sábado, 28 de dezembro de 2013

Filme O Capital, de Costa Gavras, está disponível na internet

Quem não viu no cinema tem agora a chance de assistir ao filme mais recente do diretor grego Costa Gavras. Ele é conhecido por filmes que tratam das ditaduras e dos movimentos de resistência no continente latino-americano. Alguns exemplos são o Estado de Sítio, sobre os tupamaros no Uruguai, e, Desaparecido: um grande mistério, sobre a ditadura de Pinochet no Chile. Também dirigiu O Corte, que apresenta um retrato ácido do desespero frente ao desemprego e a falta de oportunidades que reinam no sistema neoliberal. Em O Capital, ele dá continuidade à reflexão sobre o mundo contemporâneo: suas desigualdades, seus valores e o poder do dinheiro. “Vamos continuar roubando os pobres para dar aos ricos” é a frase-chave do filme.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Assange e Snowden expõem novas falhas na espionagem dos EUA


                 

Snowden conseguiu refúgio na Rússia, onde os EUA não podem alcançá-lo, enquanto Assange permanece em Londres
Asilados em países com os quais os EUA mantêm relações diplomáticas, mas não podem interferir no sistema jurídico ou político para exigir que sejam presos, o ex-espião norte-americano Edward Snowden e o editor do site WikiLeaks, Julian Assange, seguem na missão de expor, publicamente, novas falhas na espionagem de agências governamentais. Para Assange, provocar a debilitação do serviço de inteligência dos Estados Unidos foi uma grande vitória para as denúncias do portal que vazou documentos diplomáticos sensíveis que mostravam articulações controversas. A declaração foi citada pela emissora persa HispanTV, nesta segunda-feira.

– Se um pequeno editor é capaz de acertar um golpe contra o Pentágono (o Departamento de Defesa norte-americano), então fortes grupos políticos, de diferentes países, não deveriam ter motivos para temer os Estados Unidos como tinham antes. Se os Estados criam as suas agências de inteligência para controlar as pessoas, elas também têm direito de fazer o mesmo – enfatizou Assange, em entrevista ao diário esloveno Delo.

Segundo Assange, apesar do grande orçamento e dos recursos tecnológicos com os que contam as agências de inteligência dos Estados Unidos, existem evidências concretas sobre a incompetência deste sistema. Para o jornalista australiano, os funcionários dos centros de inteligência e vigilância “não são, em absoluto, como James Bond”, e sua maioria é composta por “empregados de escritório que sonham com as suas próximas férias”.

Assange comparou esses órgãos governamentais a “insetos sórdidos e repulsivos que começam a correr de pânico quando levantam a pedra sob a qual se escondiam da luz do dia”, e disse que a prosperidade dos seus funcionários só é alcançada na sombra. Em referencia à sua decisão de candidatar-se ao Parlamento da Austrália, fracassada por não conseguir votos suficientes nas eleições do passado 7 de Setembro, Assange destacou que deve aparecer no Senado como “um espião e trabalhar pelo bem das pessoas.”

Assange está asilado na Embaixada do Equador no Reino Unido, para evitar a extradição à Suécia, sob a acusação de delitos sexuais que nega veementemente, e possivelmente aos Estados Unidos, onde pode enfrentar julgamento por espionagem e ser imputado com graves penas, inclusive a de morte.

Novos limites
Enquanto Assange conversava com jornalistas, em Londres, oito gigantes norte-americanas da Internet se uniram em uma campanha por novos limites sobre como os governos coletam informações de usuários, em reação às preocupações acerca da crescente vigilância eletrônica, nesta manhã. As companhias – Google, Microsoft, Apple, Facebook, Twitter, LinkedIn, Yahoo e AOL – divulgaram uma carta aberta ao presidente dos EUA, Barack Obama, e ao Congresso norte-americano pedindo que promovam reformas e restrições a atividades de vigilância.

Documentos vazados pelo ex-técnico de inteligência Edward Snowden revelaram que a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês) invadiu e provavelmente teve algumas dessas companhia como alvo de espionagem, o que levou Microsoft, Google e Yahoo a aumentar a criptografia de seus dados. Na carta, as companhias dizem compreender a necessidade dos governos protegerem a segurança de seus cidadãos, mas acreditam que as leis e práticas atuais precisam de reformas.

A campanha das empresas pela reforma na vigilância dos governos detalha cinco preocupações principais, incluindo a limitação ao poder dos governos em coletar informações de usuários, transparência sobre solicitações governamentais e a prevenção a conflitos entre governos. Obama disse na semana passada ter a intenção de propor uma reforma da NSA para assegurar aos cidadãos norte-americanos que a privacidade deles não está sendo violado pela agência.

“A segurança dos dados de usuários é crítica, razão pela qual nós investimos tanto em criptografia e lutamos por transparência acerca de solicitações por informações pelo governo”, diz um trecho da carta replicado pelo presidente-executivo do Google, Larry Page, em sua página na Internet. ”Isso é afetado pela aparente coleta de dados no atacado, de maneira secreta e sem supervisão independente, conduzidas por muitos governos ao redor do mundo. É tempo de uma reforma e pedimos ao governo dos EUA que lidere este caminho”.

Em uma medida para acalmar usuários insatisfeitos, a Microsoft afirmou na semana passada que vai contestar judicialmente qualquer tentativa por parte de agências de inteligência dos EUA de acessar dados de clientes empresariais estrangeiros sob o julgo de leis de vigilância dos EUA.


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Por que no meio da dor os negros dançam, cantam e riem?

Leonardo Boff

Milhares de pessoas em toda a África do Sul misturam choro com dança, festa com lamentos pela morte de Nelson Mandela. É a forma como realizam culturalmente o rito de passagem da vida deste lado para a vida do outro lado, onde estão os anciãos, os sábios e os guardiães do povo, de seus ritos e das normas éticas. Lá está agora Mandela de forma invisível mas plenamente presente acompanhando o povo que ele tanto ajudou  a se libertar.

Momentos como estes nos fazem recordar de nossa mais alta ancestralidade humana. Todos temos nossas raízes na Africa, embora a grande maioria o desconheça ou não lhe dê importância. Mas é decisivo que nos reapropriemos de nossas origens, pois elas, de um modo ou de outro, na forma de informação, estão inscritas no nosso código genético e espiritual.

Refiro-me aqui tópicos de um texto que há tempos escrevi sob o título:”somos todos africanos” atualizado face à situação atual mudada. De saída importa denunciar a tragédia africana: é o continente mais esquecido e vandalizado das políticas mundiais. Somente suas terras contam. São compradas pelos grandes conglomerados mundiais e pela China para organizar imensas plantações de grãos que devem garantir a alimentação, não da Africa, mas de seus países ou negociadas no mercado especulativo. As famosas “land grabbing” possuem, juntas, a extensão de uma França inteira. Hoje a África é uma espécie de espelho retrovisor de como nós humanos pudemos no passado e podemos hoje ainda  ser desumanos e terríveis. A atual neocolonização é mais perversa que a dos séculos passados.

Sem olvidar esta tragédia, concentremo-nos na herança africana que se esconde em nós. Hoje é consenso entre os paleontólogos e antropólogos que a aventura da hominização se iniciou na África, cerca de sete milhões de anos atrás. Ela se acelerou passando pelo homo habilis, erectus, neanderthalense até chegar ao homo sapiens cerca de noventa mil anos atrás. Depois de ficar 4,4 milhões de anos em solo africano este se propagou para a Asia, há sessenta mil anos; para a Europa, há quarenta mil anos; e para as Américas há trinta mil anos. Quer dizer, grande parte da vida humana foi vivida na África, hoje esquecida e desprezada.

A África além de ser o lugar geográfico de nossas origens, comparece como  o arquétipo primal: o conjunto das marcas, impressas na alma de todo ser humano. Foi na África que este elaborou suas primeiras sensações, onde se articularam as crescentes conexões neurais (cerebralização), brilharam os primeiros pensamentos, irrompeu a criatividade e emergiu a complexidade social que permitiu o surgimento da linguagem e da cultura. O espírito da África, está presente em todos nós.

Identifico três eixos principais do espírito da África que  podem nos inspirar na superação da crise sistêmica que nos assola.

O primeiro é o amor à Mãe Terra, a Mama Africa. Espalhando-se pelos vastos espaços africanos, nossos ancestrais entraram em profunda comunhão com a Terra, sentindo a interconexão que todas as coisas guardam entre si, as águas, as montanhas, os animais, as florestas e as energias cósmicas. Sentiam-se parte desse todo. Precisamos nos reapropriar deste espírito da Terra para salvar Gaia, nossa Mãe e única Casa Comum.

O segundo eixo é a matriz relacional (relational matrix no dizer dos antropólogos). Os africanos usam a palavra ubuntu que singifica:”eu sou o que sou porque pertenço à comunidade” ou “eu sou o que sou através de você e você é você através de mim”. Todos precisamos uns dos outros; somos interdependentes. O que a física quântica e a nova cosmologia dizem acerca de interconexão de todos com todos é uma evidência para o espírito africano.

À essa comunidade pertencem os mortos como Mandela. Eles não vão ao céu, pois o céu não é um lugar geográfico, mas um modo de ser deste nosso mundo.  Os mortos continuam no meio do povo como conselheiros e guardiães das tradições sagradas.      

O terceiro eixo são os rituais e celebrações. Ficamos admirados que se dedique um dia inteiro de orações por Mandela com missas e ritos. Eles sentem Deus na pele, nós ocidentais na cabeça. Por isso dançam e mexem todo o corpo enquanto nós ficamos frios e duros como um cabo de vassoura.

Experiências importantes da vida pessoal, social e sazonal são celebrados com ritos, danças, músicas e apresentações de máscaras. Estas representam as energias que podem ser benéficas ou maléficas. É nos rituais que ambas se equilibram e se festeja a primazia do sentido sobre o absurdo.

Notoriamente é pelas festas e ritos que a sociedade refaz suas relações e reforça a coesão social. Ademais nem tudo é trabalho e luta. Há a celebração da vida, o resgate das memórias coletivas e a recordação das vitórias sobre ameaças vividas.

Apraz-me trazer o testemunho pessoal de um dos nosos mais brilhantes jornalistas, Washington Novaes:”Há alguns anos, na África do Sul, impressionei-me ao ver que bastava se reunirem três ou quatro negros para começarem a cantar ea  dançar, com um largo sorriso. Um dia, perguntei a um jovem motorista de taxi:"Seu povo sofreu e ainda sofre muito. Mas basta se juntarem umas poucas pessoas e vocês estão dançando, cantando, rindo. De onde vem tanta força?" E ele: "Com o sofrimento, nós aprendemos que a nossa alegria não pode depender de nada fora de nós. Ela tem de ser só nossa, estar dentro de nós."

Nossa população afrodescendente nos dá a mesma amostra de alegria que nenhum capitalismo e consumismo pode oferecer.

Publicado em:  http://www.cartamaior.com.br/