Beneficiados pela exposição e cobertura
favorável na mídia, candidatos ganham vantagem na disputa eleitoral.
Quem perde é o povo e o jogo democrático
O impacto da mídia sobre a agenda contemporânea, pautando temas que
merecem – ou não – destaque na sociedade e influenciando a opinião
pública é pra lá de conhecido. Nas eleições municipais de 2016, não foi
nada diferente.
Da cobertura favorável a alguns candidatos à invisibilização de outros,
os meios de comunicação foram decisivos para o resultado em muitas
cidades. Mas isso não é novidade. O que, sim, vem se confirmando nos
últimos processos e ficou explícito em 2016 é que candidatos
comunicadores ou empresários ligados à comunicação tem conseguido uma
ampla vantagem entre seus concorrentes, e alcançado postos de poder
político em função de sua presença na mídia.
A maior cidade do país exemplifica bem essa influência. Em São Paulo, o
prefeito eleito no primeiro turno, João Dória Júnior (PSDB), ganhou
muitos pontos do eleitorado por sua facilidade em se comunicar com a
população. Formado em jornalismo e publicidade, o empresário ficou
conhecido nos últimos anos por apresentar um talk show em um canal de
TV.
Nos últimos meses, antes da campanha, era figura carimbada em
propagandas institucionais e promocionais da TV por assinatura Sky. Seu
adversário, Celso Russomano (PRB), saiu na frente na disputa graças à
exposição que tem, há bastante tempo, como “repórter” de programas de
entretenimento e sobre defesa do consumidor.
Em Salvador, o prefeito Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM), reeleito
no primeiro turno com expressiva votação, é o herdeiro político e
midiático de uma família de controla dezenas de veículos de comunicação,
entre eles o Correio da Bahia, a Globo FM local, e a TV Bahia, afiliada
da Rede Globo em Salvador e região.
Em Maceió, os dois candidatos que foram para o segundo turno na disputa
pela prefeitura da capital de Alagoas fizeram uso dos meios de
comunicação em benefício próprio. Enquanto Rui Palmeira (PSDB) é
sobrinho de um dos donos da TV Pajuçara, afiliada da Record, o
radialista Cicero Almeida (PMDB) foi operador de áudio, locutor e
repórter policial, até chegar a apresentador de um programa
policialesco.
Outro apresentador deste mesmo tipo de programa de viés
sensacionalista, Amaro Neto (SD), também chegou ao segundo turno e
disputa a Prefeitura de Vitória (ES).
Aliás, o “boom” de candidatos ligados aos policialescos chamou a
atenção nas eleições deste ano. Mais do que os candidatos majores e
coronéis da PM, que geralmente ganham destaque nessas programações,
apresentadores e repórteres também chegaram a Prefeituras e Câmaras
Municipais.
Jorge Kajuru (PRP), que iniciou sua carreira em programas esportivos e
depois migrou para os noticiários baseados na narrativa policial, é
outro exemplo. No pleito deste ano, ele conquistou a maior votação da
história para a Câmara de Vereadores de Goiânia, com quase quatro vezes
mais votos que a segunda colocada.
Interesses midiáticos
A forte presença de comunicadores de emissoras privadas entre políticos
com mandato nos faz questionar a que interesses efetivos servem esses
candidatos. A RBS, emissora afiliada à Rede Globo no Rio Grande do Sul,
há muito tempo vem fornecendo de seu quadro de funcionários e
colaboradores candidatos a vários cargos políticos.
São jornalistas, radialistas ou comentaristas de televisão que deixaram
a carreira na mídia para se lançar a uma vaga, desde a Câmara de
Vereadores até o Senado Federal. Dos três senadores que representam o
Rio Grande do Sul hoje no Congresso Nacional, dois são ex-funcionários
da RBS: Amélia Lemos (PP) e Lasier Martins (PDT).
A vinculação de apresentadores de rádio e TV com partidos políticos e o
uso dos meios de comunicação de massa para fins eleitoreiros é mais uma
lacuna da regulação do setor no Brasil. Além do controle direto de
canais por deputados federais e senadores – prática proibida pela
Constituição Federal de 1988 mas explicitamente em voga no País, contra a
qual o Ministério Público Federal tem atuado –, a participação, no jogo
político, daqueles que detêm o privilégio de entrar em nossas casas, é
outra séria distorção da política brasileira.
A história mostra que, em uma disputa eleitoral, a visibilidade
midiática é uma questão importante para o resultado das urnas. Assim,
obviamente, aqueles que entram na briga pelo voto trazendo consigo uma
trajetória de exposição na TV e rádio saem na frente. Os exemplos dessas
eleições municipais comprovam que a falta de uma regulação democrática
do setor beneficia aqueles que fazem uso desta exposição em benefício
próprio. Daí a urgência de um processo de democratização das
comunicações, que impeça o uso político de um espaço que é público.
Agenda secundarizada
Infelizmente, esta é uma pauta que segue fora das prioridades dos
próprios partidos e candidatos prejudicados por adversários donos da
mídia. Atualmente, poucas legendas – como o PSOL, PCdoB e PT – trazem a
democratização das comunicações como eixo em seus programas partidários.
E nem todos desses partidos abraçam a causa.
Vereador eleito em Recife pelo PSOL, Ivan Moraes, jornalista e
militante dos direitos humanos, é um dos raros candidatos que defendeu o
tema como um dos pilares de sua campanha.
No segundo turno no Rio de Janeiro, Marcelo Freixo também não fugiu do
assunto. Seu programa de governo propõe, por exemplo, a capacitação de
agentes de comunicação enquanto impulsionadores de processos de
desenvolvimento local e o estabelecimento de mecanismos democráticos e
transparentes de investimento em publicidade oficial na mídia, de forma a
ampliar o financiamento de pequenas empresas de comunicação.
Freixo também assume o compromisso de, se eleito, implantar na cidade o
Canal da Cidadania. Previsto no decreto que regulamentou o sistema de
TV digital no Brasil, o Canal tem quatro faixas de programação,
destinadas à prefeitura, ao governo estadual e a associações de
comunicação comunitária. Cada canal deve possuir, obrigatoriamente, um
conselho local e um ouvidor.
São poucos, entretanto, os políticos que atuam em defesa de mudanças no
sistema midiático e que saíram vitoriosos dessas eleições. Candidatas
como Luiza Erundina (PSOL-SP) e Luciana Santos (PCdoB-PE) não avançaram
nas urnas em suas cidades. O que comprova que segue sendo muito mais
vantajoso eleitoralmente usar a mídia a seu favor do que trabalhar para
que a mídia seja plural, de todos e todas.
*Ramênia Vieira é jornalista, integrante do Intervozes e repórter do Observatório do Direito à Comunicação.