 (veja aquiaqui aqui).

A agressividade de Bonner também ajuda a mascarar onde se dá a verdadeira manipulação da emissora, nos dias de hoje: na pauta e no direcionamento dos recursos de investigação de que a Globo dispõe. Exemplo: hoje mesmo, no Bom Dia Brasil, uma dona-de-casa do interior de São Paulo explicava como está fazendo para economizar água.

A emissora não teve a curiosidade de explicar que a seca que afeta milhões no Estado não é apenas um problema climático, resulta também de falta de investimentos do governo de Geraldo Alckmin, que beneficiou acionistas da Sabesp quando deveria ter investido o dinheiro no aumento da capacidade de captação de água. Uma pauta complicada, não é mesmo?

A não ser que eu esteja enganado, a Globo não deslocou um repórter sequer para visitar o aeroporto de Montezuma, que Aécio Neves mandou reformar quando governador de Minas Gerais perto das terras de sua própria família. Vai ver que faltou dinheiro.

Tanto Alckmin quanto Aécio são tucanos. Na entrevista com Dilma, Bonner listou uma série de escândalos. Não falou, obviamente, de escândalos relacionados à iniciativa privada, nem em outras esferas de governo. Dilma poderia muito bem tê-lo lembrado disso, deixando claro que a corrupção é uma praga generalizada, inclusive na esfera privada, envolvendo entre outras coisas sonegação gigantesca de impostos. Mas aí já seria coisa para o Leonel Brizola.

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O jornalismo e o mercado de notícias


ENTREVISTA COM JORGE FURTADO

Por Norma Couri em 19/08/2014 na edição 812

O Mercado de Notícias, a peça, tem 389 anos, escrita por um contemporâneo de Shakespeare, Ben Johnson, três anos depois do nascimento do primeiro jornal em Londres.
O Mercado de Notícias, o filme, acaba de estrear com trechos da peça montada pelo diretor gaúcho Jorge Furtado e depoimentos de 13 jornalistas. Peça e depoimentos entrecortados, parece que Ben Johnson é contemporâneo, vive aqui ao lado.
A profissão mais antiga do mundo, tirando aquela, é representada e relatada no documentário com as mesmas qualidades e defeitos de quase quatro séculos atrás. A manipulação da informação, a relação promíscua do jornalista com a fonte, as fofocas, o jornalismo de celebridades, o jornalista interferindo, às vezes alterando, às vezes intermediando o encontro do leitor e o fato.
É o primeiro documentário do cineasta que não terminou nenhuma das faculdades que cursou, incluindo as de Jornalismo e de Medicina, que entre direção e roteiro acumula cerca de 50 títulos na filmografia de curtas, longas e séries de TV, além de nove livros.Ilha das Flores, de 1989, uma obra-prima sobre um lixão frequentado por porcos e humanos, ganhou o Urso de Prata no festival de Berlim, e os outros filmes, duas dúzias de prêmios.
Mas por que logo agora que a profissão como a conhecemos quase despenca, e muda os contornos para alguma coisa desconhecida, Jorge Furtado resolveu tratar dela?
O documentário ouviu Janio de Freitas, Mino Carta, José Roberto ToledoFernando Rodrigues, Bob Fernandes, Cristiana Lobo, Geneton Moraes Neto, Leandro Fortes, Luis Nassif, Maurício Dias, Paulo Moreira Leite, Raimundo Pereira e Renata Lo Prete.
E cita, por exemplo, Millôr Fernandes: “Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”; Jorge Luis Borges: “Jornalismo é um museu de miudezas efêmeras”; o historiador britânico Arnold Toynbee, sobre a cobertura política: “Quem não gosta de política está condenado a ser governado por quem gosta”; o editor-chefe da revistaPeople Richard Stolley, sobre matérias que atraem o público: “Jovem é melhor do que velho, rico é melhor do que pobre, bonito é melhor do que feio, música é melhor do que cinema, qualquer coisa é melhor do que política e nada é melhor do que uma celebridade morta”.
Furtado mantém atualizado o site www.omercadodenoticias.com.br, onde estão as entrevistas, a peça completa em inglês e português e a pesquisa de oito anos ao custo de R$ 660 mil bancados pelo Ministério da Cultura e a Casa de Cinema de Porto Alegre. Mas não perca o filme.
Aqui, a entrevista que Furtado concedeu ao Observatório:
Qual a sua impressão sobre o futuro do jornalismo hoje?
Jorge Furtado – Sou bem otimista.
Por quê?
J.F. – Depois de passado esse vendaval da internet, essa confusão que é o novo jornalismo, Twitter, Facebook, sites, blogs e tal, vai acontecer de novo o que aconteceu com a invenção da imprensa. O jornalismo sempre existiu. O soldado que chegou correndo de Maratona, para avisar às mulheres que tinham vencido os persas, era um repórter. Muito antes da imprensa já existia jornalismo – manuscrito, cartas, diários.
A peça fala nos barbeiros...
J.F. – É, e os nobres, eles paravam na praça, subiam no banquinho e contavam “está acontecendo isso e isso”, as pessoas se juntavam e iam para os barbeiros, contavam tudo o que ouviram e os barbeiros passavam adiante a história. Normalmente aumentando... o que os jornalistas também fazem (risos). Jornalismo sempre existiu, mas a invenção da imprensa trouxe uma explosão de notícias, jornais impressos, gazetas, revistas, notícias vendidas a granel, folhas soltas mesmo. Misturavam relatos verídicos e completamente fantasiosos, antigos. Podia ter acontecido há cinco anos, ano passado... E onde estava a credibilidade? Em quem vou acreditar? Assim os jornais foram obrigados a se estabilizar. É o que vai acontecer agora.
É impressionante a contemporaneidade da peça.
J.F. – Quando critica “são noticias saídas todos os sábados escritas por gente que não sai de casa...”, parece que estão falando das revistas de hoje!
O Paulo Moreira Leite comenta sobre repórter que não vai mais para a rua, cita Euclydes de Cunha na guerra de Canudos, “ele não foi para a rua, foi para o sertão”.
J.F. – Mas depois desse oba-oba vai haver depuração. Quando a internet começou a crescer em 1990 parecia que o jornalista era dispensável. Todo mundo tem Twitter e Facebook, para que cursos de jornalismo? Os jornais se encheram de colaboradores falando do café da manhã, “fui ver o filme, achei bacana”... Não, aguarde que nós vamos voltar, não para o papel, mas para quem tem credibilidade.
Foi o Leandro Fortes quem falou no filme: “Jornalismo é uma coisa muito nobre para acabar”. E o Raimundo Pereira: “Com essa confusão toda, o melhor para se acreditar ainda é o jornalão burguês porque tem 100 repórteres, 10 editores, departamento comercial...”
J.F. – Ele disse, mas acrescentou: “Eu não sou um dos maiores admiradores da burguesia”. E atrás dele tinha uma parede de Lênin que ia do teto ao chão. Imagine, ele é o último esquerdista; depois que morreu o [Oscar] Niemeyer ficou o Raimundo (risos).
O que você acha disso?
J.F. – Papel não tem sentido. Estão cortando uma árvore, pegando tinta, imprimindo o rolo, encadernando, botando num caminhão, andando pelas cidades, atravancando o trânsito, para chegar lá em casa um negócio que já li na noite anterior na internet.
A não ser o jornal dê ao leitor um plus.
J.F. – É o que o Janio de Freitas acha, ele diz que “o jornal tem que pensar o que tem de fazer para ser interessante. Já enfrentou a rádio, a televisão, e continuou. O jornal tem que pensar em si mesmo”. Pode ser que o jornal se reinvente, como aconteceu com a história em quadrinhos, [que] estão crescendo em papel, na internet não é legal de ver.
Para isso vai ser necessário algo fundamental...
J.F. – ... o profissional jornalista, tanto faz que seja no papel ou no digital.
Logo agora que Gilmar Mendes acabou com a necessidade do diploma?
J.F. – Só que as faculdades voltaram mais fortes, mais equipadas com TV e rádio, melhores do que quando entrei em 1981 na [Universidade] Federal [do Rio Grande do Sul, em] Porto Alegre. Sabe por quê? Os jornais descobriram: onde é que eu vou achar vocês?
Ou seja, as faculdades implantaram a tecnologia e estão mais fortes. Mas não ficou uma defasagem em relação à produção teórica?
J.F. – É do que eu sinto falta, não só no jornalismo, mas no cinema. A gente não tem roteiristas porque falta leitura. O Geneton Moraes Neto diz isso: “Não existe exceção à regra, só sabe escrever bem quem lê”.
A Lygia Fagundes Telles disse outro dia que “quem está em processo de extinção não é o livro, é o leitor”.
J.F. – O Geneton fala: “O jornalista tem que investir em si mesmo, ler”. Jornalista não pode ser só um copiador de internet, copia-cola, tem de relacionar, filtrar.
Quem é o bom roteirista de cinema hoje no Brasil?
J.F. – O [Fernando] Bonassi, o Marçal [Aquino], o João Falcão, o George Moura, Guel Arraes e o Claudio Paiva, por exemplo. E poucas mulheres, a Adriana Falcão... Mas o Brasil hoje produz muito, 100 filmes por ano...
Não é só dramaturgia que falta, é teatro, é interpretação, que o naturalismo da televisão está matando.
J.F. – O realismo predomina na televisão. Eu até tento quebrar. Fiz uma série na Globo com a Fernanda MontenegroDoce de Mãe, com 14 episódios. E faço experiências a toda hora – por exemplo, a série em versos Decamerão. Gosto de experimentar, mesmo na televisão, coisas não realistas. O problema é que com o realismo as pessoas se identificam rápido.
Ainda bem que temos bons documentaristas...
J.F. – O [Eduardo] Coutinho, mestre de todo mundo, inclusive do João Moreira Salles, que é o maior cineasta brasileiro hoje.
Eles são de uma geração que ainda lia.
J.F. – Como eu, 55 anos. Sou a última geração de leitores, devo ter uns 8 mil volumes, tive de comprar um apartamento só para os livros que não param de crescer. Eu me identifico muito com o Borges: ele chegava numa livraria, pegava um livro e dizia: “Ai, gostaria tanto de levar para casa esse livro... mas é um livro que eu já tenho!” (risos). Sou leitor compulsivo. E como Borges também não sou inimigo de gêneros. Só tenho umas obsessões. Shakespeare em primeiro lugar, Borges, claro, Montaigne, Fernando Pessoa... Gosto de poesia, João Cabral, Carlos Drummond. Leio poesia e sei muitas de cor porque leio até decorar... Se fosse profissão eu seria leitor!
Oito mil volumes... então você lê no papel!
J.F. – Claro, gosto de anotar à caneta; na internet, só noticia, coisa rápida.
Entrando na Pecúnia, personagem que financia o jornal na peça O Mercado de Notícias, não é no cinema que você ganha dinheiro.
J.F. – De jeito nenhum. Eu vivo da televisão.
E de publicidade?
J.F. – Fiz publicidade por quatro anos, nos anos 1980. Eu fazia a TV Educativa do Rio Grande de Sul, TVE hoje. Programas especiais, um curta, quando fiz o segundo, O dia em que Dorival encarou a guarda, o filme foi para Gramado e pedi autorização ao meu chefe para ir ao festival. Ele negou. Eu disse que iria de qualquer jeito. Voltei de Gramado com oito Kikitos e uma justa causa: fui demitido porque faltei uma semana. O filme ganhou o Festival de Gramado.
Só por curiosidade, quem era o diretor?
J.F. – Era um jornalista (risos), Cândido Norberto. Eu tinha um filho de dois anos, minha primeira mulher Eliana estava grávida de seis meses de nossa segunda filha, Júlia. [Jorge Furtado é casado há 25 anos com Nora Goulart com quem teve Alice.] Fui fazer publicidade. Nos primeiros seis meses ganhei mais do que no resto da minha vida até então.
Não tinha, digamos, conflitos internos?
J.F. – Claro, fazia comercial de banco, filmando de madrugada porque o banco tinha de estar fechado, 50 pessoas lá dentro, e acontece aquela cena clássica do casal chegando e cumprimentando o gerente, gerente sorridente. E eu pensava: quando vou ao banco o cara está sorrindo, as pessoas rindo dentro do banco, felizes? Isso não existe. Pensava: o que eu estou fazendo aqui? Mas tinha eu pagar as contas. Fazia publicidade mas não larguei os meus curtas. Fiz Barbosa, Ilha das Flores – e este foi o que “Madalena” foi para Ivan Lins (risos).
Ganhou todos os prêmios no Brasil e em Berlim. E o tema seria uma coisa chatérrima...
JC – Foi um convite de um professor da universidade para fazer um documentário sobre separação de lixo. Fui conhecer os lugares de lixo da cidade, e ele me mostrou um lugar onde as pessoas utilizam produto orgânico para alimentar os porcos e depois abrem para os humanos. Com a repercussão, o [diretor Walter] Avancini me chamou para a Globo; depois que ele saiu o Guel Arraes me convidou e era o que faltava para largar a publicidade.
Você largou a Pecúnia. O Janio de Freitas falou no seu filme sobre o negócio da publicidade os repórteres, os jornalistas...
J.F. – ... acham estão ali para fazer jornalismo, não é...
...você está é fazendo dinheiro, aumentando a tiragem, e depois tem que atrair publicidade. Aí alguém lembrou: mas como o jornal sobrevive sem publicidade?
J.F. – Não sobrevive. Vai ter publicidade, com ou sem papel.
E o jornalista, como sobrevive? ONGs? O Geneton clama pela Nossa Senhora do Perpétuo Espanto (risos), já que os jornalistas perderam a capacidade de se espantar...
J.F. – O cara tem que achar o espaço para o jornalismo dele. Todos os jornalistas que entrevistei, a maioria com uma carreira longa, todos vivem de jornalismo. Um tem blog, outro escreve em jornal, outro faz TV, alguns rádio. Se viram, podem gravar em casa um programa de rádio com o próprio celular. Se começa a ter viewers, agentes entrando lá todo dia, o Google começa a subir e você fica interessante para colocar anúncio.
Não é muito fácil você ser bom jornalista, seu próprio patrão, bom em captar anúncios, especialista em gerir as finanças do seu negócio, ainda mais no jornalismo virtual.
J.F. – Segundo o Geneton, nesse momento existem vários economistas pensando em como sustentar o jornalismo na era digital. O Luis Nassif tem uma página na internet com mais de 100 mil entradas por dia. Quem confia no IVC que dá a circulação dos jornais e revistas? Na internet isso é auditado digital e instantaneamente. O anunciante sabe: esse blog aqui fala sobre sanduíches e tem 50 mil entradas por dia, eu fabrico mostarda, vou botar o meu anúncio lá.
Mas é mais fácil para os anunciantes quando o blog ou site é dirigido, para as farmácias, vestuário, economia...
J.F. – O Nassif tem anúncio da Caixa Econômica, de banco, carro... Você pode não saber quem entra num site como UOL ou Terra, grandes portais, tem desde menino querendo ver futebol, mulher pelada, tem de tudo. Agora, num site dirigido como o do Nassif, são pessoas adultas, interessadas em política, um grupo formador de opinião. Por isso, no lançamento do meu documentário fizemos a mídia dirigida. Quem são as pessoas que se interessam por jornalismo? Escolas de jornalismo, faculdades de jornalismo, professores de jornalismo. Foi publicidade direta para um público mais quente.
O jornalismo não vai morrer?
J.F. – Não. Imagina.
O que vai morrer são os jornais?
J.F. – Como a gente vai viver sem jornalismo? Eu coleciono até manchetes esdrúxulas como “O luxo da Fifa na Bahia vê abismo em 3km com jegue e casa”. Entendeu alguma coisa? (risos). “Morador de rua é condenado à prisão domiciliar” (mais risos). E o jornalismo endocrinológico? Emagreça, vamos engordar, comer bem, não coma manteiga, coma manteiga... Tem uma frase assim: “Celebridades são pessoas conhecidas por serem famosas” (risos). Só esta dava um filme inteiro e as celebridades tomaram conta das bancas.
Na banca onde antigamente a gente ficava em dúvida sobre que jornal comprar, agora no Rio só tem O Globo.
JC – Pois é, tinha o Movimento, o Pasquim, o Opinião... o que não era nada perto dos anos 1940 e 50, quando o Rio tinha 17 jornais diários. Porto Alegre tinha o Diário de Notícias, o Correio do Povo, o Jornal da Tarde, a Folha da Manhã. Hoje tem a Zero Hora.Você chega em Paris e tem jornal de esquerda, de direita, de centro, de extrema esquerda, do Partido Comunista, jornal de todas as tendências. Os jornais brasileiros são todos iguais e você fica em dúvida: o que está por trás? Nos Estados Unidos, o New York Times, por exemplo, declara “nós apoiamos o candidato tal” e publica tudo de todos os partidos no noticiário para o leitor escolher, mas sua posição fica definida nos editoriais.
Aqui você tem de ser um leitor muito bom para saber.
J.F. – Eu espero que o filme sirva para educar os leitores. Coloquei uma frase, um dos lemas do Pasquim: “Se você não está em dúvida é porque foi mal informado”.
E, como o Janio de Freitas disse, “tomara que os jornais não dispensem os jornalistas”.
J.F. – E ele diz uma frase que encerra o filme: “O jornalismo depende do jornalista”.
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Norma Couri é jornalista

Contra a imprensa venal e frívola



Por Sylvia Debossan Moretzsohn em 26/08/2014 na edição 813
O propósito do cineasta Jorge Furtado, roteirista e diretor de O Mercado de Notícias, atualmente em cartaz em várias cidades brasileiras, é fazer uma defesa radical do bom jornalismo, “sem o qual não há democracia”. Essa intenção é explicitada na abertura do filme e reiterada no site (http://www.omercadodenoticias.com.br/) que apresenta os objetivos do projeto e reúne as entrevistas e o material utilizado para a realização do documentário, fruto de longa pesquisa. A maneira escolhida para fazer essa defesa, entretanto, pode dar margem a interpretações que contrariam as intenções originais.
Em suas entrevistas sobre o filme, Furtado conta que se encantou com a descoberta de uma peça de Ben Jonson, autor contemporâneo de Shakespeare, que faz uma crítica mordaz à imprensa, então nos seus primórdios: apresenta-a como uma atividade submetida à senhora Pecúnia – isto é, aos interesses econômicos –, voltada para a satisfação da curiosidade do povo, ávido por comprar notícias capazes de gerar escândalo ou alimentar fofocas. Em suma, a imprensa seria basicamente venal e frívola, mais ou menos no mesmo sentido apontado por Balzac em Ilusões Perdidas, em meados do século 19, ou dos aforismas demolidores de Karl Kraus, já no início do século 20.
A fala versus a imagem
É claro que essas características se mantêm, apesar da diferença de contextos e da sofisticação dos mecanismos que movimentam hoje esse grande negócio. Mas este é apenas um lado da questão, ou melhor, é a base sobre a qual outras questões se apresentam. Certamente a imprensa foi e é muito mais que isso, do contrário não precisaria existir – ou, pelo menos, não seria uma atividade fundamental para a democracia.
A peça de Ben Jonson foi encenada especialmente para ser utilizada como fio condutor do filme, que articula essas cenas à exposição de alguns casos notórios em que a imprensa brasileira agiu de maneira antiética e a depoimentos de vários jornalistas de renome. Esses depoimentos idealmente funcionariam como um contraponto, pois defendem a necessidade do jornalismo, ao mesmo tempo em que, na maioria dos casos, expõem críticas severas a práticas profissionais condenáveis e à própria estrutura que submete essa atividade à lógica do mercado.
Esteticamente, porém, o resultado é outro: de um lado, uma peça que exuberantemente demole a imprensa com humor e ironia, em meio a exemplos documentados de mau jornalismo – a culminar com a fantástica e hilariante reconstituição da “descoberta” de um suposto valiosíssimo quadro de Picasso, na verdade uma reprodução comum, que estaria inadvertidamente na parede de uma repartição pública, por desleixo e ignorância do governo Lula. Do outro lado, apenas a fala dos entrevistados: declarações de princípio, que têm a força das palavras, não da imagem.
A qualidade do recheio
Por que, com tantos jornalistas de peso, não se mostra o que eles próprios, ou pelo menos alguns deles, produziram de notável? A começar pela famosa denúncia da fraude na concorrência da Ferrovia Norte-Sul, que rendeu a Janio de Freitas o Prêmio Esso de Reportagem de 1987. O caso merece destaque em seu depoimento disponível no site, mas não aparece no filme.
Janio, a propósito, comparece várias vezes com observações rigorosas e contundentes. Já na parte final do documentário, joga um balde de água fria nas ilusões de uns e outros:
“O jornalismo num país como o Brasil é feito por empresas capitalistas interessadas no lucro. O jornalista costuma pensar que um jornal é editado pra fazer jornalismo. Não é, não. É editado para publicar publicidade. Que é o que dá dinheiro. O jornalismo recheia o entorno dos anúncios”.
Ainda assim, a qualidade do recheio faz toda a diferença. Teria sido importante exibi-la. Do contrário, a frase – também de Janio – que encerra o filme, “o jornalismo depende dos jornalistas”, soa puramente idealista.
Possibilidades e limites
No texto em que apresenta seu projeto, Furtado diz que sua obra é sobre imprensa e democracia. Discutir imprensa e democracia, porém, implicaria discutir as possibilidades e limites do jornalismo feito nas condições impostas pelo mercado. Os limites estão claros. As possibilidades, não. De tal modo que, ao sair do cinema, pode ficar a sensação de que Balzac teria razão ao afirmar que a imprensa, se não existisse, precisaria não ser inventada. O que é particularmente preocupante nos dias que correm, em que uma certa juventude, aí incluídos estudantes de jornalismo, vem cultivando, desde a explosão dos protestos de junho do ano passado, um ódio cada vez maior à imprensa “burguesa”, “golpista”, “fascista”.
Mas esses talvez nem se animem a ver o filme, uma vez que já têm suas convicções. Pelo contrário, houve manifestações de entusiasmo entre jovens que, depois de assistirem ao documentário, confirmaram ou passaram a ter certeza de que esta é mesmo a profissão que devem abraçar. Outros talvez se decepcionem: a reação a qualquer obra é sempre múltipla e, frequentemente, imprevisível.
Não se trata, portanto, de especular sobre os possíveis resultados, mas de discutir os caminhos escolhidos para a realização de um projeto de tal relevância.
Nossa imprensa, afinal, é feita de uma história cheia de contradições, com episódios de abjeto servilismo e de notável resistência, tanto em tempos de ditadura quanto em tempos de democracia. Exibir contrapontos práticos aos maus exemplos apresentados no filme teria sido relevante para realizar melhor as intenções de destruir ilusões mas preservar as esperanças, precisamente na base do necessário equilíbrio – ou confronto – entre o otimismo da vontade e o pessimismo da razão.
Leia também
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Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007
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