quarta-feira, 25 de julho de 2012

Três irmãos de Sangue, dia 27, sexta-feira, 22h30, na TV Brasil

Documentário conta a vida dos irmãos Betinho, Henfil e Chico Mário
Programa de cinema -Tres irmaos de sangueOs irmãos Betinho, Henfil e Chico Mário
O documentário Três Irmãos de Sangue, de Ângela Patrícia Reiniger, trata da trajetória de Betinho, Henfil e Chico Mário, três irmãos hemofílicos, que driblaram a morte e atingiram o sucesso profissional, na sociologia, no humor e na música.
Símbolos da luta contra a AIDS e contra a ditadura no Brasil, os três irmãos contribuíram muito para o processo brasileiro de redemocratização. Além da constante proximidade com a morte, o que sempre motivou o trio foi o amor que tinham pelo país. Jovens na época do golpe militar de 1964, eles foram peças importantes na luta pela liberdade.
O filme conta com depoimentos de grandes nomes da música, como João Bosco, Aldir Blanc e Ivan Lins; do humor, como Ziraldo, Millôr Fernandes e Jaguar, além de diversas personalidades importantes na história do país, como o Frei Betto, e familiares dos irmãos Souza.
No ano de 2007, Três Irmãos de Sangue foi premiado como Melhor Filme no V Cine Fest Petrobras Brasil, em Nova Iorque; Melhor Longa-Metragem, no Festival de Cinema de Natal; Melhor Filme, no Festival de Cinema de Natal; Melhor Roteiro, no Recine; Melhor Roteiro para Documentário, no Festival de Cinema de Goiânia (2006); e Melhor Filme na Mostra Internacional de Vídeo em Saúde (2008). Reprise. 102 min.
Ano: 2006. Gênero: documentário. Direção: Ângela Patrícia Reiniger. Idealização e direção musical: Marcos Souza
Livre
 
http://tvbrasil.ebc.com.br/

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Como a ditadura monitorava Chico, Caetano e outras estrelas da cultura



Lucas Ferraz
Folha Online
O escritor Antonio Callado e a mulher, Ana Arruda, foram os primeiros a serem detidos. Desembarcavam no aeroporto do Galeão, no Rio, no voo 861 da Varig, procedente de Nova York. O oficial de migração, ao identificá-los, comentou: "Eles chegaram. Agora só faltam os dois".
Horas depois, os dois apareceram: Chico Buarque de Hollanda e Marieta Severo vinham escoltados por policiais dentro de uma Kombi cinza. Coincidentemente, o compositor e a atriz, vindos de Lisboa num voo da TAP, chegaram ao Rio pouco depois de Callado e a mulher.
Fotografias da ditadura são liberadas para consulta; veja imagens
Os casais se encontraram no subsolo do terminal. Estavam presos, "para averiguações", sob suspeita de subversão.
"Marieta, sempre despreocupada, olhou para a minha cara e disse: 'Logo você, que nem viajou para Cuba!'", recorda Ana.
Marieta conta que a detenção era previsível. "Sabíamos que isso ia acontecer, já esperávamos pela polícia."
O depoimento à Polícia Federal, ainda no aeroporto, durou mais de três horas. Chico e Callado tinham estado na ilha de Fidel Castro no mês anterior, em janeiro de 1978. As bagagens de ambos foram meticulosamente revistadas.
Callado teve a bainha do blazer rasgada -- os agentes suspeitavam de eventuais mensagens ocultas no tecido. "Os charutos que ele ganhou de Fidel foram todos picotados, um absurdo", lembra a viúva do escritor.
Chico trazia discos italianos e portugueses, livros e uma correia de violão com a inscrição "Cuba". "Confiscaram praticamente toda a nossa bagagem", confirmou o compositor à Folha, por e-mail, de Paris, onde passa férias.
Em busca de coisas escondidas, os policiais quebraram o braço da boneca da pequena Kadi, de quatro anos, que Ana e Callado conduziam de volta para o pai, o percussionista baiano Tutti Moreno.
Após responderem a um questionário com mais de 70 itens, geralmente aplicado aos exilados (que já começavam a voltar com os primeiros ventos da abertura política), Chico e Callado foram liberados.
Não sem mais uma convocação. "Fomos intimados para novo depoimento na semana seguinte, o Callado e eu, separadamente", recorda o compositor.
Documentos da ditadura sobre Chico Buarque
Relatórios secretos mostram monitoramento das atividades de Chico Buarque pela ditadura militar. Leia mais
INTIMAÇÕES
Francisco Buarque de Hollanda perdeu as contas de quantas "intimações ou convites" recebeu na ditadura para prestar esclarecimentos. Ele garantiu, em antiga entrevista, terem sido bem mais de 20.
A convocação ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social) do Rio, em dia 27 de fevereiro de 1978, uma semana depois do desembarque no Galeão, para dar mais "esclarecimentos" sobre a viagem a Cuba, tinha ares de guerra psicológica.
"Fui recebido por uns sujeitos esquisitos, à paisana, todos com umas pastas do Clube dos Diretores Lojistas", recorda. "Ao contrário de tantas detenções anteriores, onde o que eu mais fazia era tomar esporro de militares ou agentes da Polícia Federal, desta vez o tom era de provocação ideológica."
A Folha teve acesso ao depoimento do cantor, que permaneceu inédito por 34 anos (leia transcrição em folha.com/ilustrissima). Nele, Chico reage de maneira desafiadora.
"Estou sendo obrigado a prestar essas declarações em lugar de trabalhar. Trabalho dez horas por dia e estou perdendo um tempo precioso vindo à polícia", disse o cantor no interrogatório, ressaltando não saber "se seus interrogadores trabalhavam e o que eles produziam."
Chico, no Dops, afirmou que não estava "realizado politicamente" no Brasil, onde "falta liberdade". "Em Cuba sim", disse à época, "há liberdade".
"Lá todos pensam da mesma maneira, pois todo o povo está integrado ao processo revolucionário. O Brasil, para atingir o socialismo, deveria passar por um processo revolucionário idêntico ao cubano. O mundo todo caminha para o socialismo. Inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, todos os países serão socialistas."
Sobre a ditadura, que naquele mês de março completaria 14 anos, Chico afirmou aos interrogadores que o "governo brasileiro mete os pés pelas mãos". E mostrou-se favorável à aprovação da Lei da Anistia.
Antes de deixar a sala, o compositor assinou duas folhas em branco. Numa delas, rabiscou: "não vou responder mais nada" e assinou logo abaixo. Noutra, foi mais formal: "No dia 27 de fevereiro de 1978, nas dependências do D.P.P.S., quando estava sendo ouvido, neguei-me a responder às perguntas que me eram formuladas".
ESTOURO
A Folha enviou a Chico Buarque a cópia do documento. Ele reconheceu sua letra e explicou o motivo do estouro: "Resolvi responder no mesmo tom, mesmo porque já não estávamos no início dos anos 70. As pessoas sabiam onde eu estava depondo, a história toda tinha sido noticiada. O interrogatório foi exaustivo, e a certa altura eu disse que não falaria mais nada. Eles me mandaram afirmar isso por escrito. Foi o que fiz."
Dos quatro brasileiros que viajaram para Havana, só o escritor Ignácio de Loyola Brandão não enfrentou a polícia política. "Pediram para eu antecipar minha passagem de volta, tive que trocar com um embaixador a pedido do governo cubano. Cheguei um dia antes do previsto e passei direto", disse Loyola à Folha.
Além de Chico e Callado, o jornalista Fernando Morais, outro integrante da caravana que visitou Cuba, também tinha sido detido ao desembarcar, dois dias antes.
Os quatro foram a Cuba a convite do governo local, para integrar o júri do então prestigioso prêmio Casa de Las Américas, do governo castrista. Naquele ano, entre os jurados, também estavam o poeta uruguaio Mario Benedetti e o escritor colombiano Gabriel García Márquez.
Ir a Cuba, naqueles tempos, significava uma grave transgressão. O Brasil não mantinha relações diplomáticas com o regime de Fidel Castro e muitos brasileiros envolvidos na luta armada estavam exilados na ilha -ou pelo menos passaram por lá para treinar técnicas de guerrilha.
Para evitar suspeitas, eles voltaram ao Brasil por diferentes caminhos.
Callado, que estava em Cuba sem a mulher, foi encontrá-la nos EUA. Chico e Marieta passaram pela Europa. Fernando Morais e sua mulher à época, a psicanalista Rubia Delorenzo, passaram por Kingston, na Jamaica, e Cidade do México. Desembarcaram no aeroporto de Congonhas.
"Assim que o avião pousou, a aeromoça chamou meu nome, dizendo para me apresentar na cabine de comando", conta Morais. "Da janela, vi um camburão do Dops parado na pista. O delegado Romeu Tuma [chefe do Dops, futuro senador] nos esperava lá embaixo. Fomos tratados como subversivos VIP."
Na delegacia, o jornalista enfrentou o primeiro embaraço: engoliu uma minifita cassete na qual tinha gravado, de forma amadora, uma apresentação de Chico Buarque no teatro Karl Marx, em Havana, ao lado das estrelas cubanas Silvio Rodríguez e Pablo Milanés. Muitos exilados brasileiros assistiram ao show.
O jornalista, que deglutiu a fita para não entregar ninguém, lamenta que nunca mais conseguiu recuperar o material. "Foi parar no rio Tietê", brinca.
ARQUIVO NACIONAL
Em junho, o Arquivo Nacional, em Brasília, abriu alguns dos papéis da ditadura para o público, no bojo da Lei de Acesso à Informação, em vigor desde maio.
Os documentos mostram que todos os grandes nomes da cultura brasileira das décadas de 60 ou 70, em algum momento, foram acompanhados de perto pelos órgãos de segurança, segundo os papeis só agora liberados.
Da tentativa de se eleger presidente do grêmio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 1966 (que o compositor diz ter sido uma brincadeira de amigos, pois nem estudava mais lá), até a sua atuação na campanha das Diretas-Já, quase 20 anos depois, Francisco Buarque de Hollanda foi, de longe, o artista brasileiro mais monitorado pelos órgãos da repressão.
Sua carreira artística está toda inventariada, documentada e escarafunchada em relatórios produzidos por órgãos de Marinha, Exército e Aeronáutica, além das Polícias Civil e Federal. Sempre na peculiar linguagem dos escrivães da época e ornados com uma profusão de carimbos de "sigiloso", "confidencial", "secreto" etc.
As fichas com referências ao compositor, mais de 700, contêm ainda os "dossiês pessoais", espécies de "prontuários" com todos os dados disponíveis sobre o alvo.
Amigos e especialistas na vida e obra do compositor confirmaram à Folha o ineditismo dos documentos.
Eles corroboram histórias já conhecidas e trazem à tona a versão do regime sobre episódios narrados em biografias e na imprensa.
SHOWS
Os papéis do Arquivo Nacional mostram que, além de censurar previamente, a ditadura infiltrava agentes em peças, shows e espetáculos.
Relatório interno do SNI (Serviço Nacional de Informação), de 1972, tenta descrever a articulação política que enxergava nas manifestações culturais: "Campanhas movidas por vários grupos contrários ao regime possuem correlação entre si. As ações desenvolvidas pelos elementos infiltrados nos meios de comunicação social, clero e meio artístico, continuam obedecendo à ditadura dos temas coincidentes".
Isso significava, por exemplo, especular sobre a sexualidade dos artistas e até mesmo interpretar eventuais safadezas em canções e danças folclóricas. É o caso de um samba de roda cantado num show do Caetano, com uma dança típica do recôncavo baiano, "no qual fazia referência aos olhos e os artistas presentes colocavam as mãos nos olhos, boca, idem, as mãos na boca, e finalmente dizia no 'lelê, lalá' e os artistas colocavam as mãos no sexo", registrou um araponga.
Caetano Veloso, frequentemente chamado de "homossexual" nos relatos da repressão, foi monitorado até no exílio em Londres. Um agente da ditadura relata uma apresentação dele, em novembro de 71, no Queen Elizabeth Hall. Ele nota que "80% dos espectadores eram brasileiros" e registra forte discurso do cantor "contra a Revolução".
"Nunca imaginei que houvesse alguém da repressão no show do Queen Elizabeth Hall", afirmou Caetano à Folha.
Um dos relatórios mais detalhados da repressão diz respeito à histórica apresentação de Chico e Caetano no teatro Castro Alves, em Salvador, nos dias 10 e 11 de novembro de 1972.
Caetano acabava de voltar do exílio e juntou-se a Chico num reencontro que serviu também para encerrar as especulações sobre uma suposta briga entre eles, ainda no final da década de 60. O show viraria o álbum "Caetano e Chico Juntos e ao Vivo".
A repressão esteve presente nos dois dias, atestam os documentos, feitos a pedido do Exército e da Aeronáutica e assinados por inspetores da PF baiana.
"A referida apresentação [tem] cenas que feriam a moral das famílias ali presentes, bem como atitudes do sr. Caetano Veloso, que, de certa forma, indispôs o público contra as autoridades presentes", chiou o araponga.
"Podemos observar quanto a Caetano Veloso: pintado de batom e com trejeitos homossexuais; [...] cabe-me salientar que Caetano, embora usando de uma afetação um tanto exagerada, muito mais apropriada para uma pessoa do sexo feminino, provocando até algumas vaias do auditório, tendo cantado músicas que, ao meu entender, nada apresentam de anormal."
Chico é descrito como um sujeito de "postura masculina normal", que sempre "desrespeita as determinações da censura" cantando músicas proibidas.
O inspetor que assina o documento, Eduardo Henrique de Almeida, também faz um relato sobre a audiência: "Junto ao palco estava um grupo de homossexuais, hippies e cabeludos que pareciam contratados do grupo de artistas. Foram exatamente eles que invadiram o palco e cantaram 'Apesar de Você'".
(Liberada por uma falha dos censores, a canção havia se tornado um hino de resistência à ditadura e bateu recordes de vendagem do álbum compacto. Ao perceber o equívoco, a ditadura censurou a canção e recolheu os discos das lojas. Mesmo condenando a canção, de "pregação ideológica", um agente reconheceu, em documento do SNI de junho de 1971, que o samba tinha uma "letra incontestavelmente inteligente".)
O burocrata Almeida conclui seu prolixo formulário com um alerta: "Já em Belo Horizonte, onde estive lotado, acompanhava as provocações de Chico Buarque de Holanda, sempre desrespeitando as determinações da censura. É necessário que se coloque um fim nestes episódios que somente desgastam as autoridades."
NEGÓCIOS ESCUSOS
Segundo inúmeros documentos da repressão, Chico e Caetano, além de uma dezena de outros artistas, realizavam apresentações cuja renda era revertida a partidos (como o PCB) ou organizações da esquerda armada.
Um dos contatos da guerrilha com o mundo artístico, segundo os militares, seria David Capistrano, comunista assassinado pela ditadura em 1974, aos 61.
"Não conheci nenhum Capistrano, não que eu me lembre", afirmou Caetano. "Nunca financiei o Partido Comunista. Nunca fui do partido. Tive simpatia por Marighella [ex-deputado Carlos Marighella, um dos principais líderes da luta armada]. Tenho ainda. Eu achava o PC careta e seguindo interesses de Moscou."
Chico afirmou à Folha, por e-mail, que jamais deu dinheiro a partidos. "Posso ter ajudado um ou outro membro de partido ou organização de esquerda, mas naquele tempo a gente não pedia a ficha de ninguém. Posso ter repassado cachês ou prêmios em dinheiro, mas geralmente eu contribuía com a renda de shows beneficentes", disse o compositor. "Fiz isso durante anos, de meados dos 70 até fins dos 80, e não era segredo para ninguém."
Caetano contou à Folha que, por pouco, não chegou mais longe na oposição à ditadura: "Na época, comecei a combinar com uma amiga dar apoio logístico à guerrilha. Eu admirava a aventura de lutar diretamente contra as forças da ditadura. E os militares nunca souberam desse esboço de ligação".
"Me lembro de que eu sentia um medo remoto do que poderia vir a ser a luta clandestina", prossegue. "Suponho que, se me aproximasse, teria medo e problemas de consciência diante de alguns fatos e métodos."
MARIETA
"A gente sabia e se sentia monitorado", admite a ex-mulher do compositor. "Desconfiávamos bastante disso."
Não era para menos: agentes da ditadura chegaram a invadir a casa de Chico e quase o prenderam no quarto do casal, em dezembro de 1968, dias depois da edição do Ato Institucional n° 5. "Tenho uma lembrança nítida desse dia, da truculência da invasão da nossa casa,  da tentativa de invasão de nosso quarto", recorda ela. "Nunca sabíamos do limite, até aonde eles iriam. Esse episódio, para mim, foi traumatizante." O jornalista e escritor Eric Nepomuceno, amigo de Chico há mais de 40 anos, lembra que no começo dos anos 1970 a pressão sobre o artista era "tremenda". "Ele vivia angustiado com aquilo tudo. Volta e meia perdia a paciência e respondia de maneira dura", conta.
GOIÂNIA
Um intrigante informe do Cenimar (serviço de inteligência da Marinha), de 1972, atesta a presença do compositor no 1º Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicações, em Goiânia, entre 1º e 4 de novembro daquele ano.
O diligente escrivão registra: "Foram anotadas, para controle, as chapas dos carros de outros Estados que comparecem ao Encontro. Dentre os anotados, registra-se o Volks, tipo Bugre [sic], Placa EC 9199, em nome de Francisco Buarque de Holanda, com endereço à rua Borges de Medeiros, 2513, casa 1/GB."
O carro, de fato, pertencia a Chico e Marieta. "Não me lembro da gente ter emprestado esse carro", comenta ela.
Já Chico Buarque duvida que tenha guiado do Rio até Goiás.
"Pode ser que eu tenha emprestado o carro. Pode ser que tenham anotado a placa do bugue aqui na praia, e algum agente dos serviços tenha inventado que o carro estava em Goiânia. Pode ser qualquer coisa, menos eu estar em Goiânia de bugue."


quinta-feira, 5 de julho de 2012

Golpe no Paraguai revela nova face da Operação Condor, diz ativista


 
Em entrevista à Carta Maior, o mais importante ativista dos direitos humanos paraguaio, Martin Almada, disse que o golpe que destituiu Fernando Lugo da presidência revela a atualidade da Operação Condor, a maior ação articulada de terrorismo de estado já imposta ao povo latino-americano. Para Almada, essa nova Condor é muito mais abrangente do que a iniciada em 1964, no Brasil: é mais suave, global e revestida de uma capa pseudodemocrática, por meio da cooptação dos parlamentos. 


Brasília - Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o mais importante ativista dos direitos humanos paraguaio, Martin Almada, disse que o recente golpe que destituiu Fernando Lugo da presidência do seu país revela a atualidade da Operação Condor, considerada a maior ação articulada de terrorismo de estado já imposta ao povo latino-americano.

Prêmio Nobel da Paz alternativo, foi Almada quem descobriu, no Paraguai, na década de 90, o chamado “arquivo do terror”, que contém os principais registros conhecidos da Operação Condor, a articulação dos aparelhos repressivos do Brasil, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai que, a partir da década de 1960, sob a coordenação dos Estados Unidos, garantiram o extermínio das forças resistentes à implantação de um modelo econômico favorável aos interesses das oligarquias locais e das multinacionais que elas representam.

O ativista está em Brasília justamente para participar, nesta quinta (5), de um seminário sobre a Operação, promovido pela Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça da Câmara.

Confira a entrevista:

- Como se deu a articulação do golpe que destitui Fernando Lugo da presidência do Paraguai?

Foi uma trama muito bem montada pela direita paraguaia. E quando digo direita paraguaia, me refiro à oligarquia Vicuna, aos grandes fazendeiros, me refiro aos donos da terra, os plantadores de soja transgênica, me refiro às multinacionais, como a Cargil e a Monsanto, e também aos partidos tradicionais ligados a essas oligarquias. É um caso muito particular de golpe.

- Mas é possível compará-lo, por exemplo, com o golpe que ocorreu em Honduras?

Ao contrário do que muitos dizem, não se pode comparar. Foram golpes completamente diferentes. Em Honduras, o exército norte-americano interviu, junto com as tropas hondurenhas. A embaixada americana teve uma atuação clara. O presidente caiu em sua cama. No Paraguai, tudo foi articulado via parlamento, que é a instituição mais corrupta do país. No fundo, é claro, sem aparecer, também estava a embaixada americana. Mas sua participação se deu através das organizações não governamentais (ONGs) e dos órgãos de inteligência. Normalmente, um golpe de estado, como ocorreu em Honduras, se dá com tiroteio, bomba, pólvora, morte. No Paraguai, não houve tiroteio, não houve pólvora. O que rolou foi muito dinheiro, muitos dólares.

- E como se comportou a imprensa paraguaia?

Os meios de comunicação estavam todos a serviço do golpe. É por isso que digo que foi um golpe perfeito: quando o presidente golpista assumiu, se cantou o hino nacional com uma orquestra. E uma orquestra de câmara. Foi um golpe planificado com muita antecipação.

- E onde estava o povo, os movimentos organizados que não saíram às ruas?

O presidente Lugo cometeu muitos erros. Primeiro, quando ocorreu a morte de sete policiais e onze camponeses, eu penso, como defensor dos direitos humanos, que tanto a polícia quanto os camponeses eram inocentes. Aquele conflito foi uma trama. Os policiais usavam colete à prova de balas, mas os tiros ultrapassaram estes coletes. E nós sabemos que as armas usadas pelos camponeses são muito artesanais. Não teriam essa capacidade. O que nós imaginamos é que haviam infiltrados com armas muito potentes. E Lugo, após o conflito, fez uma declaração péssima: condenou os camponeses e prestou condolências aos familiares dos policiais. Isso caiu muito mal. Segundo, Lugo firmou uma lei repressiva, uma lei de tolerância zero. Outro erro de Lugo foi firmar acordo com a Colômbia para assessorar a polícia paraguaia.

- Para tentar se manter no poder, ele fez concessões à direita que o desgastaram com as classes populares. É isso?

Exatamente. Então, no momento do golpe, o povo não saiu às ruas. Na verdade, foram dois motivos. Primeiro, a frustração, a indignação e o desencanto com Lugo. Segundo, no Paraguai, as pessoas com mais de 40 anos têm muito medo. Porque nós não vivemos 20 anos de ditadura. Nós vivemos 60. Então, só os jovens saíram às ruas. Aliás sempre, no Paraguai, as manifestações de ruas são protagonizadas por jovens, que tem uma coragem admirável.

- Como o senhor avalia a posição dos demais países do Mercosul e da Unasul de condenarem o golpe?

Este golpe foi um golpe ao Mercosul, um golpe à Unasul, porque Lugo tinha boas relações com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, com o presidente da Bolívia, Evo Morales... e isso desagradava. Lugo, com todos os seus defeitos, melhorou a saúde do povo, melhorou a educação, deu alimentação nas escolas, comida, merenda. Nem tudo estava mal. Mas ao invés de premiar Lugo, o castigaram. É por isso que acreditamos que foi um golpe à unidade regional. Uma conspiração contra a unidade da região, contra a pátria grande com que sonhou Martin Bolívar para todos os latinoamericanos. Isso atenta contra todos. Pode ocorrer, amanhã, aqui, na Argentina... na Bolívia tentam um golpe de estado, no Equador também.

- Então, como na Operação Condor, é uma ameaça a toda a América Latina?

O golpe no Paraguai é a Condor se revelando. É prova que a Condor está se revelando com outro método. Uma Condor mais moderna, mais suave e mais parlamentar.

- E como o campo progressista pode reagir?

Esta reunião aqui no parlamento brasileiro para tratar da Operação Condor, por exemplo, é de extrema importância. Porque já é possível identificar três fases desta Operação. A primeira, que começou aqui no Brasil, em 1964, com a queda do presidente João Goulart, era uma Condor bilateral: Brasil-Argentina, Brasil-Paraguai, Brasil-Uruguai. A segunda, em 1975, já era uma Condor multilateral, com um acordo ratificado entre as ditaduras dos cinco países. Agora, a Condor é global. Depois dos eventos de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, se revelou que havia centros clandestinos de tortura americanos até na Europa. Portanto, há uma Condor global. E nós temos que entender o que é a Operação Condor, como ela funciona, quem a dirige... porque quem dirige a Condor é também quem dirige a Organização das Nações Unidas, o Pentágono, a máfia das drogas...