sábado, 29 de setembro de 2012

O desmantelamento do estado de bem estar social é o DNA do capitalismo. Entrevista especial com Ruy Braga


“Há um retrocesso da solidariedade da classe estruturada durante o período fordista, e um avanço de um projeto de sociedade marcadamente individualista e neoliberal, um individualismo esvaziado de solidariedade, profundamente marcado pela concorrência com os diferentes atores”, diz o sociólogo.

Confira a entrevista.


“As políticas de austeridade derivam de uma tentativa de transferir o ônus econômico para as classes trabalhadoras”, frisa o sociólogo Ruy Braga, ao comentar o desmantelamento do Estado de bem-estar social nos países europeus que enfrentam a crise econômica. Segundo ele, para diminuir os prejuízos do capital financeiro, o Estado nacional assume “ônus de socializar as perdas entre as classes sociais subalternas”.

Na avaliação de Braga, a crise atual é de natureza política e econômica e se manifesta de “forma mais ou menos aguda desde meados da década de 1970”. Os pacotes de austeridade impostos pela Tróika apontam para “a questão de que o capitalismo não é capaz de resolver essa dupla contradição, ou seja, integrar os trabalhadores e ao mesmo tempo protegê-los. Essa foi uma ilusão do capitalismo pós-guerra, especialmente na Europa”, enfatiza o sociólogo em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.

A solução da crise e a manutenção dos direitos sociais dependem do resgate do internacionalismo. “É importante o pensamento de esquerda ter presente que a crise portuguesa não será resolvida em Portugal, que a crise espanhola não será resolvida na Espanha, que a crise italiana não será resolvida na Itália, que a crise grega não será resolvida na Grécia. O que se demanda efetivamente é uma unificação daqueles que se colocam em posição flagrante contra esse projeto da ‘Tróika’, de política de austeridade etc.”. E dispara: “Caso contrário, essas forças de esquerda irão se perder na tentativa inócua de tentar solucionar problemas pontuais do sistema, pensados do ponto de vista da administração política da crise econômica”.

Ruy Braga (foto abaixo) é especialista em Sociologia do Trabalho, e leciona no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP, onde coordenou o Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania - Cenedic. No mês de novembro deste ano Braga lançará seu novo livro, intitulado Política do precariado, pela editora Boitempo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o capital está se reestruturando diante da crise financeira internacional? A luta de classes ainda se manifesta nessa reestruturação?

Ruy Braga
– É importante destacar que o processo de reestruturação do capitalismo ocorre desde os anos 1990 em escala global, que foi o período de largo desenvolvimento das políticas neoliberais, de ajuste estrutural das economias nacionais, de reestruturação produtiva e corporativa das empresas, e o período que assistiu o colapso das economias do leste Europeu.

Do ponto de vista do processo de luta de classes em nível internacional, essa reestruturação capitalista, que atende pelo nome de mundialização do capital, tem uma dupla dimensão. A primeira é estritamente política, que diz respeito ao rearranjo de poder e força dos Estados-nação, em especial aquelas forças políticas que dirigem ou dirigiram historicamente os diferentes aparelhos governamentais, como a social democracia na Europa e algumas experiências nacional-desenvolvimentistas na América Latina. Por outro lado, tem-se uma reestruturação propriamente econômica, que articulou tanto a mundialização das empresas como uma reestruturação produtiva, que terceiriza, promove o avanço da tecnologia de informação, que efetivamente globaliza a sua esfera de ação. Na articulação dessa dupla dinâmica política e econômica as classes subalternas, em escala internacional, dão um passo atrás na década de 1990 – esse é o período do auge do neoliberalismo e do desmonte daquela forma de solidariedade classista, que se identifica grosso modo com o operariado fordista na Europa, na América Latina e nos EUA.

Então, há um retrocesso da solidariedade da classe estruturada durante o período fordista, e um avanço de um projeto de sociedade marcadamente individualista e neoliberal, um individualismo esvaziado de solidariedade, profundamente marcado pela concorrência com os diferentes atores. Nesse contexto é que a luta de classe retrocede na década de 1990. Entretanto, a partir de meados desse período, início dos anos 2000, identifica-se alguns exemplos de retomada do processo de reorganização das classes subalternas, em especial no caso da greve do funcionalismo público francês, de 1995, e a formação dos estados gerais, em 1998, o que imprime um ritmo distinto no “desmanche” das classes subalternas em escala global.

Os anos 2000 foram marcados pela retomada da organização das classes subalternas, que acabou empurrando o centro da dinâmica política latino-americana para a esquerda. Nesse período foram eleitos vários governos cunho frente popular, dentre os quais o mais famoso evidentemente é o caso brasileiro, com a eleição do Lula em 2002, o que abre um novo período dessa dinâmica de luta de classes. Em resumo, diria que há avanços e recuos, progressos e retrocessos do ponto de vista das classes. No entanto, o mais importante a se destacar é que o jogo ainda está sendo jogado, ou seja, não existe uma palavra final para esse contexto.

IHU On-Line – Após algumas décadas de avanços na consolidação do Welfare State, o modelo de seguridade social está ameaçado e constantemente reduzido pelos pacotes de austeridade dos governos europeus. O que está acontecendo? Qual a raiz deste desmantelamento social?

Ruy Braga
– Novamente, é importante destacar essa dupla dimensão econômica e política. Por um lado, percebe-se economicamente o flagrante ataque às políticas de bem-estar disferido pela “Troika” (FMI, Banco Mundial e pela Comissão Europeia), os quais respondem evidentemente a uma exigência do capital europeu. Ou seja, para que haja a possibilidade de diminuir os prejuízos do capital financeiro europeu, é necessário que o Estado nacional assuma o ônus de socializar as perdas entre as classes sociais subalternas. Então, existe uma dinâmica econômica que se inscreve num período de longo prazo. É uma crise que se estende de forma mais ou menos aguda desde meados da década de 1970, e que hoje se manifesta de uma maneira mais contundente do ponto de vista do endividamento de alguns países, em especial países da semiperiferia capitalista europeia, como é o caso, notoriamente, de Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Mas essa dinâmica da crise de endividamento, da impossibilidade de se manter essa valorização do capital financeiro em escala continental e em escala global, tem atingido também países do centro do capitalismo, como é o caso da Inglaterra e da França. Então, o capitalismo irá se estender numa crise econômica que está se aprofundando, se tornando mais abrangente do ponto de vista geográfico. Essa conjuntura coloca desafios para essas sociedades nacionais e, evidentemente, os setores conservadores ligados diretamente ao capital financeiro buscam transferir o ônus dessa crise, do prejuízo econômico, para as classes trabalhadoras, as classes sociais subalternas.

As políticas de austeridade basicamente derivam dessa dinâmica, uma tentativa de transferir o ônus econômico para as classes trabalhadoras. Evidentemente esse é um mecanismo político, ou seja, exige a integração da política. Então, abre-se um período de flagrante luta de classes na Europa, haja vista, por exemplo, as manifestações que têm ocorrido em Portugal – as mais importantes manifestações da história portuguesa desde 25 de abril de 1974.

IHU On-Line – Como o capitalismo transformou os ideais de igualdade, universalização de direitos e bem estar social? Esses sonhos estão sendo substituídos?

Ruy Braga
– Principalmente o capitalismo europeu e o modelo do Estado de bem estar social prometeram uma inclusão dos setores mais pauperizados das classes subalternas, por intermédio de políticas de bem-estar que garantissem o consumo, independentemente do tempo de investimento na produção, do tempo de investimento econômico nas empresas. Esse modelo também prometeu segurança para os trabalhadores que já estavam inseridos no mercado de trabalho. Essa dupla promessa está sendo literalmente negada, está sendo desmontada com a dinâmica da crise atual. Isso aponta para a questão de que o capitalismo não é capaz de resolver essa dupla contradição, ou seja, integrar os trabalhadores e, ao mesmo tempo, protegê-los. Essa foi uma ilusão do capitalismo pós-guerra, especialmente na Europa.

IHU On-Line – Como compreender que diante de tantas conquistas materiais e técnicas, especialmente no mundo do trabalho, ainda perduram a ameaça do desemprego, a crescente insegurança e precariedade das novas ocupações, a exclusão social?

Ruy Braga
– O desemprego, a insegurança e a incapacidade do sistema de proteger são dinâmicas do capitalismo, isso é o DNA do capitalismo, porque esse modelo se apoia na concorrência, na busca pelo lucro máximo. Então, é possível ter histórica, circunstancial e regionalmente situações de proteção social, mas elas serão rapidamente amesquinhadas diante da competição com outros países. Por exemplo, basta identificar a entrada da China no jogo do capitalismo global. O preço da força de trabalho dos trabalhadores chineses coloca pressão sob o preço da força de trabalho dos trabalhadores franceses, alemães, ingleses, portugueses, americanos e assim por diante, porque as empresas tendem a migrar para regiões que pagam menor salário. Então, há uma dinâmica da concorrência que progressivamente tende a erodir as conquistas vinculadas à proteção e à inclusão social.

IHU On-Line – Diante da atual conjuntura, como é possível avaliar o projeto das esquerdas no mundo?

Ruy Braga
– No caso europeu, é importante o pensamento de esquerda ter presente que a crise portuguesa não será resolvida em Portugal, que a crise espanhola não será resolvida na Espanha, que a crise italiana não será resolvida na Itália, que a crise grega não será resolvida na Grécia. O que se demanda efetivamente é uma unificação daqueles que se colocam em posição flagrante contra esse projeto da “Tróika”, de política de austeridade etc. Isso naturalmente demanda uma escala nova de articulação de lutas, de solidariedade, que é exatamente uma escala internacional, que pode ser, num primeiro momento, em escala regional, ou seja, uma dinâmica propriamente europeia. Mas essa dinâmica não pode se limitar à Europa, tem que se estender para outros países do mundo, para os Estados Unidos, para a América Latina, e assim sucessivamente. Então, o primeiro valor que a esquerda precisa resgatar, para efetivamente enfrentar essa conjuntura de crise, é o do internacionalismo. Ele é imprescindível, é insubstituível para se enfrentar a dinâmica da crise capitalista em escala global.

IHU On-Line – Por que a esquerda não conseguiu propor nada diferente e aderiu ao neoliberalismo?

Ruy Braga
– A esquerda propõe. Porém, o problema é que, na esfera dos governos, a única coisa que se encontra é uma tentativa de fazer com que o capitalismo funcione melhor, quando na verdade ele está colocado diante de outro dilema. A própria crise ecológica nos coloca, como espécie humana, dentro de outro dilema: como superar esse sistema que só oferece crise, degradação social, destruição ambiental, ou seja, que não satisfaz os interesses da humanidade. Então, tem que resgatar uma outra dinâmica de ação, que é anticapitalista. Só com base nessa dinâmica anticapitalista será possível avançar. Caso contrário, essas forças de esquerda irão se perder na tentativa inócua de tentar solucionar problemas pontuais do sistema, pensados do ponto de vista da administração política da crise econômica. Quer dizer, isso vai esgotar de fato as forças de esquerda. Isso não corresponde às reais necessidades que a humanidade tem diante dos olhos.

IHU On-Line – Quais os resquícios da tentativa de implementar o socialismo no mundo? Esse modelo ainda tem relevância em algum país?

Ruy Braga –
O socialismo continua na ordem do discurso absolutamente urgente para a humanidade; o problema é como chegar lá. Então, basicamente tem-se que resgatar os valores do internacionalismo operário, dos trabalhadores; tem-se que apostar na independência propriamente de classe, ou seja, buscar construir a unidade entre os trabalhadores, apoiada em seus programas, e que seja intransigente em relação aos governos e às empresas. Tem-se que apostar em uma alternativa socialista, articular as forças propriamente anticapitalistas numa frente unificada de ação; tem-se que resgatar o caráter socialista nas lutas contra todas as formas de opressão e de exploração; tem-se que incorporar as lutas contra a opressão das mulheres, contra a dominação dos jovens, contra a opressão racial, contra a discriminação por orientação sexual; tem-se que incorporar o feminismo e a luta dos setores subalternos num amplo projeto de transformação radical da sociedade, sem o qual nós vamos ficar aí, enfim, enredados nessa trama da crise capitalista.

IHU On-Line – Quais são as aproximações e as diferenças entre as esquerdas da América Latina? O que as aproxima e o que as diferencia?

Ruy Braga
– A América Latina deu uma guinada à esquerda nos últimos quinze anos. Isso é perceptível por intermédio da hegemonia que, por exemplo, governos como o de Hugo Chávez, o lulismo aqui no Brasil, Rafael Correa, no Equador, e Evo Morales, na Bolívia, representam diferentes faces desta reação ao projeto neoliberal, dessa crise do neoliberalismo no continente, mas evidentemente com as suas contradições e as suas diferenças.

No caso brasileiro, essa reação é muito parcial, porque o atual modelo de desenvolvimento implementado, liderado, conservado e reproduzido pelo lulismo ainda mantém traços muito flagrantes do neoliberalismo a despeito de colocar uma ênfase maior em políticas redistributivas. A dinâmica brasileira é mais de atuação do Estado sobre a sociedade, como é também a dinâmica do governo de Hugo Chávez, ou seja, uma dinâmica muito concentrada na questão do Estado e na tentativa de controlar a independência dos movimentos sociais de base. Tanto um quanto outro, com diferentes matizes, tende a erodir as bases sociais de uma alternativa socialista, porque acabam fazendo com que os setores mais econômicos sejam incorporados ao Estado. No caso da Bolívia, consigo identificar uma dinâmica mais centrada numa contradição, num conflito entre os movimentos sociais de base e o governo, como também acontece no Equador. Então, entre essa tentativa de o Estado de controlar os movimentos sociais, e a reação dos movimentos sociais a esse controle do Estado, é que está sendo decidida a política de esquerda na América Latina, e consequentemente o futuro dessa mesma política.

IHU On-Line – Especificamente no Brasil, como avalia as discussões sobre a possibilidade de o governo brasileiro flexibilizar as leis trabalhistas e de implantar o modelo trabalhista alemão no Brasil? Quais as implicações para o mundo do trabalho?

Ruy Braga
– Evidentemente essa é uma tendência mundial – e brasileira também. Basta analisar a década de 1990 em termos de flexibilização da legislação do trabalho, aquilo que na Sociologia do Trabalho se chama “contratualização ou precarização” no contrato de trabalho, com a intervenção de inúmeras formas de contratação por tempo determinado, inúmeras formas de contrato temporário etc. Se o governo Dilma aceitar o princípio do acordado sobre o legislado, estará evidentemente contribuindo para o aprofundamento da flexibilização da precarização, que já é muito alto no país.

O mundo do trabalho brasileiro é fundamentalmente precário, ou seja, os trabalhadores encontram funções de trabalho e de contrato tão precarizados, que é necessário o apoio e a intervenção de um terceiro para garantir o mínimo de reconhecimento ou de direitos. E esse mínimo é basicamente a legislação do trabalho, ou seja, se, em benefício de alguns setores que são mais organizados, se apoia ou legaliza o princípio do acordado sobre o legislado, estar-se-á efetivamente impedindo ou bloqueando que os direitos se generalizem.

IHU On-Line – Ao mesmo tempo em que há uma apatia política, surgem novas manifestações sociais como Os Indignados e os acampados de Wall Street. Como vê essas novas manifestações? O que os movimentos sociais precisam para ter representatividade política junto à sociedade civil e mobilizá-la novamente?

Ruy Braga
– Existe uma dinâmica de mobilização internacional que se expressa tanto na Europa como no mundo Árabe. Isso é uma constatação mais ou menos evidente. Porém, é importante destacar que existe uma interconexão entre essas manifestações, ou seja, a esperança da revolução árabe de alguma maneira fertiliza a juventude europeia, da mesma maneira que repercute sobre a juventude nos Estados Unidos. Então, tem-se uma nova dinâmica de mobilização, tanto do ponto de vista de um impulso democrático dos setores da juventude como também um impulso de democratização que se espalha pelos setores da classe trabalhadora, haja vista, por exemplo, o processo do Egito e da Tunísia.

Costumo dizer que a juventude europeia e os setores mais precarizados e explorados, submetidos aos contratos temporários – que assumem os piores postos de trabalhos disponíveis no mercado, que não conseguem perceber um horizonte de progresso ocupacional, um progresso social –, são os mais atacados pelas políticas de austeridade, pela contenção de despesas e gastos sociais e pela diminuição da rede de proteção pública. Assim, tais setores estão propriamente lutando pela manutenção, pela conquista e pela ampliação de direitos. Eles são, de fato, uma força profundamente progressista do ponto de vista político. Existe uma simbiose entre esses diferentes movimentos, Occupy Wall Street, Os Indignados e a Primavera Árabe, pensados evidentemente do ponto de vista da juventude, que se engaja no processo de mobilização por mais democracia e assim por diante. É evidente que há um plano de fundo, que é a crise econômica. A crise econômica acelera e catalisa essa mobilização.

O caso brasileiro é um pouco diferente, porque a crise chegou tardiamente do ponto de vista dos ritmos de espalhamento da crise. Desde o ano passado nós temos identificado uma série de iniciativas nacionais bastante radicalizadas, como as greves nacionais de setores de trabalhadores, greves nacionais dos Correios, dos bancários, dos peões das obras do PAC. Tem havido ampla mobilização nacional de professores de ensino fundamental. Há uma retomada da dinâmica da mobilização social, que tende a fortalecer o movimento sindical crítico e acrescentar propriamente contradições àquele movimento sindical governista. O momento atual é de transição na direção de retomada de um ciclo de mobilização sindical e dos trabalhadores, que tende a se espalhar também pela juventude.
(Por Patricia Fachin)

Publicada em: http://www.ihu.unisinos.br

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Manter viva a causa do PT: para além do “Mensalão”



      

Leonardo Boff*


Há um provérbio popular alemão que reza: “você bate no saco mas pensa no animal que carrega o saco”. Ele se aplica ao PT com referência ao processo do “Mensalão”. Você bate nos acusados mas tem a intenção de bater no PT. A relevância espalhafatosa que o grosso da mídia está dando à questão, mostra que o grande interesse não se concentra na condenação dos acusados, mas através de sua condenação, atingir de morte o PT.

De saída quero dizer que nunca fui filiado ao PT. Interesso-me pela causa que ele representa pois a Igreja da Libertação colaborou na sua formulação e na sua realização nos meios populares. Reconheço com dor que quadros importantes da direção do partido se deixaram morder pela mosca azul do poder e cometeram irregularidades inaceitáveis. Muitos sentimo-nos decepcionados, pois depositávamos neles a esperança de que seria possível resistir às seduções inerentes ao poder. Tinham a chance de mostrar um exercício ético do poder na medida em que este poder reforçaria o poder do povo que assim se faria participativo e democrático. Lamentavelmente houve a queda. Mas ela nunca é fatal. Quem cai, sempre pode se levantar. Com a queda não caiu a causa que o PT representa: daqueles que vem da grande tribulação histórica sempre mantidos no abandono e na marginalidade. Por políticas sociais consistentes, milhões foram integrados e se fizeram sujeitos ativos. Eles estão inaugurando um novo tempo que obrigará todas as forças sociais a se reformularem e também a mudarem seus hábitos políticos.

Por que muitos resistem e tentam ferir letalmente o PT? Há muitas razões. Ressalto apenas duas decisivas.

A primeira tem a ver com uma questão de classe social. Sabidamente temos elites econômicas e intelectuais das mais atrasadas do mundo, como dizia Darcy Ribeiro. Estão mais interessadas em defender privilégios do que garantir direitos para todos. Elas nunca se reconciliaram com o povo. Como escreveu o historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma no Brasil 1965,14) elas “negaram seus direitos, arrasaram sua vida e logo que o viram crescer, lhe negaram, pouco a pouco, a sua aprovação, conspiraram para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continuam achando que lhepertence”. Ora, o PT e Lula vem desta periferia. Chegaram democraticamente ao centro do poder. Essas elites tolerariam Lula no Planalto, apenas como serviçal, mas jamais como Presidente. Não conseguem digerir este dado inapagável. Lula Presidente representa uma virada de magnitude histórica. Essas elites perderam. E nada aprenderam. Seu tempo passou. Continuam conspirando, especialmente, através de uma mídia e de seus analistas, amargurados por sucessivas derrotas como se nota nestes dias, a propósito de uma entrevista montada de Veja contra Lula. Estes grupos sepropõem apear o PT do poder e liquidar com seus líderes.


A segunda razão está em seu arraigado conservadorismo. Não quererem mudar, nem se ajustar ao novo tempo. Internalizaram a dialética do senhor e do servo. Saudosistas, preferem se alinhar de forma agregada e subalterna, como servos, ao senhor que hegemoniza a atual fase planetária: os USA e seus aliados, hoje todos em crise de degeneração. Difamaram a coragem de um Presidente que mostrou a autoestima e a autonomia do país, decisivo para o futuro ecológico e econômico do mundo, orgulhoso de seu ensaio civilizatório racialmente ecumênico e pacífico. Querem um Brasil menor do que eles para continuarem a ter vantagens.

Por fim, temos esperança. Segundo Ignace Sachs, o Brasil, na esteira das políticas republicanas inauguradas pelo do PT e que devem ser ainda aprofundadas, pode ser a Terra da Boa Esperança, quer dizer, uma pequena antecipação do que poderá ser a Terra revitalizada, baixada da cruz e ressuscitada. Muitos jovens empresários, com outra cabeça, não se deixam mais iludir pela macroeconomia neoliberal globalizada. Procuram seguir o novo caminho aberto pelo PT e pelos aliados de causa. Querem produzir autonomamente para o mercado interno, abastecendo os milhões de brasileiros que buscam um consumo necessário, suficiente e responsável e assim poderem viver um desafogo com dignidade e decência. Essa utopia mínima é factível. O PT se esforça por realizá-la. Essa causa não pode ser perdida em razão da férrea resistência de opositores superados porque é sagrada demais pelo tanto de suor e de sangue que custou.

*Leonardo Boff é teólogo, filósofo, escritor e dr.h.causa em politica pela Universidade de Turim por solicitação de Norberto Bobbio.


Estou enviando este artigo para livre publicação e circulação a propósito das intrigas que se originam a partir do julgamento do "mensalão". Elas transcendem este julgamento e, a meu ver, pretendem politicamnte atingir o PT como um todo e o ex-Presidente Lula.
Um abraço
Lboff

Discurso do Presidente do Uruguai, José Pepe Mujica na Rio+20

Vale a pena ouvir esse discurso lucido, simples e direto em defesa da felicidade humana!!!!

Projeto regulamenta direito de resposta na imprensa


A Câmara analisa o Projeto de Lei 3523/12, do deputado Andre Vargas (PT-PR), que cria regras para o direito de resposta e de retificação. Previsto na Constituição, o direito de resposta deve ser proporcional ao agravo, sendo prevista também indenização por dano material, moral ou à imagem.

Atualmente, além do estabelecido pela Constituição, não há uma regra legal vigente sobre o direito de resposta. Ele era regulamentado pela Lei de Imprensa (5.250/67), mas esta foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2009.

O projeto de Vargas garante esse direito a qualquer pessoa que tenha sido objeto de acusações ou ofensas errôneas ou inverídicas ou que possam afetar sua honra publicadas na imprensa escrita, na internet, na rádio ou na televisão. A resposta será veiculada no mesmo periódico onde tenha se dado a ofensa e, em caso de rádio ou TV, será lida por um locutor na mesma emissora e no mesmo programa.

O direito de resposta poderá ser exercido pelo próprio titular, por seu representante legal ou por herdeiros, independentemente dos direitos de natureza penal ou civil originados pelo mesmo fato. Não haverá direito de resposta caso o interessado concorde com correção ou esclarecimento sobre o fato publicado ou transmitido.

Regras
Ainda segundo a proposta, o exercício da prerrogativa deverá ser requerido nos 20 dias seguintes à transmissão ou publicação ofensiva diretamente aos órgãos de imprensa ou às emissoras de rádio e TV. O texto da resposta deverá ser entregue preferencialmente em formato eletrônico, limitando-se aos fatos que a originaram. Poderá ter no máximo 300 palavras ou, se for maior, o número de palavras do fato que a originou, vedadas as expressões caluniosas, difamatórias ou injuriosas.

A transmissão ou publicação do direito de resposta será gratuita, na mesma seção ou horário, com o mesmo formato da publicação ou transmissão ofensiva, e repetida tantas vezes quantas as referências originais.

O pedido de resposta poderá ser negado caso seja feito inapropriadamente, provenha de pessoa sem legitimidade ou não tenha fundamento. Nesse caso, o interessado poderá reapresentar o pedido devidamente corrigido em até 48 horas após a recusa.

Por outro lado, a recusa infundada permite ao interessado recorrer ao Judiciário. Caso o pedido seja julgado procedente, a reposta deverá ser veiculada em um prazo de 24 horas ou na edição seguinte e deverá mencionar expressamente a decisão judicial. Além disso, o juiz condenará o réu ao pagamento de multa ao autor, no valor de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil.

Com o projeto, Andre Vargas pretende agilizar as respostas às ofensas veiculadas na mídia. "O direito a resposta é 'cláusula pétrea'. Não podem ser admitidas obstruções ao seu pleno exercício", afirma o autor.

Tramitação
O projeto tramita em conjunto com o PL 3232/92, do Senado, e outras 21 proposições que já estão prontas para serem votadas pelo Plenário.

Fonte: Agência Câmara de Notícias



Confira também: Memória: Direito de resposta concedido pela justiça contra a TV Globo


Memória: Direito de resposta concedido pela justiça contra a TV Globo

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Quem tem medo da verdade?


O mais importante processo da história brasileira está sendo levado adiante pela Comissão da Verdade, independente de que seja apenas uma condenação moral e política da ditadura e de todos e tudo que esteve vinculado a ela.

Foi um momento crucial na história do país, em que se escolhia entre a democracia e a ditadura. Triunfou a ditadura, pela força das armas, incitada pelo governo dos EUA, pela direita brasileira, pelo grande empresariado do país, praticamente pela totalidade da mídia da época (exceção da Última Hora), pela Igreja católica.

O país agora, finalmente, passa a limpo aquele período brutal da história brasileira, com a Comissão da Verdade. A mídia, os partidos da direita, militares, se sentem incômodos com a ação da Comissão, porque pretendiam enterrar da memória nacional aquele período e sua participação vergonhosa nele.

O discurso sobre o julgamento atual do STF serve também para encobrir aquele período e a atuação da Comissão da Verdade. Daí os epítetos como se esse julgamento tocasse nos fundamentos da história brasileira e não o sobre a ditadura.

A ditadura não apenas mudou os rumos da história brasileira do ponto de vista político. Ela bloqueou o processo de democratização social e econômica e acentuou ainda mais as desigualdades. Alem das brutais ações repressivas, logo nos primeiros dias foram decretadas intervenções em todos os sindicatos e o arrocho salarial – tão essenciais à ditadura quanto a repressão física.

O grande empresariado nacional e internacional foi diretamente beneficiário do regime ditatorial, aumentou exponencialmente seus lucros com o arrocho e a repressão aos sindicatos, intensificou a super exploração dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, empresas da mídia, com a Globo à frente, impuseram seu monopólio durante o período ditatorial.

A ação da Comissao da Verdade é escondida pela velha mídia, ela mesma temerosa que as investigações revelam suas estreitas e promíscuas relações com a ditadura militar. Quando finalmente a Comissão da Verdade enunciar suas conclusões sobre o golpe e a ditadura miliar, não haverá nada da parafernália de hoje em relação ao processo do STF: nem transmissão direta, nem cadeias nacionais, nem entrevista com as vítimas e os familiares das vítimas da ditadura.

O medo que eles têm da verdade da Comissão da Verdade, por si só, é confissão de culpa da velha mídia, dos partidos da direita e de militares ligados à ditadura.

Postado por Emir Sader em http://www.cartamaior.com.br/