segunda-feira, 24 de março de 2014


publicado em 21 de março de 2014 às 21:47

por Luiz Carlos Azenha
O professor Luiz Antonio Dias foi aos arquivos do Ibope doados à Unicamp. Descobriu pesquisas inéditas, demonstrando que: a) a reforma agrária tinha grande apoio às vésperas do golpe de 64; b) João Goulart era um político popular quando foi derrubado; c) a política econômica de Goulart tinha apoio da maioria; d) Goulart era forte candidato nas eleições presidenciais de 1965, se saisse candidato (o favorito era o ex-presidente Juscelino Kubistchek).
O professor também escreveu “Informação e formação: apontamentos sobre a atuação da grande imprensa paulistana no golpe de 1964 — O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo”, publicado no livroHistória do Estado de São Paulo/A Formação da Unidade Paulista, volume 2, República, publicado pela Imprensa Oficial paulista.
Anteriormente, Luiz Antonio havia feito seu mestrado estudando a atuação da Folha antes e durante o golpe de 64.
No artigo acima citado, ele reproduz trechos dos editoriais dos jornalões paulistanos, por exemplo, sobre a Marcha da família, com Deus, pela liberdade, em 19 de março de 1964.
Poucas vezes ter-se-á visto no Brasil tão grande multidão na rua, para exprimir em ordem um ponto de vista comum, um sentimento que é de todos, como o que ontem encheu o centro da cidade de são Paulo (…) Ali estava o povo mesmo, o povo povo, constituído pela reunião de todos os grupos que trabalham pela grandeza da pátria. (Folha de S. Paulo, 20.03.1964)
Meio milhão de paulistanos e paulistas manifestaram ontem em São Paulo, em nome de Deus e em prol da liberdade, seu repúdio ao comunismo e à ditadura e seu apego à lei e à democracia. (O Estado de S. Paulo, 20-03-1964)
Como sabemos, só a adoção do parlamentarista permitiu a João Goulart assumir o poder, quando Jânio Quadros renunciou.
Jango submeteu a questão a plebiscito: o presidencialismo foi restaurado com 80% dos votos!
Apesar da clara demonstração de apoio popular a Jango, o Estadão escreveu: “Acusarão um comparecimento de votantes suficientes para dar ao país a impressão de que houve uma adesão popular ao ponto de vista palaciano. (…) O plebiscito é apenas uma etapa. (…) Outras virão para completá-lo para permitir ao sr. presidente da República que dê mais um passo à frente no terreno da abolição de nossas franquias constitucionais”.
Ou seja, é a mesma lógica que se aplica hoje ao governo chavista da Venezuela: por mais que o governo vença eleições, ele é acusado de atentar contra a democracia!
Trecho do texto do professor Luiz Antonio Dias no livro:
“O Ipes [Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais] também e organizava organizações femininas. Dentre as mais importantes, merece destaque a Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), composta de senhoras de classe média à alta burguesia, que via a presença do “demônio” do comunismo no governo João Goulart. O auge desses movimentos femininos foi em 19 de março de 1964 com a famosa ‘Marcha’. Seguindo os fortes ventos que sopravam para a direita, a Folha de S. Paulo exibiu — no dia seguinte à ‘Marcha’– a seguinte manchete: “São Paulo parou ontem para defender o regime”. As matérias e o editorial colocavam o povo de São Paulo como salvador da democracia”.
Importante lembrar que tanto os empresários Octávio Frias e Carlos Caldeira, da Folha, quanto os irmãos Mesquita, do Estadão, aderiram ao Ipes, uma espécie de Instituto Millenium anabolizado. Organizado por empresários, o Ipes promoveu uma campanha anticomunista que ajudou a demonizar Goulart.
Conclusão do professor, no texto acima citado:
Diante de tudo que foi apresentado, podemos concluir que o golpe de 1964 foi muito bem recebido pela Folha. O OESP também comemorou ao lado dos vencedores e, mais, com a vitória dos golpistas contribuiu com propostas para a nova ordem: ‘Uma terceira proposta vinha do jornalista Júlio de Mesquita Neto (…) e foi a primeira a chamar-se Ato Institucional. Sugeria a dissolução do Senado, Câmara e Assembleias Legislativas, anulava o mandato de governadores e prefeitos, suspendia o habeas corpus e pressupunha o primeiro de uma série (Gaspari, idem, p.122). É interessante notar que o Ato Institucional I, de 9 de abril de 1964, efetivou grande parte dessas sugestões, em especial, a autorização para a suspensão e cassação de políticos.
Se a posição do Estadão ficou bastante clara, ou seja, o jornal conspirou efetiva e abertamente contra o Governo Goulart, por outro lado a Folha aparentemente apenas ‘trabalhou’ de modo jornalístico contra o presidente João Goulart. No entanto, acreditamos que esse ‘trabalho’ jornalístico — de lançar matérias deturpadas e editoriais tendenciosos — teve tanta importância quanto as reuniões de Júlio Mésquita Filho com os militares golpistas.
Importante lembrar que, ironicamente, o Estadão foi o jornal mais censurado pelos militares (1.100 textos afetados em três anos).
Quanto à Folha, colaboracionista, depois do golpe ficou com o que restou do jornal que ajudou a destruir, a Última Hora, além de comprar o Notícias Populares – que havia sido montado para combater o UHde Samuel Wainer, jornal que apoiava o governo trabalhista deposto. Além disso, nos anos 70 os Frias entraram no espólio da destruída TV Excelsior e emprestaram um jornal à ditadura, a Folha da Tarde. Segundo o professor, entre 1964 e 1968 o patrimônio da Folha cresceu 5 vezes!

Abaixo, uma entrevista altamente recomendável com o professor Luiz Antonio Dias.
Publicado no Viomundo


sexta-feira, 14 de março de 2014

O assédio moral no meio sindical: uma contradição na luta de classes


Fonte: http://desacato.info/2013/11/o-assedio-moral-no-meio-sindical-uma-contradicao-na-luta-de-classes/

Por Marcela Cornelli.
foto-mesa-debate
Falar em Assédio Moral já não é tão novo, mas abordar o tema no meio sindical ainda é um desafio. Desafio este que a Fites (Federação Nacional dos Trabalhadores em Entidades Sindicais e órgãos de Classe), com o apoio do Sindes (Sindicato dos Trabalhadores em entidades sindicais da Grande Florianópolis e Região Sul), encarou ao lançar, no dia 30 de outubro, a cartilha “O Assédio Moral no Meio Sindical”. O lançamento foi realizado no auditório da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, em Florianópolis, com o apoio da Frente Parlamentar Estadual em Defesa da Saúde do Trabalhador.

“O Assédio Moral fere os direitos e retira a identidade dos trabalhadores. A Frente surgiu com o objetivo de debater e combater esta prática. Para acabarmos com o assédio moral precisamos construir várias ações, mas, principalmente, conscientizar os trabalhadores e as trabalhadoras. A Frente parlamentar tem buscado avançar nesta luta”, disse o deputado Neodi Saretta (PT), presidente da Frente, que abriu a mesa do debate.

“A atual gestão da Fites priorizou esta luta. A cartilha traz alguns diferenciais de outras cartilhas sobre o assunto. A cartilha da Fites fala do assédio cometido pelo sindicalista, traz um depoimento de uma trabalhadora em sindicato e um questionário a ser respondido pelos trabalhadores e encaminhado à Federação”, disse Janilde Franco de Araújo, Diretora de Política Social da Fites, trabalhadora do Sindsprev/RJ e uma das elaboradoras da cartilha.

Na opinião de Janilde, “alguns sindicatos começaram a se transformar em grandes escritórios. É como se o sindicalista passasse a ter uma grande empresa para administrar. Ele não vai mais para a base fazer política e começa a disputar espaço com o funcionário dentro da entidade. Toda relação de trabalho tem conflitos. Isto é inerente à sociedade capitalista na qual vivemos onde há hierarquia, relação de poder e luta de classes. Mas o que deve imperar é o respeito.”

Emocionada, a diretora da Fites e do Sindes, Sivandra Krauspenhar, trabalhadora de sindicato e vítima de Assédio Moral, fez um relato do assédio que sofreu. Ela falou a dificuldade de denunciar o assédio e buscar a Justiça.“Fiquei três meses para poder escrever sobre o que aconteceu comigo. Escrever era relembrar o assédio”, conta. “Sempre trabalhei com amor e carinho. Foram 13 anos e não três dias. Não foram todos os diretores que me assediaram, mas os que não se manifestaram foram coniventes. Tive sintomas como depressão profunda, paralisia da cintura para cima, dores nos braços, entre outros. Quando retornei de uma licença médica eles tiraram minhas funções. Apesar de vítima, você se sente culpada pelo assédio. O apoio doa amigos da família é fundamental. É preciso também que o trabalhador que sofre assédio procure o seu sindicato para ser orientado. O Sindes me apoiou muito.”

“Assédio moral dói. Mas, quando vem de pessoas, sindicalistas, que dizem combater esta prática, dói mais ainda”, disse Schirlei Azevedo, Representante da Rede de Combate ao Assédio Moral no Trabalho. “Em uma empresa privada, a gestão visa o lucro e para isso oprime os trabalhadores. Dentro das entidades sindicais é ainda mais sofrido. Quando o trabalhador é também um militante, ele sonha com uma mudança na sociedade e quando o assédio acontece dentro do espaço que deveria ser de transformação e luta, ele perde sua identidade, desanima. Viver estas contradições é muito difícil. A solidariedade de classe precisa ser resgatada”. Para Schirlei, as relações de trabalho estão desumanizadas. Isso é resultado da sociedade capitalista que oprime os trabalhadores. “Não existe capitalismo humanizado. O capitalismo oprime e até mesmo ceifa vidas”.
“O trabalho continua sendo central nas nossas vidas e quando acontece alguma coisa negativa no trabalho, isso nos abala muito. Os trabalhadores em sindicatos se questionam o porquê sofreram algum tipo de violência se não estão em uma empresa privada. Em uma empresa, se o trabalhador se submete ao assédio, é um processo rápido até a sua demissão. No sindicato leva o tempo que a pessoa aguentar”, argumentou a palestrante Margarida Barreto, médica do trabalho, professora da Universidade de São Paulo (USP) e vice- coordenadora do NEXIN (Núcleo de Estudos Psicossociais da Dialética Exclusão/Inclusão Social).

“Em uma empresa privada os trabalhadores compram a ideia de que se a empresa crescer eles crescerão juntos. Em uma entidade sindical os trabalhadores compraram a ideia de que podem transformar o mundo”, ponderou a palestrante. “Não é possível aceitar que a solidão e o sofrimento do trabalhador sejam uma coisa normal. Que a injustiça impere no local de trabalho”.

O presidente da Fites e do Sindes/SC, Edilson Severino, que coordenou a mesa, disse que o desafio da Fites está só começando. “É um primeiro passo. Há muito o que fazer. A cartilha será lançada em outros estados no intuito de iniciarmos um combate a esta prática nefasta aos trabalhadores”.

Texto e fotos: Marcela Cornelli, jornalista e Diretora do Sindes



Fonte: Sindes.