domingo, 30 de junho de 2013

As manifestações de junho e a mídia


Do ponto de vista da grande mídia, é indispensável que se reflita sobre o tipo de cobertura política que vem sendo oferecida ao país
25/06/2013

Venício A. de Lima

Apesar da proximidade cronológica, parece razoável observar que o estopim para as manifestações populares que estão ocorrendo no país foi o aumento das tarifas do transporte coletivo e a repressão violenta da polícia (vitimando, inclusive, jornalistas no exercício de sua atividade profissional) – não só à primeira passeata realizada em São Paulo, mas também à manifestação realizada antes da abertura da Copa das Confederações, em Brasília. A partir daí, um conjunto de insatisfações que vinha sendo represado explodiu.
A primeira reação da grande mídia, bem como das autoridades públicas, foi de condenação pura e simples das manifestações que, segundo eles, deveriam ser reprimidas com ainda maior rigor. No entanto, à medida que o fenômeno se alastrou, autoridades e mídia alteraram a avaliação inicial.
A grande mídia, então, passa a cobrir os acontecimentos como se fosse apenas uma observadora neutra, que nada tem a ver com os fatos que desencadearam – para o bem ou para o mal – todo o processo.

Centralidade da mídia
Nas sociedades contemporâneas, apesar da velocidade das mudanças tecnológicas, sobretudo no campo das comunicações, a centralidade da mídia é tamanha que nada ocorre sem seu envolvimento direto e/ou indireto. Qual teria sido esse envolvimento no desencadeamento das atuais manifestações?
Um primeiro aspecto chama a atenção. Pelo que se sabe as manifestações têm sido convocadas por meio de redes sociais. Isto é, através de um sistema de comunicação independente do controle da grande mídia.
Na verdade, a se confirmar que a maioria dos participantes é de jovens (em Brasília, um dos “convocadores” da “Marcha do Vinagre” tem apenas 17 anos), trata-se de um segmento da população que se informa prioritariamente pelas redes sociais na internet e não pela grande mídia – jornais, revistas, radio, televisão.
Apesar disso, um aspecto aparentemente contraditório, mas fundamental – revelado inclusive em cartazes dispersos nas manifestações – é que os manifestantes se consideram “sem voz pública”, isto é, sem espaço para expressar e ter a voz ouvida.
Desnecessário lembrar que a grande mídia ainda exerce, na prática, o controle do acesso ao debate público, vale dizer, das vozes que se expressam e são ouvidas.
Além disso, a cultura política que vem sendo construída e consolidada no Brasil, pelo menos desde que a televisão se transformou em “mídia de massa” hegemônica, tem sido de desqualificação permanente da política e dos políticos. E é no contexto dessa cultura política que as novas gerações estão sendo formadas – mesmo não se utilizando diretamente da velha mídia.
Emerge, então, uma questão delicada.

A mídia e o system blame
Independentemente das inúmeras e verdadeiras razões que justificam a expressão democrática de uma insatisfação generalizada por parte de parcela importante da população brasileira, não se pode ignorar o papel da grande mídia na construção dessa cultura política que desqualifica sistematicamente a política e os políticos. E mais importante: não se pode ignorar os riscos potenciais para o regime democrático da prevalência dessa cultura política.
Recorri inúmeras vezes, ao longo dos anos, a uma arguta observação da professora Maria do Carmo Campello de Souza (já falecida) ao tempo da transição para a democracia, ainda no final da década de 1980.
Em capítulo com o título "A Nova República brasileira: sob a espada de Dâmocles", publicado em livro organizado por Alfred Stepan Democratizando o Brasil (Paz e Terra, 1988), ela discute, dentre outras, a questão da credibilidade da democracia. Nas rupturas democráticas, afirma ela, as crises econômicas têm menor peso causal do que a presença ou ausência do system blame (literalmente, "culpar o sistema"), isto é, a avaliação negativa do sistema democrático responsabilizando-o pela situação.
Citando especificamente os exemplos da Alemanha e da Áustria na década de 1930, lembra Campello de Souza que "o processo de avaliação negativa do sistema democrático estava tão disseminado que, quando alguns setores vieram em defesa do regime democrático, eles já se encontravam reduzidos a uma minoria para serem capazes de impedir a ruptura".
A análise da situação brasileira, há mais de duas décadas, parece mais atual do que nunca. A contribuição insidiosa da mídia para o incremento do system blame é apontada como um dos obstáculos à consolidação democrática. Vale a pena a longa citação:
A intervenção da imprensa, rádio e televisão no processo político brasileiro requer um estudo linguístico sistemático sobre o "discurso adversário" em relação à democracia, expresso pelos meios de comunicação. Parece-nos possível dizer (...) que os meios de comunicação tem tido uma participação extremamente acentuada na extensão do processo de system blame (...). Deve-se assinalar o papel exercido pelos meios de comunicação na formação da imagem pública do regime, sobretudo no que se refere à acentuação de um aspecto sempre presente na cultura política do país – a desconfiança arraigada em relação à política e aos políticos – que pode reforçar a descrença sobre a própria estrutura de representação partidária-parlamentar (pp. 586-7). (...)
O teor exclusivamente denunciatório de grande parte das informações acaba por estabelecer junto à sociedade (...) uma ligação direta e extremamente nefasta entre a desmoralização da atual conjuntura e a substância mesma dos regimes democráticos. (...) A despeito da evidente responsabilidade que cabe à imensa maioria da classe política pelo desenrolar sombrio do processo político brasileiro, os meios de comunicação a apresentam de modo homogeneizado e, em comparação com os dardos de sua crítica, poupam outros setores (...). Tem-se muitas vezes a impressão de que corrupção, cinismo e desmandos são monopólio dos políticos, dos partidos ou do Congresso (...). (pp.588-9, passim).

Avanços e riscos
As manifestações populares devem, por óbvio, ser vistas por aqueles em posição de poder como uma oportunidade de avançar, de reconsiderar prioridades e políticas públicas.
Do ponto de vista da grande mídia, é indispensável que se reflita sobre o tipo de cobertura política que vem sendo oferecida ao país. Encontrar o ponto ideal entre a fiscalização do poder público e, ao mesmo tempo, contribuir para o fortalecimento e a consolidação democrática, não deveria constituir em objetivo da grande mídia? A quem interessa a ruptura democrática?
Apesar de ser um tema delicado e difícil – ou exatamente por essa razão – é fundamental que se considere os limites entre uma cobertura sistematicamente adversária da política e dos políticos e os riscos de ruptura do próprio sistema democrático.
A ver.

Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

A hipocrisia da mídia

Vale assistir este comentario argentino sobre a TV Globo!!!!! Marco regulatório da comunicação já!!!

A hipocrisia da mídia: A Globo contra a juventude que protesta. Três dias depois.  A Globo se retrata e defende os jovens.

O significado e as perspectivas das mobilizações de rua


Para João Pedro Stedile, a juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando de uma luta ideológica. Assim, estão sendo disputados pelas ideias da direita e da esquerda
25/06/2013

Nilton Viana
da Redação

É hora do governo aliar-se ao povo ou pagará a fatura no futuro. Essa é uma das avaliações de João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sobre as recentes mobilizações em todo o país. Segundo ele, há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras, provocada por essa etapa do capitalismo financeiro. “As pessoas estão vivendo um inferno nas grandes cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais”, afirma. Para o dirigente do MST, a redução da tarifa interessava muito a todo o povo e esse foi o acerto do Movimento Passe livre, que soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo.

Nesta entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Stedile fala sobre o caráter dessas mobilizações, e faz um chamamento: devemos ter consciência da natureza dessas manifestações e irmos todos para a rua disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. “A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política burguesa, mercantil”, constata. E faz uma alerta: o mais grave foi que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se moldaram a esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. As forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas as suas energias para ir para a rua, pois está ocorrendo, em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. “Precisamos explicar para o povo quem são os principais inimigos do povo”.

Brasil de Fato – Como você analisa as recentes manifestações que vêm sacudindo o Brasil nas últimas semanas? Qual é a base econômica para elas terem acontecido?

   
   João Pedro Stedile, da coordenação do MST - Foto: José Cruz/ABr
João Pedro Stedile – Há muitas avaliações sobre por que estão ocorrendo estas manifestações. Me somo à análise da professora Ermínia Maricato, que é nossa maior especialista em temas urbanos e já atuou no Ministério das Cidades na gestão Olívio Dutra. Ela defende a tese de que há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras, provocada por essa etapa do capitalismo financeiro. Houve uma enorme especulação imobiliária que elevou os preços dos aluguéis e dos terrenos em 150% nos últimos três anos. O capital financiou – sem nenhum controle governamental – a venda de automóveis para enviar dinheiro para o exterior e transformou nosso trânsito um caos. E, nos últimos dez anos, não houve investimento em transporte público. O programa habitacional Minha casa, minha vida empurrou os pobres para as periferias, sem condições de infraestrutura. Tudo isso gerou uma crise estrutural, em que as pessoas estão vivendo um inferno nas grandes cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais. Somado a isso, a péssima qualidade dos serviços públicos, em especial na saúde e mesmo na educação, desde a escola fundamental, ensino médio, em que os estudantes saem sem saber fazer uma redação. E o ensino superior virou loja de vendas de diplomas a prestações, onde estão 70% dos estudantes universitários.

Do ponto de vista político, por que isso aconteceu?
Os 15 anos de neoliberalismo e mais os últimos dez anos de um governo de composição de classes transformou a forma de fazer política em refém apenas dos interesses do capital. Os partidos ficaram velhos em suas práticas e se transformaram em meras siglas que aglutinam, em sua maioria, oportunistas para ascender a cargos públicos ou disputar recursos públicos para seus interesses. Toda a juventude nascida depois das Diretas Já não teve oportunidade de participar da política. Hoje, para disputar qualquer cargo, por exemplo, o de vereador, o sujeito precisa ter mais de um milhão de reais. O de deputado custa ao redor de dez milhões de reais. Os capitalistas pagam e depois os políticos os obedecem. A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política burguesa, mercantil. Mas o mais grave foi que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se moldaram a esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. E, portanto, gerou na juventude uma ojeriza à forma dos partidos atuarem. E eles têm razão. A juventude não é apolítica, ao contrário, tanto é que levou a política para as ruas, mesmo sem ter consciência do seu significado. Mas está dizendo que não aguenta mais assistir na televisão essas práticas políticas que sequestraram o voto das pessoas, baseadas na mentira e na manipulação. E os partidos de esquerda precisam reapreender que seu papel é organizar a luta social e politizar a classe trabalhadora. Senão cairão na vala comum da história.

E por que as manifestações eclodiram somente agora?
Provavelmente tenha sido mais pela soma de diversos fatores de caráter da psicologia de massas, do que por alguma decisão política planejada. Somou-se todo o clima que comentei, mais as denúncias de superfaturamento das obras dos estádios, que é são um acinte ao povo. Vejam alguns episódios. A Rede Globo recebeu do governo do estado do Rio de Janeiro e da prefeitura R$ 20 milhões do dinheiro público para organizar o showzinho de apenas duas horas do sorteio dos jogos da Copa das Confederações. O estádio de Brasília custou R$ 1,4 bilhão e não tem ônibus na cidade! A ditadura explícita e as maracutaias que a Fifa/CBF impuseram e que os governos se submeteram. A reinauguração do Maracanã foi um tapa no povo brasileiro. As fotos eram claras, no maior templo do futebol mundial não havia nenhum negro ou mestiço! E aí o aumento das tarifas de ônibus foi apenas a faísca para acender o sentimento generalizado de revolta, de indignação. A gasolina para a faísca veio do governo tucano Geraldo Alckmin, que protegido pela mídia paulista que ele financia, e acostumado a bater no povo impunemente – como fez no Pinheirinho e em outros despejos rurais e urbanos – jogou sua polícia para a barbárie. Aí todo mundo reagiu. Ainda bem que a juventude acordou. E nisso houve o mérito do Movimento Passe Livre, que soube capitalizar essa insatisfação popular e organizou os protestos na hora certa.

Por que a classe trabalhadora ainda não foi à rua?
É verdade, a classe trabalhadora ainda não foi para a rua. Quem está na rua são os filhos da classe média, da classe media baixa, e também alguns jovens do que o Andre Singer chamaria de subproletariado, que estudam e trabalham no setor de serviços, que melhoraram as condições de consumo, mas querem ser ouvidos. Esses últimos apareceram mais em outras capitais e nas periferias. A redução da tarifa interessava muito a todo o povo e esse foi o acerto do Movimento Passe livre, soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo. E o povo apoiou as manifestações. Isso está expresso nos índices de popularidade dos jovens, sobretudo quando foram reprimidos. A classe trabalhadora demora a se mover, mas quando se move afeta diretamente o capital. Coisa que ainda não começou acontecer. Acho que as organizações que fazem a mediação com a classe trabalhadora ainda não compreenderam o momento e estão um pouco tímidas. Mas a classe, como classe, acho que está disposta a também lutar. Veja que o número de greves por melhorias salariais já recuperou os padrões da década de 1980. Acho que é apenas uma questão de tempo, é só as mediações acertarem nas bandeiras que possam motivar a classe a se mexer. Nos últimos dias já se percebe que em algumas cidades menores e nas periferias das grandes cidades já começam a ter manifestações com bandeiras de reivindicações bem localizadas. E isso é muito importante.

Vocês do MST e dos camponeses também não se mexeram ainda...
É verdade. Nas capitais onde temos assentamentos e agricultores familiares mais próximos já estamos participando. Inclusive, sou testemunha de que fomos muito bem recebidos com nossa bandeira vermelha e com nossa reivindicação de reforma agrária, alimentos saudáveis e baratos para todo o povo. Acho que nas próximas semanas poderá haver uma adesão maior, inclusive realizando manifestações dos camponeses nas rodovias e municípios do interior. Na nossa militância está todo mundo doido para entrar na briga e se mobilizar. Espero que também se mexam logo.

Na sua opinião, qual é a origem da violência que tem acontecido em algumas manifestações?
Primeiro vamos relativizar. A burguesia, através de suas televisões, tem usado a tática de assustar o povo colocando apenas a propaganda dos baderneiros e quebra-quebra. São minoritários e insignificantes diante das milhares de pessoas que se mobilizaram. Para a direita, interessa colocar no imaginário da população que isso é apenas bagunça e no final, se tiver caos, colocar a culpa no governo e exigir a presença das Forças Armadas. Espero que o governo não cometa essa besteira de chamar a guarda nacional e as Forças Armadas para reprimir as manifestações. É tudo o que a direita sonha! Quem está provocando as cenas de violência é a forma de intervenção da Policia Militar. A PM foi preparada desde a ditadura militar para tratar o povo sempre como inimigo. E nos estados governados pelos tucanos (SP, RJ e MG), ainda tem a promessa de impunidade. Há grupos direitistas organizados com orientação de fazer provocações e saques. Em são Paulo, atuaram grupos fascistas e leões de chácaras contratados. No Rio de Janeiro, atuaram as milícias organizadas que protegem seus políticos conservadores. E claro, há também um substrato de lumpesinato que aparece em qualquer mobilização popular, seja nos estádios, carnaval, até em festa de igreja, tentando tirar seus proveitos.

PM reprime manifestação em frente ao estádio Mané Garrincha, em Brasília (DF) - Foto: Felipe Canova
Há, então, uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude manifestando sua indignação?
É claro que há uma luta de classes na rua. Embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando de uma luta ideológica. Eles estão fazendo política da melhor forma possível, nas ruas. E aí escrevem nos cartazes: somos contra os partidos e a política? Por isso têm sido tão difusas as mensagens nos cartazes. Está ocorrendo, em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas ideias da direita e pela esquerda. Pelos capitalistas e pela classe trabalhadora. Por outro lado, são evidentes os sinais da direita muito bem articulada e de seus serviços de inteligência, que usam a internet, se escondem atrás das máscaras e procuram criar ondas de boatos e opiniões pela internet. De repente, uma mensagem estranha alcança milhares de mensagens. E aí se passa a difundir o resultado como se ela fosse a expressão da maioria. Esses mecanismos de manipulação foram usados pela CIA e pelo Departamento de Estado Estadunidense, na Primavera Árabe, na tentativa de desestabilização da Venezuela, na guerra da Síria. É claro que eles estão operando aqui também para alcançar os seus objetivos.

E quais são os objetivos da direita e suas propostas?
A classe dominante, os capitalistas, os interesses do império Estadunidense e seus porta-vozes ideológicos, que aparecem na televisão todos os dias, têm um grande objetivo: desgastar ao máximo o governo Dilma, enfraquecer as formas organizativas da classe trabalhadora, derrotar quaisquer propostas de mudanças estruturais na sociedade brasileira e ganhar as eleições de 2014, para recompor uma hegemonia total no comando do Estado brasileiro, que agora está em disputa. Para alcançar esses objetivos, eles estão ainda tateando, alternando suas táticas. Às vezes, provocam a violência para desfocar os objetivos dos jovens.
Às vezes, colocam nos cartazes dos jovens a sua mensagem. Por exemplo, a manifestação do sábado (22), embora pequena, em São Paulo, foi totalmente manipulada por setores direitistas que pautaram apenas a luta contra a PEC 37, com cartazes estranhamente iguais e palavras de ordem iguais. Certamente, a maioria dos jovens nem sabem do que se trata. E é um tema secundário para o povo, mas a direita está tentando levantar as bandeiras da moralidade, como fez a UDN em tempos passados. Isso que já estão fazendo no Congresso, logo, logo vão levar às ruas. Tenho visto nas redes sociais controladas pela direita, que suas bandeiras, além da PEC 37 são: saída do Renan do Senado; CPI e transparência dos gastos da Copa; declarar a corrupção crime hediondo e fim do foro especial para os políticos. Já os grupos mais fascistas ensaiam Fora Dilma e abaixo-assinados pelo impeachment. Felizmente, essas bandeiras não têm nada a ver com as condições de vida das massas, ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E, objetivamente podem ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e políticos que são os maiores corruptos e corruptores. Quem se apropriou dos gastos exagerados da copa? A Rede Globo e as empreiteiras!

Nesse cenário, quais os desafios que estão colocados para a classe trabalhadora e as organizações populares e partidos de esquerda?
Os desafios são muitos. Primeiro devemos ter consciência da natureza dessas manifestações e irmos todos para a rua disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência na luta de classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa se mover, ir para a rua, manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como diria Geraldo Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas concretos da classe, do ponto de vista econômico e político. Terceiro, precisamos explicar para o povo quem são os principais inimigos do povo. E agora são os bancos, as empresas transnacionais que tomaram conta de nossa economia, os latifundiários do agronegócio e os especuladores. Precisamos tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a prioridade de investimentos públicos seja em saúde, educação, reforma agrária. Mas para isso, o governo precisa cortar juros e deslocar os recursos do superávit primário, aqueles R$ 200 bilhões que todo ano vão para apenas 20 mil ricos, rentistas, credores de uma dívida interna que nunca fizemos, deslocar para investimentos produtivos e sociais. É isso que a luta de classes coloca para o governo Dilma: os recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os problemas do povo? Aprovar em regime de urgência para que vigore nas próximas eleições uma reforma política de fôlego, que, no mínimo institua o financiamento publico exclusivo da campanha. Direito a revogação de mandatos e plebiscitos populares autoconvocados. Precisamos de uma reforma tributaria que volte a cobrar ICMS das exportações primárias e penalize a riqueza dos ricos, e amenize os impostos dos pobres, que são os que mais pagam. Precisamos que o governo suspenda os leilões do petróleo e todas as concessões privatizantes de minérios e outras áreas publicas. De nada adianta aplicar todo os royalties do petróleo em educação, se os royalties representarão apenas 8% da renda petroleira, e os 92% irão para as empresas transnacionais que vão ficar com o petróleo nos leilões! Uma reforma urbana estrutural, que volte a priorizar o transporte público, de qualidade e com tarifa zero. Já está provado que não é caro, e nem difícil instituir transporte gratuito para as massas das capitais. E controlar a especulação imobiliária. E, finalmente, precisamos aproveitar e aprovar o projeto da Conferência Nacional de Comunicação, amplamente representativa, de democratização dos meios de comunicação. Assim, acabar com o monopólio da Globo, para que o povo e suas organizações populares tenham amplo acesso a se comunicar, criar seus próprios meios de comunicação, com recursos públicos. Ouvi de diversos movimentos da juventude que estão articulando as marchas que talvez essa seja a única bandeira que unifica a todos: abaixo o monopólio da Globo! Mas, para que essas bandeiras tenham ressonância na sociedade e pressionem o governo e os políticos, é imprescindível a classe trabalhadora se mover.

O que o governo deveria fazer agora?
Espero que o governo tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse apoio, esse clamor que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma consciência difusa na sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do povo. Para isso o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Enfrentar a burguesia rentista, deslocando os pagamentos de juros para investimentos em áreas que resolvam os problemas do povo. Promover logo as reformas políticas, tributárias. Encaminhar a aprovação do projeto de democratização dos meios de comunicação. Criar mecanismos para investimento pesados em transporte público, que encaminhem para a tarifa zero. Acelerar a reforma agrária e um plano de produção de alimentos sadios para o mercado interno. Garantir logo a aplicação de 10% do PIB em recursos públicos para a educação em todos os níveis, desde as cirandas infantis nas grandes cidades, ensino fundamental de qualidade até a universalização do acesso dos jovens a universidade pública. Sem isso, haverá uma decepção e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, que levarão a novas manifestações, visando desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se ao povo ou pagará a fatura no futuro.

E que perspectivas essas mobilizações podem levar para o país nos próximos meses?
Tudo ainda é uma incógnita, porque os jovens e as massas estão em disputa. Por isso que as forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas suas energias, para ir para a rua. Manifestar-se, colocar as bandeiras de luta de reformas que interessam ao povo. Porque a direita vai fazer a mesma coisa e colocar as suas bandeiras conservadoras, atrasadas, de criminalização e estigmatização das ideias de mudanças sociais. Estamos em plena batalha ideológica, que ninguém sabe ainda qual será o resultado. Em cada cidade, em cada manifestação, precisamos disputar corações e mentes. E quem ficar de fora, ficará de fora da historia.
Foto: Marcelo Camargo/ABr

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Dilma anuncia plebiscito por reforma política e novo pacto com 5 itens

Em reunião com prefeitos e governadores das 27 unidades federativas, a presidente Dilma Rousseff anunciou nesta segunda-feira (24), no Palácio do Planalto, em Brasília, que irá pedir um plebiscito popular convocando uma reforma política no país.

Leia também: Entidades cobram reforma política

Ela anunciou um novo pacto com cinco itens. São eles:
1- pacto por responsabilidade fiscal nos governos federal, estaduais e municipais;
2 - pacto por reforma política, incluindo um plebiscito popular sobre o assunto e a inclusão da corrupção como crime hediondo;
3 - pacto pela saúde: "importação" de médicos estrangeiros para trabalhar nas zonas interioranas do país. A presidente anunciou ainda novas vagas de graduação em cursos de medicina e novas vagas de residência médica;
4 - pacto no transporte público: a presidente afirmou que o país precisa dar um "salto de qualidade no transporte públicos nas grandes cidades", com mais metrôs, VLTs e corredores de ônibus;
5 - pacto na educação pública: pediu mais recursos para a educação. A presidente voltou a falar que é necessário que o Congresso aprove a destinação de 100% dos recursos dos royalties do petróleo para a educação.

A Constituição de 1988 prevê, em seu artigo 14, que "a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular".

A presidente voltou a comentar a onda de manifestações que ocorre no país há duas semanas. "É preciso saber escutar as vozes das ruas. É preciso que todos, sem exceção, entendam esse sinais com humildade", disse aos governadores e prefeitos.

Em vários atos pelo país, os manifestantes têm afirmado que não se sentem representados por nenhum partido político e chegaram a hostilizar integrantes de legendas partidárias que participam das manifestações. "O povo, unido, não precisa de partido!" e "Sem partido, sem partido" foram gritos de guerra comuns nos protestos pelo país.
Após os anúncios, a presidente começou, de fato, a reunião com os 27 governadores e 26 prefeitos das capitais.

Em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão na última sexta, Dilma disse que anunciaria um pacto com governadores e prefeitos pela melhoria dos serviços públicos. "Esta mensagem [das ruas] exige serviços públicos de mais qualidade. Ela quer escolas de qualidade; ela quer atendimento de saúde de qualidade; ela quer um transporte público melhor e a preço justo; ela quer mais segurança. Ela quer mais. E para dar mais, as instituições e os governos devem mudar. Irei conversar, nos próximos dias, com os chefes dos outros poderes para somarmos esforços. Vou convidar os governadores e os prefeitos das principais cidades do país para um grande pacto em torno da melhoria dos serviços públicos."

Reunião com o MPL

Antes de se encontrar com os governadores, Dilma esteve reunida com integrantes do MPL (Movimento Passe Livre), que organizou os protestos pela revogação do aumento na tarifa em São Paulo.

Os integrantes do MPL, ao sair da reunião, disseram que "a luta continuará" até o governo apresentar medidas concretas para reduzir a tarifa de transporte público no país. "Foi importante para iniciar um diálogo, mas a luta pela tarifa zero continua até haver medidas concretas neste sentido", afirmou Mayara Vivian. "A presidente reconheceu o transporte como direito social e a gente vai cobrar isso".



Após a reunião com o MPL, o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, reconheceu que o transporte público no Brasil é de má qualidade.

Antes da reunião de hoje, o MPL divulgou nesta segunda-feira (24) uma carta aberta à presidente Dilma Rousseff, na qual criticam o tratamento dispensado pelo governo federal aos movimentos sociais e criticam a "máfia dos transportes".

"Ficamos surpresos com o convite para esta reunião. Esse gesto de diálogo que parte do governo destoa do tratamento aos movimentos sociais que tem marcado a política desta gestão", diz a carta.
Acesse no site de origem: Dilma anuncia plebiscito por reforma política e novo pacto com 5 itens (UOL - 24/06/2013)

 Publicado em: http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Uma virada na cobertura

fotografia: Taís Ferreira/Belo Horizonte

Luciano Martins Costa
Observatório da Imprensa
14/06/2013 
 
De repente, não mais que de repente, o noticiário sobre as manifestações que paralisam grandes cidades brasileiras há uma semana sofre uma reviravolta: agora os jornais começam a enxergar os excessos da polícia e mostrar que no meio da tropa há agentes provocadores e grupos predispostos à violência.

Um dos relatos mais esclarecedores sobre o momento em que a passeata realizada na capital paulista na quinta-feira (13/06) deixou de ser pacífica é feito pelo colunista Elio Gaspari, na Folha de S.Paulo e no Globo (ver "A PM começou a batalha na Maria Antônia"). Ele descreve como uma equipe da tropa de choque se posicionou e agiu deliberadamente para provocar o tumulto.
Há também, na rede social digital, um vídeo mostrando um PM, aparentemente por orientação de um oficial, quebrando o vidro da viatura. A imagem, cuja autenticidade só pode ser confirmada pela própria Polícia Militar, está diponível no Youtube.

No Facebook, registro para a legenda colocada sob cenas dos conflitos, no noticiário da GloboNews durantea noite: “Polícia fecha a Avenida Paulista para evitar que manifestantes fechem a Avenida Paulista”. Nessa linha de raciocínio, pode-se imaginar também a seguinte manchete: “Polícia usa violência para evitar violência de manifestantes”.

Truculência e irresponsabilidade

Foi preciso mais do que evidências para a imprensa cair na real: os repórteres testemunharam dezenas de ações abusivas de policiais, como a retirada e o espancamento de um casal que tomava cerveja num bar, alheio à passeata, ou o lançamento de granadas de gás em meio aos carros travados nos congestionamentos.

Claramente, não se trata de bolsões descontrolados, mas de uma ação organizada dentro da corporação policial, o que mostra o esgarçamento da disciplina e do controle na Polícia Militar. A única possibilidade de desmentir tal observação é a ação imediata do comando, identificando e afastando das ruas os oficiais responsáveis por esses grupos.

A violência gratuita e excessiva ficou registrada nas páginas dos jornais, entre outras razões, porque desta vez houve mais jornalistas entre as vítimas de agressões. Sete deles são repórteres da Folha de S. Paulo. Isso talvez explique a mudança de tom nas reportagens, mas o relato da violência não esgota o assunto, apenas instala algum equilíbrio na visão dos fatos por parte da imprensa.

Para ampliar sua compreensão do que realmente se passa nas ruas da cidade por estes dias, o leitor tem que se valer de outras fontes além dos jornais e do noticiário da TV. Por exemplo, o vereador Ricardo Young, que acompanhou o indiciamento de alguns manifestantes detidos, registrou no Facebook um fato preocupante: policiais fizeram a revista de mochilas e bolsas longe de testemunhas, trocando conteúdos e inserindo em algumas delas materiais estranhos, como pedras e pacotes com maconha. Assessores do vereador denunciam que houve tentativa de “plantar” provas contra alguns dos manifestantes detidos.

É notória a má vontade da polícia, como instituição, contra jovens em geral, talvez ainda um resquício da ideologia de segurança pública que se consolidou durante a ditadura militar e que ainda orienta a formação nas academias. Os indicadores de agressões cometidas por agentes públicos contra homens jovens são um dos aspectos mais evidentes nos estudos sobre a violência nas grandes cidades brasileiras. O encontro dessa mentalidade com a irresponsabilidade de grupos de manifestantes que se julgam autores de uma revolução política pode resultar em tragédia.

Ações ilegais

Se algum fato mais grave vier a ocorrer em futuras manifestações, pode-se contar como grande a probabilidade de haver alguns desses policiais envolvidos. Portanto, a responsabilidade pelo que virá a partir de segunda-feira (17/6), quando nova manifestação está marcada para o Largo da Batata, na zona oeste de São Paulo, tem um peso maior na Secretaria de Segurança Pública.
Isso não quer dizer que a prefeitura e os líderes do Movimento Passe Livre, bem como os dirigentes dos partidos cujas bandeiras são agitadas por alguns ativistas, estejam isentos de arcar com sua parte na tarefa de prevenir o desastre.

A imprensa, que finalmente despertou para o fato de que há vândalos em ambos os lados do conflito, pode ajudar a identificar os comandantes dessas ações ilegais, assim como tem sabido apontar os autores de depredações durante os protestos.

Foi preciso que alguns jornalistas sofressem a violência no próprio corpo para que os jornais se dessem conta de que nem tudo é o que parece.