Intervozes promove debate e lança cartilha sobre fake news e desinformação
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Nos últimos anos, a expressão fake news se popularizou mundialmente e o seu
impacto na política e na vida social passou a mobilizar esforços em
diversos pa...
domingo, 29 de abril de 2012
A Servidão Moderna
A servidão moderna é um livro e um documentário de 52 minutos produzidos de maneira completamente independente; o livro (e o DVD contido) é distribuído gratuitamente em certos lugares alternativos na França e na América latina. O texto foi escrito na Jamaica em outubro de 2007 e o documentário foi finalizado na Colômbia em maio de 2009. Ele existe nas versões francesa, inglesa e espanhola. O filme foi elaborado a partir de imagens desviadas, essencialmente oriundas de filmes de ficção e de documentários.
"Toda verdade passa por três estágios.
No primeiro, ela é ridicularizada.
No segundo, é rejeitada com violência.
No terceiro, é aceita como evidente por si própria."
Schopenhauer
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Debate Aberto
Liberdade de expressão: Vestígios do Brasil de Vieira
Um instigante desafio para os interessados nas dificuldades ainda hoje existentes na compreensão e na prática dos conceitos de liberdade de expressão e liberdade da imprensa no Brasil é colocar em perspectiva histórica comparada a realidade do Brasil e da Inglaterra, a partir do século 17.
Venício Lima
(*) Publicado originalmente no Observatório da Imprensa
As informações muitas vezes são desencontradas, mas com uma boa dose de paciência e de persistência, quem visitar Salvador hoje ainda poderá conhecer algumas preciosidades.
Exemplos:
** As fundações originais do Colégio dos Jesuítas (1553), depois Hospital Real Militar da Cidade do Salvador,localizado no Largo do Terreiro de Jesus. O prédio, onde ainda hoje funciona a Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, foi construído sobre essas fundações seculares que lá permanecem, quase 500 anos depois.
Foi aí que o menino Antonio Vieira, nascido em Lisboa, mas logo transferido para a Bahia – onde seu pai, Cristóvão Vieira Ravasco, era escrivão do Tribunal da Relação – se transformou no padre jesuíta que marcou o século 17 como destemido defensor dos povos nativos e dos “cristãos novos”, conselheiro de reis, diplomata e “imperador da língua portuguesa” (Fernando Pessoa).
** Alguns locais onde Vieira fez seus mais importantes sermões, parcialmente preservados. É o caso da capela restaurada da Santa Casa de Misericórdia (1549-1552) e do púlpito da antiga Igreja de Nossa Senhora da Ajuda – construída em 1549, reformada em 1579, demolida em 1912 e reconstruída em 1923.
** Vestígios da antiga Quinta do Tanque ou Quinta dos Padres, hoje conhecida como Quinta dos Lázaros, na Baixa de Quintas, onde funciona o Arquivo Público da Bahia. Aí Vieira passou os últimos 16 anos de sua vida preparando seus sermões para publicação.
** A cela onde teria falecido e o local onde teria sido enterrado Vieira na Catedral Basílica Primacial de São Salvador, antiga capela do Colégio dos Jesuítas(1566/1656), no Largo do Terreiro de Jesus.
Antonio Vieira x John Milton
Esse retorno ao passado se justifica.
Um instigante desafio para os interessados nas dificuldades ainda hoje existentes na compreensão e na prática dos conceitos de liberdade de expressão e liberdade da imprensa no Brasil é colocar em perspectiva histórica comparada a realidade do Brasil e da Inglaterra, a partir do século 17. Foi na terra e na época de Hobbes, Milton e Locke que teve início a defesa moderna da liberdade de expressão e da liberdade de imprimir “sem licença prévia”.
Um bom começo para explorar esse desafio seria estudar as circunstâncias da vida e da obra de dois ilustres representantes do pensamento seiscentista: o padre Antonio Vieira (1608-1697), no Brasil, e John Milton (1608-1674), na Inglaterra.
Existe pelo menos um estudo que compara Vieira e Milton, mas se refere apenas às características proféticas e utópicas do pensamento de ambos (Nuno M. D. P. Ribeiro, The second coming: prophecy and utopian thought in John Milton and Antonio Vieira; disponível aqui).
Estudar comparativamente Vieira e Milton é ainda apenas um projeto. Por hora, registro que as “circunstâncias” de boa parte da vida de Vieira podem ser encontradas na Bahia seiscentista, mesmo século do advogado e poeta Gregório de Matos (de quem Vieira tornou-se amigo no retorno ao Brasil, em 1681). O jesuíta viveu na Bahia por mais de 41 anos, na sua infância, juventude e início da maturidade (1614-1641), e, depois, na sua velhice (1681-1697). Na Bahia ele pronunciou alguns dos seus mais importantes sermões.
Referências iniciais seriam (1) o sermão da Visitação de Nossa Senhora, proferido por Vieira na Santa Casa de Misericórdia, em julho de 1640; e (2) o discurso ao parlamento inglês de Milton, conhecido como Areopagitica, escrito em novembro de 1644 e publicado em português pela primeira vez no Correio Braziliense de Hipólito da Costa, em 1810.
São textos separados por apenas quatro anos que, todavia, sinalizam um enorme abismo civilizatório.
Vieira, fazendo um balanço geral da situação em que se encontrava a colônia, afirmava, na presença do recém nomeado vice-rei, o marquês de Montalvão, que o Brasil estava na mesma condição do infante, isto é, aquele que não fala e que “a maior ocasião de seus males” era exatamente “tolher-se-lhe a fala”.
Milton, por outro lado, dirigia-se ao Parlamento Britânico defendendo a plena liberdade individual de expressão e de imprimir sem licença prévia, em nome da razão e da liberdade, condições para que cada cidadão pudesse exercer seu livre arbítrio.
No Brasil colônia do início do século 17 não havia qualquer possibilidade de se imprimir. Como se sabe, a primeira tipografia (imprensa) só chegou aqui com o príncipe regente domJoão, em 1808. Por outro lado, na Inglaterra do século 17, confirmavam-se valores e direitos do humanismo cívico republicano que iriam se consolidar ao longo dos séculos como conquistas humanas fundamentais.
As informações muitas vezes são desencontradas, mas com uma boa dose de paciência e de persistência, quem visitar Salvador hoje ainda poderá conhecer algumas preciosidades.
Exemplos:
** As fundações originais do Colégio dos Jesuítas (1553), depois Hospital Real Militar da Cidade do Salvador,localizado no Largo do Terreiro de Jesus. O prédio, onde ainda hoje funciona a Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, foi construído sobre essas fundações seculares que lá permanecem, quase 500 anos depois.
Foi aí que o menino Antonio Vieira, nascido em Lisboa, mas logo transferido para a Bahia – onde seu pai, Cristóvão Vieira Ravasco, era escrivão do Tribunal da Relação – se transformou no padre jesuíta que marcou o século 17 como destemido defensor dos povos nativos e dos “cristãos novos”, conselheiro de reis, diplomata e “imperador da língua portuguesa” (Fernando Pessoa).
** Alguns locais onde Vieira fez seus mais importantes sermões, parcialmente preservados. É o caso da capela restaurada da Santa Casa de Misericórdia (1549-1552) e do púlpito da antiga Igreja de Nossa Senhora da Ajuda – construída em 1549, reformada em 1579, demolida em 1912 e reconstruída em 1923.
** Vestígios da antiga Quinta do Tanque ou Quinta dos Padres, hoje conhecida como Quinta dos Lázaros, na Baixa de Quintas, onde funciona o Arquivo Público da Bahia. Aí Vieira passou os últimos 16 anos de sua vida preparando seus sermões para publicação.
** A cela onde teria falecido e o local onde teria sido enterrado Vieira na Catedral Basílica Primacial de São Salvador, antiga capela do Colégio dos Jesuítas(1566/1656), no Largo do Terreiro de Jesus.
Antonio Vieira x John Milton
Esse retorno ao passado se justifica.
Um instigante desafio para os interessados nas dificuldades ainda hoje existentes na compreensão e na prática dos conceitos de liberdade de expressão e liberdade da imprensa no Brasil é colocar em perspectiva histórica comparada a realidade do Brasil e da Inglaterra, a partir do século 17. Foi na terra e na época de Hobbes, Milton e Locke que teve início a defesa moderna da liberdade de expressão e da liberdade de imprimir “sem licença prévia”.
Um bom começo para explorar esse desafio seria estudar as circunstâncias da vida e da obra de dois ilustres representantes do pensamento seiscentista: o padre Antonio Vieira (1608-1697), no Brasil, e John Milton (1608-1674), na Inglaterra.
Existe pelo menos um estudo que compara Vieira e Milton, mas se refere apenas às características proféticas e utópicas do pensamento de ambos (Nuno M. D. P. Ribeiro, The second coming: prophecy and utopian thought in John Milton and Antonio Vieira; disponível aqui).
Estudar comparativamente Vieira e Milton é ainda apenas um projeto. Por hora, registro que as “circunstâncias” de boa parte da vida de Vieira podem ser encontradas na Bahia seiscentista, mesmo século do advogado e poeta Gregório de Matos (de quem Vieira tornou-se amigo no retorno ao Brasil, em 1681). O jesuíta viveu na Bahia por mais de 41 anos, na sua infância, juventude e início da maturidade (1614-1641), e, depois, na sua velhice (1681-1697). Na Bahia ele pronunciou alguns dos seus mais importantes sermões.
Referências iniciais seriam (1) o sermão da Visitação de Nossa Senhora, proferido por Vieira na Santa Casa de Misericórdia, em julho de 1640; e (2) o discurso ao parlamento inglês de Milton, conhecido como Areopagitica, escrito em novembro de 1644 e publicado em português pela primeira vez no Correio Braziliense de Hipólito da Costa, em 1810.
São textos separados por apenas quatro anos que, todavia, sinalizam um enorme abismo civilizatório.
Vieira, fazendo um balanço geral da situação em que se encontrava a colônia, afirmava, na presença do recém nomeado vice-rei, o marquês de Montalvão, que o Brasil estava na mesma condição do infante, isto é, aquele que não fala e que “a maior ocasião de seus males” era exatamente “tolher-se-lhe a fala”.
Milton, por outro lado, dirigia-se ao Parlamento Britânico defendendo a plena liberdade individual de expressão e de imprimir sem licença prévia, em nome da razão e da liberdade, condições para que cada cidadão pudesse exercer seu livre arbítrio.
No Brasil colônia do início do século 17 não havia qualquer possibilidade de se imprimir. Como se sabe, a primeira tipografia (imprensa) só chegou aqui com o príncipe regente domJoão, em 1808. Por outro lado, na Inglaterra do século 17, confirmavam-se valores e direitos do humanismo cívico republicano que iriam se consolidar ao longo dos séculos como conquistas humanas fundamentais.
Lições da história
O desafio fica apenas identificado.
Um mergulho no passado, a comparação com o que ocorria em outros países e a constatação de nosso atraso relativo ajudarão a entender as imensas dificuldades de superação do gap histórico existente desde a nossa colonização. Na verdade, esse gap parece ainda condicionar muito das resistências que interditam o debate e impedem que avancemos no sentido de dar voz àqueles que têm tido sua voz tolhida, como afirmou Vieira, desde o século 17.
Apesar de quatrocentos anos, muito mudou, mas muito ainda permanece semelhante.
Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.
Compartilhado do http://www.cartamaior.com.br/
Carta aberta ao STF
A decisão da restrição do espaço de reprodução histórico e social dos quilombolas atinge não só seu direito de propriedade, que a Constituição previu facilitar, mas o próprio cerne do projeto de desenvolvimento e nação que queremos construir, diz Boaventura de Sousa Santos em carta enviada aos ministros do STF.
Boaventura de Sousa Santos
(*) Boaventura de Sousa Santos enviou a carta abaixo a cada um dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Na próxima quarta, o STF julgará a Ação Direta de Inconstitucionalidade contrária ao Decreto 4887/2003, que regulamenta a demarcação e titulação das terras quilombolas.
Tais comunidades quilombolas constituem patrimônio histórico e cultural de todo o povo brasileiro e a perda dessa riqueza e diversidade afeta não apenas os grupos diretamente atingidos, mas se estende a todo o país. Constitui, dessa forma, perda irreversível do projeto civilizacional construído ao longo do processo de constituição do Brasil enquanto país com singularidades e riquezas próprias.
A decisão da restrição do espaço de reprodução histórico e social dos quilombolas atinge não só seu direito de propriedade, que a Constituição previu facilitar, mas o próprio cerne do projeto de desenvolvimento e nação que queremos construir. Implica saber se o desenvolvimento consegue agregar diferentes projetos de vida boa e incorporar a ideia de riqueza não apenas como acúmulo, mas representada pelo direito de plantar, pelo direito de acesso aos rios, às matas, aos espaços de celebração da religiosidade e das expressões dos cantos entoados, dos estilos de vestuário, da culinária, dos instrumentos musicais, da produção agrícola, todos os quais conciliam os projetos de sustentabilidade da mãe terra. Ou se, por outro lado, tal projeto assumirá um formato violador de direitos humanos, dos direitos da natureza e dos grupos étnicos. Modelos de países que seguiram este caminho não nos faltam.
O STF, ao definir sobre o direito dos quilombolas à auto-atribuição, reconhecerá a capacidade de sujeito de direito de tais grupos, com cultura e identidade próprias e ligados a um passado de resistência à opressão e ao racismo. Assegurando, a um tempo, a efetiva participação em uma sociedade pluralista e promovendo a igualdade substantiva. E se pronunciando sobre o pleno exercício dos direitos culturais, não mais na visão de patrimônio cultural como “monumento” e “tombamento”, mas na visão ampliada dos artigos 215 e 216, para abranger as expressões de criar, fazer e viver e tais comunidades.
Mais que isto: pode dar mais um passo para consolidação do sistema de proteção de direitos humanos, no momento em que tanto a Corte Interamericana vem reconhecendo o direito de propriedade a grupos negros formados por descendentes de escravos, quanto diversos governos nacionais vem aceitando a necessidade de regulamentar a consulta prévia, livre e informada, tal como prevista na Convenção 169 da OIT, para os mega-emprendimentos que afetam indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais.
A decisão a ser proferida, tal como aquela de Raposa Serra do Sol, sinalizará, para as próximas gerações, o modelo de desenvolvimento e de sociedade que o Brasil deve deixar como legado. Um projeto uniformizador, etnocida e insustentável. Ou outro em que a diversidade e o pluralismo são chaves para uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos e baseada na dignidade da pessoa humana.
Na próxima quarta, o STF julgará a Ação Direta de Inconstitucionalidade contrária ao Decreto 4887/2003, que regulamenta a demarcação e titulação das terras quilombolas.
Tais comunidades quilombolas constituem patrimônio histórico e cultural de todo o povo brasileiro e a perda dessa riqueza e diversidade afeta não apenas os grupos diretamente atingidos, mas se estende a todo o país. Constitui, dessa forma, perda irreversível do projeto civilizacional construído ao longo do processo de constituição do Brasil enquanto país com singularidades e riquezas próprias.
A decisão da restrição do espaço de reprodução histórico e social dos quilombolas atinge não só seu direito de propriedade, que a Constituição previu facilitar, mas o próprio cerne do projeto de desenvolvimento e nação que queremos construir. Implica saber se o desenvolvimento consegue agregar diferentes projetos de vida boa e incorporar a ideia de riqueza não apenas como acúmulo, mas representada pelo direito de plantar, pelo direito de acesso aos rios, às matas, aos espaços de celebração da religiosidade e das expressões dos cantos entoados, dos estilos de vestuário, da culinária, dos instrumentos musicais, da produção agrícola, todos os quais conciliam os projetos de sustentabilidade da mãe terra. Ou se, por outro lado, tal projeto assumirá um formato violador de direitos humanos, dos direitos da natureza e dos grupos étnicos. Modelos de países que seguiram este caminho não nos faltam.
O STF, ao definir sobre o direito dos quilombolas à auto-atribuição, reconhecerá a capacidade de sujeito de direito de tais grupos, com cultura e identidade próprias e ligados a um passado de resistência à opressão e ao racismo. Assegurando, a um tempo, a efetiva participação em uma sociedade pluralista e promovendo a igualdade substantiva. E se pronunciando sobre o pleno exercício dos direitos culturais, não mais na visão de patrimônio cultural como “monumento” e “tombamento”, mas na visão ampliada dos artigos 215 e 216, para abranger as expressões de criar, fazer e viver e tais comunidades.
Mais que isto: pode dar mais um passo para consolidação do sistema de proteção de direitos humanos, no momento em que tanto a Corte Interamericana vem reconhecendo o direito de propriedade a grupos negros formados por descendentes de escravos, quanto diversos governos nacionais vem aceitando a necessidade de regulamentar a consulta prévia, livre e informada, tal como prevista na Convenção 169 da OIT, para os mega-emprendimentos que afetam indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais.
A decisão a ser proferida, tal como aquela de Raposa Serra do Sol, sinalizará, para as próximas gerações, o modelo de desenvolvimento e de sociedade que o Brasil deve deixar como legado. Um projeto uniformizador, etnocida e insustentável. Ou outro em que a diversidade e o pluralismo são chaves para uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos e baseada na dignidade da pessoa humana.
Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
Publicado no http://www.cartamaior.com.br
Sêneca, Demóstenes e a ética na política
Em "A Origem do Cristianismo", Karl Kautsky se refere ao período de decadência do Império Romando, quando a atividade política teria cessado. Nessa época, segundo ele, era moda pronunciar discursos edificantes e fabricar máximas morais. O fim da política e o privilégio das prédicas morais levavam, inevitavelmente, a uma evidente contradição: muitos dos pregadores eram flagrados em desvios graves, morais, semelhantes àqueles que condenavam. O artigo é de Emiliano José.
Emiliano José (*)
Eu me impressiono com o clima moralista dominante, com a desqualificação permanente da política, com a elevação da moral à condição de deusa suprema. Homens puros e bons se elevam, e vão limpando o ambiente de tantos seres sujos, pecaminosos, e dados à prática da corrupção. Os pregadores alevantam sua voz tonitruante e condenam todos os que estejam ao lado, e que presumivelmente tenham cometido algum pecado. Nem lhes importa investigar se verdade ou mentira, que aos pregadores basta uma notícia para que saiam a campo e, em muitos casos, a notícia é encomendada, lamentavelmente. Saem a campo cheios de pose, com seus dedos incriminadores, seu verbo incendiário, cheios de razão.
É de hoje, é de ontem, é de anteontem essa prática. Se quisermos nos referir ao Brasil, é só lembrar personagem famoso – Carlos Lacerda, O Corvo –, que não se incomodava em inventar histórias fantasiosas para atacar seus adversários pela imprensa, e seu espírito golpista sempre andava de braços dados com o moralismo udenista, que hoje reaparece no Brasil com toda força.
A tentação é recorrer a Marx e dizer que a história nunca se repete – numa ocasião é tragédia, lá com Lacerda, na sequência, é farsa, como nos dias de hoje, com Demóstenes Torres. A moral e a ética não podem substituir a política. Podem e devem servir de substância a ela, se verdadeiras. São um substrato para o exercício da política, mas não podem e não devem substituí-la.
Em geral, mais cedo ou mais tarde, nessas épocas de tentativa de predomínio do moralismo, da substituição da política pela moral, os pregadores acabam bebendo do próprio veneno. O povo diria que o pregador age como o macaco, que não olha para o próprio rabo. É como se pregasse com tanta insistência o respeito à moral, o bom uso do dinheiro público – o que é absolutamente correto – apenas e tão somente para encobrir a montanha de problemas que ele próprio acumula ao longo de sua existência, quando não a montanha de fortuna adquirida exatamente com os métodos que condena.
O mundo que ele prega – de profundo respeito à ética – é uma exigência para os outros, e vale apenas como aparência para ele. Como defesa, quem sabe. Até que a casa caia e, não raramente, cai. Um fariseu, diriam os cristãos. Quando cai, há os que se assustam, perplexos com tal distância entre o verbo e a vida. É bom precaver-se contra os pregadores, os moralistas. São sepulcros caiados – ainda é a bíblia. É bom compreender que o pecado mora ao lado. Quase sempre. Demóstenes está aí para não deixar ninguém se enganar. Ou exigindo muito mais cautela diante dos pregadores.
Esses dias me caiu às mãos o livro “A origem do cristianismo”, de Karl Kautsky. Caiu às mãos é forma de dizer. Eu o procurei por sugestão de meu amigo Venício Artur de Lima. Valeu a pena. Por muitas razões, que não cabe aqui detalhar. Quanto a essa discussão, lembro-me da remissão que Kautsky faz ao período da decadência do Império Romano, quando, na visão dele, todas as atividades políticas tinham cessado. Nessa época, ainda segundo o nosso autor, “chegou a ser moda pronunciar discursos edificantes e fabricar máximas e historietas morais”.
O fim da política e o privilégio das prédicas morais voltadas à perfeição do indivíduo ou à simples valorização das virtudes individuais levavam, inevitavelmente, a uma evidente contradição: muitos dos pregadores eram flagrados em desvios graves, morais, semelhantes àqueles que condenavam. Vê-se que o problema vem de longe. Como exemplo clássico, Kautsky cita Sêneca, filósofo e preceptor de Nero, um severo crítico da riqueza, da avareza e do amor aos prazeres.
Ainda em vida, no entanto, Sêneca viu um tribuno do Senado acusá-lo de ter acumulado grande fortuna praticando a usura e falsificando testamentos. Deixou, ao morrer, uma fortuna de 300 milhões de sestércios, coisa de 6 milhões de marcos, uma das maiores fortunas da época. Não foi fiel à própria doutrina, como se vê.
E agora o Demóstenes Torres, ora Veja. Não compensa, face ao muito que foi divulgado, sobretudo por blogs progressistas, pela revista CartaCapital e alguns poucos outros veículos, voltar propriamente ao assunto, mostrar a intrincada rede do crime organizado, que envolveu o senador e Carlinhos Cachoeira mais os 200 telefonemas da direção da revista Veja com a inestimável e cúmplice fonte – ele próprio, Cachoeira.
A velha mídia entrou constrangida no assunto, e Veja fingiu que não é com ela, e desfilou de mistérios do Santo Sudário. O que ela deu do assunto beira ao ridículo. O que se deve responder é aonde vamos com esse moralismo udenista, conservador, retrógrado, que vem exatamente de pessoas que não tem nenhum compromisso com a ética em seu sentido mais republicano e filosoficamente mais profundo. Quanta distância entre tudo o que o senador Demóstenes Torres pregava e o que ele praticava cotidiana, sistematicamente.
Temos que discutir política. Temos que colocar a política no posto de comando. Temos que pensar cada vez mais nos instrumentos do Estado de Direito que garantam o respeito ao dinheiro público. Caminhar, como creio estamos caminhando, para um Estado que tenha mecanismos rigorosos de transparência, fiscalização e acompanhamento da aplicação dos recursos provenientes do povo brasileiro. Querer fazer alguém crer que a solução está na soma de virtudes individuais para enfrentar a corrupção é uma mistificação própria dos que não acreditam na democracia.
Ou o Estado de Direito é capaz de frear a corrupção, de acabar com as frequentes tentativas de privatização do Estado, ou, então, a corrupção prosseguirá sem o devido e necessário cotidiano combate. Não são os demóstenes que irão acabar com ela, como estamos vendo. São os mecanismos da política, do Estado de Direito democrático, que podem enfrentá-la, aprofundando a transparência, como tem sido feito pela Controladoria Geral da União, que passou a ter existência efetiva desde o início do governo Lula, quando Waldir Pires, por decisão do presidente, a construiu. E que segue agora, sob o governo da presidenta Dilma.
Se há a pretensão de frear a privatização do Estado, o patrimonialismo, a utilização de cargos do governo para fazer fortuna, trata-se de, com urgência, efetivar a reforma política, garantir o fortalecimento dos partidos políticos com a fidelidade partidária, financiamento público de campanha e voto em lista pré-ordenada, para citar três pontos essenciais.
Como livrar-se da maldição da relação entre o financiador e o financiado? Como evitar que o Congresso seja eleito pelos financiadores privados? Como assegurar que tantos setores do nosso povo, hoje ausentes do Parlamento, possam estar presentes nele? Sem dúvida, com o atual esquema eleitoral, não há chance de um homem do povo, salvo exceções, vir a ser um parlamentar. Onde arrumará o dinheiro para tanto?
Os financiadores privados, para tentar dizer tudo, são procurados, não apenas procuram, e se nem todos aprisionam os candidatos que financiam, boa parte exige contrapartida. Obviamente, participam de um jogo, de uma arquitetura institucional equivocada, que cumpre mudar, para que, afinal, todos ganhem. Tenho convicção de que há empresários que gostariam de trabalhar sob outra modelagem política, que gostariam que os negócios do Estado fossem realizados à luz do dia, de modo republicano, sem a intromissão de outros mecanismos.
Além disso, nosso Parlamento tem a missão de valorizar mais e mais a participação direta do povo. Há uma evidente crise da democracia representativa e, no interior da reforma política, é fundamental pensar mecanismos de intervenção direta do povo que ultrapassem ou complementem o momento das eleições propriamente ditas.
Fora disso, vamos patinar, andar em círculos, ser prisioneiros desse moralismo udenista tardio, vindo de personalidades cujas prédicas entram em confronto direto com suas vidas anteriores e com suas práticas cotidianas atuais. Os que defendem a democracia, os que almejam uma sociedade mais e mais justa, não podem ser reféns de uma discussão rasteira, pobre, fundada nas virtudes ou defeitos individuais desse ou daquele cidadão.
Devem lutar pela continuidade e aprofundamento das mudanças que inegavelmente temos experimentado desde 2003, pela radicalização da revolução democrática em curso no Brasil. Será essa luta que, levada à frente, poderá garantir que haja, de fato, ética na política – que significa, sempre, responder às necessidades da maioria da nossa gente, diminuindo de modo cada vez mais veloz as desigualdades que ainda nos afrontam.
Se é inegável que avançamos muito quanto ao enfrentamento da distribuição de renda sob os oito anos do governo Lula e sob o da presidenta Dilma, é também verdadeiro que falta muito que fazer, e para tanto é fundamental que cada centavo do dinheiro público seja aplicado em benefício da população, especialmente daquela mais pobre. É isso que devemos garantir. Isso é a ética na política.
É de hoje, é de ontem, é de anteontem essa prática. Se quisermos nos referir ao Brasil, é só lembrar personagem famoso – Carlos Lacerda, O Corvo –, que não se incomodava em inventar histórias fantasiosas para atacar seus adversários pela imprensa, e seu espírito golpista sempre andava de braços dados com o moralismo udenista, que hoje reaparece no Brasil com toda força.
A tentação é recorrer a Marx e dizer que a história nunca se repete – numa ocasião é tragédia, lá com Lacerda, na sequência, é farsa, como nos dias de hoje, com Demóstenes Torres. A moral e a ética não podem substituir a política. Podem e devem servir de substância a ela, se verdadeiras. São um substrato para o exercício da política, mas não podem e não devem substituí-la.
Em geral, mais cedo ou mais tarde, nessas épocas de tentativa de predomínio do moralismo, da substituição da política pela moral, os pregadores acabam bebendo do próprio veneno. O povo diria que o pregador age como o macaco, que não olha para o próprio rabo. É como se pregasse com tanta insistência o respeito à moral, o bom uso do dinheiro público – o que é absolutamente correto – apenas e tão somente para encobrir a montanha de problemas que ele próprio acumula ao longo de sua existência, quando não a montanha de fortuna adquirida exatamente com os métodos que condena.
O mundo que ele prega – de profundo respeito à ética – é uma exigência para os outros, e vale apenas como aparência para ele. Como defesa, quem sabe. Até que a casa caia e, não raramente, cai. Um fariseu, diriam os cristãos. Quando cai, há os que se assustam, perplexos com tal distância entre o verbo e a vida. É bom precaver-se contra os pregadores, os moralistas. São sepulcros caiados – ainda é a bíblia. É bom compreender que o pecado mora ao lado. Quase sempre. Demóstenes está aí para não deixar ninguém se enganar. Ou exigindo muito mais cautela diante dos pregadores.
Esses dias me caiu às mãos o livro “A origem do cristianismo”, de Karl Kautsky. Caiu às mãos é forma de dizer. Eu o procurei por sugestão de meu amigo Venício Artur de Lima. Valeu a pena. Por muitas razões, que não cabe aqui detalhar. Quanto a essa discussão, lembro-me da remissão que Kautsky faz ao período da decadência do Império Romano, quando, na visão dele, todas as atividades políticas tinham cessado. Nessa época, ainda segundo o nosso autor, “chegou a ser moda pronunciar discursos edificantes e fabricar máximas e historietas morais”.
O fim da política e o privilégio das prédicas morais voltadas à perfeição do indivíduo ou à simples valorização das virtudes individuais levavam, inevitavelmente, a uma evidente contradição: muitos dos pregadores eram flagrados em desvios graves, morais, semelhantes àqueles que condenavam. Vê-se que o problema vem de longe. Como exemplo clássico, Kautsky cita Sêneca, filósofo e preceptor de Nero, um severo crítico da riqueza, da avareza e do amor aos prazeres.
Ainda em vida, no entanto, Sêneca viu um tribuno do Senado acusá-lo de ter acumulado grande fortuna praticando a usura e falsificando testamentos. Deixou, ao morrer, uma fortuna de 300 milhões de sestércios, coisa de 6 milhões de marcos, uma das maiores fortunas da época. Não foi fiel à própria doutrina, como se vê.
E agora o Demóstenes Torres, ora Veja. Não compensa, face ao muito que foi divulgado, sobretudo por blogs progressistas, pela revista CartaCapital e alguns poucos outros veículos, voltar propriamente ao assunto, mostrar a intrincada rede do crime organizado, que envolveu o senador e Carlinhos Cachoeira mais os 200 telefonemas da direção da revista Veja com a inestimável e cúmplice fonte – ele próprio, Cachoeira.
A velha mídia entrou constrangida no assunto, e Veja fingiu que não é com ela, e desfilou de mistérios do Santo Sudário. O que ela deu do assunto beira ao ridículo. O que se deve responder é aonde vamos com esse moralismo udenista, conservador, retrógrado, que vem exatamente de pessoas que não tem nenhum compromisso com a ética em seu sentido mais republicano e filosoficamente mais profundo. Quanta distância entre tudo o que o senador Demóstenes Torres pregava e o que ele praticava cotidiana, sistematicamente.
Temos que discutir política. Temos que colocar a política no posto de comando. Temos que pensar cada vez mais nos instrumentos do Estado de Direito que garantam o respeito ao dinheiro público. Caminhar, como creio estamos caminhando, para um Estado que tenha mecanismos rigorosos de transparência, fiscalização e acompanhamento da aplicação dos recursos provenientes do povo brasileiro. Querer fazer alguém crer que a solução está na soma de virtudes individuais para enfrentar a corrupção é uma mistificação própria dos que não acreditam na democracia.
Ou o Estado de Direito é capaz de frear a corrupção, de acabar com as frequentes tentativas de privatização do Estado, ou, então, a corrupção prosseguirá sem o devido e necessário cotidiano combate. Não são os demóstenes que irão acabar com ela, como estamos vendo. São os mecanismos da política, do Estado de Direito democrático, que podem enfrentá-la, aprofundando a transparência, como tem sido feito pela Controladoria Geral da União, que passou a ter existência efetiva desde o início do governo Lula, quando Waldir Pires, por decisão do presidente, a construiu. E que segue agora, sob o governo da presidenta Dilma.
Se há a pretensão de frear a privatização do Estado, o patrimonialismo, a utilização de cargos do governo para fazer fortuna, trata-se de, com urgência, efetivar a reforma política, garantir o fortalecimento dos partidos políticos com a fidelidade partidária, financiamento público de campanha e voto em lista pré-ordenada, para citar três pontos essenciais.
Como livrar-se da maldição da relação entre o financiador e o financiado? Como evitar que o Congresso seja eleito pelos financiadores privados? Como assegurar que tantos setores do nosso povo, hoje ausentes do Parlamento, possam estar presentes nele? Sem dúvida, com o atual esquema eleitoral, não há chance de um homem do povo, salvo exceções, vir a ser um parlamentar. Onde arrumará o dinheiro para tanto?
Os financiadores privados, para tentar dizer tudo, são procurados, não apenas procuram, e se nem todos aprisionam os candidatos que financiam, boa parte exige contrapartida. Obviamente, participam de um jogo, de uma arquitetura institucional equivocada, que cumpre mudar, para que, afinal, todos ganhem. Tenho convicção de que há empresários que gostariam de trabalhar sob outra modelagem política, que gostariam que os negócios do Estado fossem realizados à luz do dia, de modo republicano, sem a intromissão de outros mecanismos.
Além disso, nosso Parlamento tem a missão de valorizar mais e mais a participação direta do povo. Há uma evidente crise da democracia representativa e, no interior da reforma política, é fundamental pensar mecanismos de intervenção direta do povo que ultrapassem ou complementem o momento das eleições propriamente ditas.
Fora disso, vamos patinar, andar em círculos, ser prisioneiros desse moralismo udenista tardio, vindo de personalidades cujas prédicas entram em confronto direto com suas vidas anteriores e com suas práticas cotidianas atuais. Os que defendem a democracia, os que almejam uma sociedade mais e mais justa, não podem ser reféns de uma discussão rasteira, pobre, fundada nas virtudes ou defeitos individuais desse ou daquele cidadão.
Devem lutar pela continuidade e aprofundamento das mudanças que inegavelmente temos experimentado desde 2003, pela radicalização da revolução democrática em curso no Brasil. Será essa luta que, levada à frente, poderá garantir que haja, de fato, ética na política – que significa, sempre, responder às necessidades da maioria da nossa gente, diminuindo de modo cada vez mais veloz as desigualdades que ainda nos afrontam.
Se é inegável que avançamos muito quanto ao enfrentamento da distribuição de renda sob os oito anos do governo Lula e sob o da presidenta Dilma, é também verdadeiro que falta muito que fazer, e para tanto é fundamental que cada centavo do dinheiro público seja aplicado em benefício da população, especialmente daquela mais pobre. É isso que devemos garantir. Isso é a ética na política.
(*) Jornalista e escritor.
Demóstenes, ora veja
Numa das constrangedoras conversas entre o senador Demóstenes Torres (DEM), relator do projeto da Ficha Limpa, e o contraventor Carlinhos Cachoeira, o primeiro relata que havia recebido um bilhente do Eurípedes cobrando providências sobre um determinado assunto. A pergunta que não quer calar, e que os jornais não respondem: quem é Eurípedes? Uma pista: as gravações da Polícia Federal mostram mais de 200 telefonemas trocados entre Carlinhos Cachoeira e o jornalista Policarpo Jr., diretor da sucursal de Brasília da revista Veja. O artigo é de Jorge Furtado.
Jorge Furtado - Blog do Jorge Furtado
(*) Texto publicado originalmente no blog do Jorge Furtado em 31/03/2012.
Demóstenes foi eleito senador por Goiás com o número 251. Se você quiser jogar no bicho, invertido do primeiro ao quinto, lembre-se que 51 é galo.
Todos os jornais de hoje (31) reproduzem trecho das conversas gravadas, com autorização judicial, entre o Senador Demóstenes Torres (DEM) e o contraventor Carlinhos Cachoeira (no momento, preso).
Os constrangedores diálogos não deixam qualquer dúvida de que o senador – líder do DEM, relator do projeto da Ficha Limpa, autor de projeto de lei que transforma a corrupção em crime hediondo, crítico feroz dos governos Lula e Dilma, paladino da moral e dos bons costumes – nada mais era que um despachante do bicheiro de Goiás.
Um trecho da conversa:
Demóstenes - Seguinte, recebi um bilhete aqui do Eurípedes. Teve hoje aqui para tratar com o negócio e encontrou com o Dadá, com o ex-presidente da Infraero José Carlos Pereira, que não resolve nada. Eles estão atrás daquele trem para ver se anda. Você podia cobrar do Dadá para ver se anda ou se não anda (...)
A pergunta que não quer calar, e que os jornais não respondem: quem é Eurípedes?
Uma rápida consulta ao Google:
Demóstenes, o primeiro citado: Demóstenes (384 a.C. - 322 a.C.) foi um proeminente orador e político grego, de Atenas.
Eurípedes, o primeiro citado: Eurípides (Salamina c. 480 a.C. - Pela, Macedônia, 406 a.C.) foi um poeta trágico grego, do século V a.C., o mais jovem dos três grandes expoentes da tragédia grega clássica, que ressaltou em suas obras as agitações da alma humana e em especial a feminina.
Demóstenes, o segundo citado: Gravações feitas pela Polícia Federal mostram indícios de que o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) negociava no Congresso projetos de interesse do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, e revelam o interesse do senador em interferir em contratos da Infraero, empresa estatal que administra os aeroportos brasileiros.
Eurípedes, o segundo citado: Eurípedes Alcântara é um jornalista brasileiro, atual diretor editoral da revista Veja, publicada pela editora Abril.
Uma pista: as gravações da Polícia Federal mostram mais de 200 telefonemas trocados entre Carlinhos Cachoeira e o jornalista Policarpo Jr., diretor da sucursal de Brasília da revista Veja.
A decisão da Justiça, que botou a quadrilha na cadeia, diz o seguinte, na página 3:
“Detectou-se ainda, nas investigações, os estreitos contatos da quadrilha com alguns jornalistas para a divulgação de conteúdo capaz de favorecer os interesses do crime”.
Todos os jornais de hoje trazem muitas matérias sobre a morte de Millôr Fernandes, gênio da raça, e também sobre o fim da carreira política do ex-moralista Demóstenes Torres. Nenhuma fala da revista Veja, onde Millôr escreveu por muitos anos e que,muito provavelmente, serviu de braço midiático da quadrilha de Goiás.
Demóstenes foi eleito senador por Goiás com o número 251. Se você quiser jogar no bicho, invertido do primeiro ao quinto, lembre-se que 51 é galo.
Todos os jornais de hoje (31) reproduzem trecho das conversas gravadas, com autorização judicial, entre o Senador Demóstenes Torres (DEM) e o contraventor Carlinhos Cachoeira (no momento, preso).
Os constrangedores diálogos não deixam qualquer dúvida de que o senador – líder do DEM, relator do projeto da Ficha Limpa, autor de projeto de lei que transforma a corrupção em crime hediondo, crítico feroz dos governos Lula e Dilma, paladino da moral e dos bons costumes – nada mais era que um despachante do bicheiro de Goiás.
Um trecho da conversa:
Demóstenes - Seguinte, recebi um bilhete aqui do Eurípedes. Teve hoje aqui para tratar com o negócio e encontrou com o Dadá, com o ex-presidente da Infraero José Carlos Pereira, que não resolve nada. Eles estão atrás daquele trem para ver se anda. Você podia cobrar do Dadá para ver se anda ou se não anda (...)
A pergunta que não quer calar, e que os jornais não respondem: quem é Eurípedes?
Uma rápida consulta ao Google:
Demóstenes, o primeiro citado: Demóstenes (384 a.C. - 322 a.C.) foi um proeminente orador e político grego, de Atenas.
Eurípedes, o primeiro citado: Eurípides (Salamina c. 480 a.C. - Pela, Macedônia, 406 a.C.) foi um poeta trágico grego, do século V a.C., o mais jovem dos três grandes expoentes da tragédia grega clássica, que ressaltou em suas obras as agitações da alma humana e em especial a feminina.
Demóstenes, o segundo citado: Gravações feitas pela Polícia Federal mostram indícios de que o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) negociava no Congresso projetos de interesse do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, e revelam o interesse do senador em interferir em contratos da Infraero, empresa estatal que administra os aeroportos brasileiros.
Eurípedes, o segundo citado: Eurípedes Alcântara é um jornalista brasileiro, atual diretor editoral da revista Veja, publicada pela editora Abril.
Uma pista: as gravações da Polícia Federal mostram mais de 200 telefonemas trocados entre Carlinhos Cachoeira e o jornalista Policarpo Jr., diretor da sucursal de Brasília da revista Veja.
A decisão da Justiça, que botou a quadrilha na cadeia, diz o seguinte, na página 3:
“Detectou-se ainda, nas investigações, os estreitos contatos da quadrilha com alguns jornalistas para a divulgação de conteúdo capaz de favorecer os interesses do crime”.
Todos os jornais de hoje trazem muitas matérias sobre a morte de Millôr Fernandes, gênio da raça, e também sobre o fim da carreira política do ex-moralista Demóstenes Torres. Nenhuma fala da revista Veja, onde Millôr escreveu por muitos anos e que,muito provavelmente, serviu de braço midiático da quadrilha de Goiás.
A primeira omissão é pelo mais justificado respeito. A segunda, pelo mais cretino corporativismo.
Para ler a decisão da Justiça, clique aqui.
sexta-feira, 6 de abril de 2012
Entidades e ativistas da democratização da comunicação se unem para impedir o desmonte da TV Cultura
Crise se agrava pela concessão de horários na programação para grupos privados como o jornal Folha de S. Paulo e revista Veja, descaracterizando o caráter público da emissora
Em ato de protesto na noite de terça-feira (3), jornalistas, sociólogos, coletivos em prol da liberdade de expressão e ex-funcionários se reuniram para debater as causas do sucateamento da TV Cultura. O encontro decidiu pela ampliação do movimento em prol da TV pública do estado de São Paulo. O objetivo principal, segundo os participantes, tem de ser a reversão do quadro de sucateamento técnico e de conteúdo, agravado na atual gestão de João Sayad, para uma programação plural e diversificada, mantendo a essência de uma televisão sem fins comerciais.
Mais de mil demissões em um curto período de tempo, extinção de programas, empobrecimento de material próprio e entrega da programação a meios de comunicação privados, como o jornal Folha de S. Paulo e a revistaVeja, são alguns dos vários efeitos do processo de desmonte da TV Cultura e das emissoras públicas de rádio, num processo iniciado há alguns anos.
Apesar de a atual crise ameaçar o patrimônio paulista, não é a primeira vez que a Cultura esteve prestes a ruir, como lembrou o sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP) Laurindo Lalo Leal Filho. Um destes momentos aconteceu ao final do mandato do então governador Paulo Maluf, quando quase toda a diretoria foi destituída, fazendo com que sobressaísse a tendência privatizante e os interesses do governo vigente na programação da emissora.
“As crises são continuadas”, observou Lalo. No entanto, ele destacou o poder da produção própria da programação infantil que já levaram a Cultura a registrar inéditos dois dígitos de audiência ante os “enlatados” vindos do exterior, trazidas pelas emissoras comerciais. “Até o Silvio Santos começou a ficar preocupado por perder uns pontinhos para a Cultura”, disse.
Entretanto, Lalo – que é, em suas próprias palavras, "antigo ex-funcionário" da Fundação Padre Anchieta – alertou sobre a iminência de um cenário pior à vista. “Costumávamos dizer antes que a Cultura era a televisão mais lida, porque ainda que não desse muita audiência era muito retratada na mídia impressa. Hoje, se a coisa continuar neste pé, nem lida será, porque a mídia toda está sendo cooptada”, lamentou. A formação de jovens para o trabalho no serviço público de radiodifusão é, segundo ele, uma das questão que precisam ser debatidas para o fortalecimento da TV pública, o que ainda não acontecea com a intensidade que deveria.
Na opinião do jornalista Luis Nassif, a Fundação padre Anchieta, controladora da Cultura, passa por longos períodos sem processos de crítica interna, o que também, avalia, contribui para o desmonte da emissora. “A cada gestão é nítido o desmando, ocasionado ou por briga política ou por pessoas incapacitadas em postos-chave”, disse.
O jornalista, que apoia a organização de um movimento suprapartidário para barrar o desmonte da Cultura, enfatizou a “submissão” do ex-presidente da Padre Anchieta, Paulo Markun, ao governo do ex-governador José Serra (PSDB). Postura que teria, segundo ele, se repetido na relação entre o atual gestor, Sayad, e o governador Geraldo Alckmin (PSDB).
“O negócio com a Folha e a Abril é de uma total falta de cultura”, ironizou Nassif. O editor da revista Fórum e presidente da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom), Renato Rovai, reforçou: “Não é à toa que Folha e Veja têm milhares de assinaturas feitas pelo governo.”
Coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e secretária de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti se disse "perplexa" em razão do estado de São Paulo estar na contramão de discussões de grande importância, como o marco regulatório das comunicações. "No momento em que é preciso ter um instrumento público que garanta liberdade de expressão para a população, o espaço se fecha. Precisamos debater neste momento o que queremos da comunicação pública deste país", disse.
Líderes da Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa de São Paulo presentes no ato confirmaram a realização de uma audiência pública para levar a discussão ao espaço parlamentar. Houve tentativa de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em 2003 para discutir os recorrentes problemas da emissora, mas foi barrada e engavetada pela liderança do partido de situação.
O deputado Simão Pedro (PT), presidente da comissão e também membro do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, lembrou que a política de desmonte da Cultura se assenta no orçamento concedido pelo governo. “Enquanto o governo direciona cada vez menos recursos, o orçamento vindo do setor privado cresce, o que cria o déficit que se tem hoje”, disse. Resultado disso, segundo o deputado, é que a “corda arrebenta para o lado mais fraco”, ou seja, os trabalhadores, que estão sendo demitidos.
Uma das que perderam seu emprego é Maria Amélia Rocha Lopes, ex-diretora do programa “Manos e Minas”, voltado ao público jovem das periferias. Enquanto ela estava à frente da atração, a presidência da emissora decidiu que o programa seria “descontinuado” por não mais corresponder ao "perfil desejado". Após campanhas com forte adesão nas redes sociais pelo retorno do programa, Sayad voltou atrás na decisão.
“Eles não contavam que a população de São Paulo tinha interesse em ver este tipo de programa, que mostrava o caldeirão cultural da periferia. Nós tínhamos convicção de que fazíamos algo de relevância”, disse Maria Amélia. Embora o "Manos e Minas" continue na grade da programação, os funcionários que se posicionaram pela volta do programa foram demitidos. “Meu testemunho é para estimular que as pessoas se disponham a fazer acontecer. Todo mundo reclama de o governo ser assim ou ser assado, mas depois que mostramos o que queríamos, tiveram que engolir a gente.”
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