quarta-feira, 27 de setembro de 2017

TV Brasil cancela programa sobre mídia


Escrito por: Altamiro Borges 

Neoliberalismo não combina com democracia. Esta é uma máxima confirmada no mundo inteiro. O golpe dos corruptos, que alçou ao poder a quadrilha de Michel Temer, só reforça esta tese. Para impor a chamada “Ponte para o futuro” – também batizada de pinguela para o passado com suas políticas de desmonte do Estado, da nação e do trabalho –, o covil golpista tem feito de tudo para cercear as liberdades. Na semana retrasada, a TV Brasil anunciou formalmente o cancelamento do único programa de análise crítica da mídia nativa – o “Ver TV”, apresentado pelo jornalista Laurindo Lalo Leal Filho. As sete famílias que monopolizam os meios de comunicação e que tiveram papel protagonista no golpe devem ter ficado aliviadas. 
 
O jornalista Mauricio Stycer, da Folha, registrou o retrocesso: “No embalo das mudanças realizadas após a troca de gestão da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), em 2016, a TV Brasil confirmou esta semana o cancelamento do ‘Ver TV’, apresentado por Laurindo Leal Filho. Exibido desde fevereiro de 2006, era o único programa no ar com a proposta de debater o conteúdo e a qualidade da programação exibida pela televisão. O ‘Ver TV’ não era gravado havia quase um ano, mas a TV Brasil vinha exibindo reprises. Agora, nem mais... Na condição de crítico de televisão, participei de alguns debates do ‘Ver TV’, sempre sobre temas relevantes e com pluralidade de vozes. Lamento pelo fim do programa”.
 
A TV Brasil, que a cada dia mais se parece com a “TV Temer” em função do seu jornalismo chapa-branca, até tentou justificar a grave regressão. Argumentou que o corte do programa se deu “em função da grave restrição orçamentária pela qual passa a EBC... Só neste ano, o orçamento da empresa sofreu contingenciamento de 43%, o que tem forçado a direção a fazer ajustes e cortes na programação”. A desculpa, porém, é esfarrapada. Na prática, o covil golpista deseja cercear qualquer voz dissonante e agradar os barões da mídia monopolista, que protagonizaram o golpe dos corruptos. O respeitado Laurindo Lalo Leal Filho, em artigo postado na edição de setembro da Revista do Brasil, já havia alertado para este retrocesso. Vale conferir seu texto:
 
*****
 
Ascensão e queda da comunicação pública
 
A construção foi longa e demorada. A destruição rápida. Falo da comunicação pública brasileira representada pela EBC, a Empresa Brasil de Comunicação, responsável pelas TV Brasil nacional e internacional, por oito emissoras de rádio e duas agências de notícias.
 
Ao contrário do que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos, onde as emissoras públicas se constituíram na primeira metade do século passado, por aqui só conseguimos esse feito no final de 2007 com a criação da EBC.
 
Tentativas anteriores fracassaram. A mais arrojada delas ocorreu quando o segundo governo Vargas, no início dos anos 1950, se dispôs a outorgar um canal de televisão à Rádio Nacional, emissora líder de audiência no país, controlada governo federal. Com a morte do presidente o processo foi interrompido.
 
Juscelino Kubitschek tentou dar prosseguimento a iniciativa. A resposta da mídia comercial foi violenta. Assis Chateaubriand, o poderoso controlador dos Diários Associados, espécie de Organizações Globo da época, foi claro “se Vossa Excelência der o canal de televisão à Nacional, jogo toda a minha rede de rádio, imprensa e televisão contra o seu governo”, lembra o ator e compositor Mario Lago no livro de memórias “Bagaço de Beira de Estrada”. Diante da ameaça, JK esqueceu a promessa de criar o canal público. O espaço reservado no dial para a Nacional, o canal 4 do Rio de Janeiro, acabou nas mãos da Globo, ocupado por ela até hoje.
 
Consolidou-se assim o modelo de rádio e TV comercial em todo o país. Alguns estados, a partir dos anos 1960, até criaram emissoras não comerciais, no entanto elas sempre foram muito mais estatais do que públicas, controladas direta ou indiretamente pelos governantes do momento.
 
A EBC rompeu com essa prática. Ainda que impulsionada e mantida pelo governo federal, garantiu o seu caráter público com a participação ampla da sociedade em seu órgão máximo, o Conselho Curador. Além disso, deu ao seu presidente um mandato de quatro anos, revogável apenas por decisão do próprio Conselho.
 
Uma das primeiras medidas do governo que substituiu, por meio de um golpe parlamentar a presidenta Dilma Rousseff, foi acabar com esse dois instrumentos institucionais garantidores do caráter público da empresa. A EBC deixou de ser pública tornando-se apenas mais um ente estatal. Decisão contrária a própria Constituição Federal que em seu Artigo 223 determina a existência complementar de sistemas de radiodifusão privados, públicos e estatais. O atual governo acabou com o sistema público.
 
Decisão arbitrária que acabou com uma importante experiência de comunicação, fundamental para o funcionamento da democracia, sem receber da sociedade a contestação que merecia. Isso porque a EBC não conseguiu, em seus quase dez anos de existência conquistar os corações e mentes de ouvintes, leitores e telespectadores.
 
No Reino Unido, nos anos 1980, o governo neoliberal de Margareth Thatcher tentou privatizar a BBC. A resposta contrária da sociedade foi forte e imediata. A “dama de ferro” que havia dobrado o poderoso sindicato dos mineiros não conseguiu acabar com o caráter público do principal serviço de comunicação do país. Isso porque a BBC havia conquistado, com seu trabalho ao longo dos anos, o apoio da ampla maioria da população.
 
Por aqui, a TV Brasil nunca chegou a ser uma emissora nacional de fato, concorrente real das grandes corporações comerciais. Seu sinal não chegava a todo o território nacional ferindo um princípio básico da comunicação pública que é o da universalidade de acesso. Na maioria dos estados só podia ser sintonizada no canal controlado pelo governo local, ficando assim a mercê da vontade política dos governantes regionais de turno.
 
Das oito emissoras de rádio da EBC nenhuma delas chega a São Paulo. Um esforço para romper com essa situação foi feito pouco antes da intervenção do atual governo na empresa. A Rádio Brasil Atual passou a transmitir para a capital paulista e região um noticiário matinal em conjunto com a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, controlada pela EBC. Seria a libertação do monopólio informativo radiofônico existente no Estado. Infelizmente a experiência durou poucas semanas. O golpe acabou com ela.
 
A destruição tornou-se acelerada. Transformados em estatais, os veículos da EBC passaram a ser meros divulgadores das ações do governo federal, deixando de lado qualquer compromisso público. Serviços importantes, como os prestados pela Rádio Nacional da Amazônia, outra emissora da EBC, foram abandonados. Uma pane em seu transmissor causada por um raio a tirou do ar, sem que se vissem maiores esforços para recuperá-lo. Um contingente enorme de ouvintes que tinha na emissora a sua única janela para o mundo deixou de ser atendido.
 
Propõem-se agora a demissão voluntária de 500 funcionários da empresa, fala-se em fundir a TV Brasil com a NBR, a emissora oficial do governo, ouvem-se reclamações de ingerências políticas nas pautas jornalísticas, criticam-se distorções nos textos da Agência Brasil, fonte noticiosa de inúmeros veículos de comunicação por todo o país.
 
Destrói-se rapidamente, de maneira acintosa, uma dura conquista da sociedade brasileira. Que pelo menos os erros cometidos sirvam de lição para o momento em que a democracia plena for restaurada e a comunicação pública volte a ser entendida como patrimônio da nação.
 

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Quem 'governa' a Internet? Você já pensou nisso? Deveria..


Escrito por: Renata Mielli
Fonte: Midia Ninja

Ah! a Internet, essa coisa fantástica, que conecta o mundo todo e todo mundo. Como ela funciona? Onde ela está? Quem a governa?

A verdade é que a gente usa a internet e não pensa muito nessas coisas.
 
Queremos que ela seja cada vez mais ágil, que tenha mais funcionalidades, mas não discutimos nem acompanhamos o debate sobre os seus rumos, sobre as decisões que as pessoas que pensam nisso 24 horas por dia tomam. E eu posso afirmar, uma grande parte das pessoas que pensam nisso e tem poder político e econômico para decidir os rumos da internet não toma as decisões pensando no interesse público.
 
Está em curso um movimento mundial e nacional para deixar essas decisões, quase que exclusivamente, na mão desses grupos.
 
E quem são eles? Empresas de Telecomunicações (Vivo, AT&T, Claro), empresas de tecnologia e gigantes da internet como Google, Facebook e Amazon, para citar três dos maiores. Além dos governos, que podem ser de todo tipo: democráticos, autoritários, golpistas… A sociedade que usa a internet e sofre com os impactos dessas decisões está sendo escanteada.
 
No Brasil, o órgão responsável para fazer a governança da internet foi criado em 1995 – isso mesmo, no governo FHC – e se chama Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br.
 
E o modelo escolhido, depois aperfeiçoado em 2003 – no governo Lula – foi o que incorpora quatro segmentos interessados no assunto: o setor empresarial, o setor governamental, o setor acadêmico, e o terceiro setor. Esse modelo é chamado de multissetorial, porque inclui de forma equilibrada a presença do setor econômico, do Estado, as universidades e academias, e a sociedade civil que é usuária da internet.
 
Mas como o golpe em curso no Brasil vai sendo aprofundado à galope, o setor empresarial – que tem profundos interesses econômicos – com a ajuda do governo golpista, lesa pátria e venal, está tirando as manguinhas de fora e tentando alterar o modelo do CGI para que eles sejam maioria e tenham o controle sobre as decisões tomadas. Querem fazer do CGI.br uma Anatel da vida – um espaço capturado pelos interesses econômicos. Para saber mais, leia a nota de repúdio contra os ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil.
 
As Teles e o setor privado tem sido contrariados nos últimos anos pelas decisões tomadas no CGI.br, que se pauta pelo interesse público justamente pela sua composição multissetorial, e por leis como o Marco Civil da Internet, que impôs limites aos modelos de negócios predatórios que afetam a neutralidade da rede e tantas outras coisas que fazem da internet – ainda – um espaço aberto, livre, que não discrimina conteúdos na camada de infraestrutura, que protege a liberdade de expressão e o direito dos usuários na rede.
 
Se ainda há metade da população brasileira desconectada por falta de acesso à infraestrutura de telecomunicações que as permita utilizar a internet, se nos outros 50% conectados a maior parte tem uma conexão precária, geralmente pelo celular, com valores abusivos e franquias de dados totalmente limitantes para um uso integral da internet, caso a ofensiva do governo e das empresas sobre o CGI.br vingue, é bem provável que em pouco tempo a internet no Brasil seja muito diferente do que é hoje, ainda mais excludente, segmentada e para poucos.
 
E, num mundo cada vez mais dependente da internet, os excluídos serão cidadãos de segunda, terceira categoria.
Porque a gente não fala disso?
 
Se a internet é tão fundamental para a sociedade, se ela media praticamente todas as relações econômicas, sociais, culturais, se ela se torna cada vez mais indispensável para a vida, então porque a gente não debate essas coisas?
Primeiro porque nós, os mortais, estamos acostumados a fazer uso das tecnologias e ferramentas e ponto final. Desde que funcionem o resto não é da nossa conta. Essa é uma postura cultural, mas que precisamos começar a mudar, porque no mundo digital, no mundo da Internet das Coisas e da Inteligência Artificial sua vida offline será cada vez mais afetada por essas decisões.
 
Segundo porque é difícil para *!#@[**! E como todo assunto que tem uma dimensão técnica – e esse tem demais –quem já está tomando as decisões faz questão de complicar para afastar as pessoas do debate. E isso funciona. Quem é que consegue discutir arquitetura da informação, TCP-IP, IPV6, ccTLD’s, gTLD’s, DNS, peer to peer, PTT, criptografia, neutralidade de rede, interoperalidade, deep web, clock chain, bitcoin? Isso tudo é um amontoado de siglas e termos que não fazem sentido para a esmagadora maioria das pessoas, afinal, são só tecnicismos.
 
Mas, não são. E as decisões sobre essas coisas não são técnicas, apenas, elas são sobretudo políticas. E é aí que o bicho pega.
 
Vamos tentar falar sobre essas coisas incríveis de uma maneira menos complexa e ir, aos poucos, entendendo como a decisão de um nome de domínio afeta a soberania de um país e o interesse público.
 
Porque é necessário manter o caráter aberto e descentralizado da rede mundial de computadores.
 
Porque é imprescindível discutir privacidade e proteção de dados num mundo em que não só as pessoas, mas as coisas (carros, geladeiras, aviões, casas, até privadas) estão e estarão cada vez mais interconectadas.
 
E porque é fundamental acompanhar e pressionar para impedir as tentativas de mudar o modelo multissetorial do CGI.br. Sobre isso, convido você a acessar a página da Coalizão Direitos na Rede que tem acompanhado e se posicionado sobre esse assunto, e também a participar do Fórum da Internet no Brasil, evento promovido pelo CGI.br que discute vários destes assuntos e é aberto a todos.