quinta-feira, 31 de maio de 2012

1964: Golpe Militar a serviço do Golpe de Classe

Para que a missão da Comissão da Verdade seja completa e satisfatória, caberia a ela fazer um juízo ético-político sobre todo o período da ditadura. O assalto ao poder foi um crime contra a Constituição, uma ocupação violenta de todos os aparelhos de Estado para montar uma ordem regida por atos institucionais, pela repressão e pelo estado de terror.

O objeto da Comissão da Verdade deve sim, tratar dos crimes e dos desaparecimentos perpetrados pelos agentes do Estado ditatorial. É sua tarefa precípua e estatutária. Mas não pode se reduzir a estes fatos. Há o risco de os juízos serem pontuais. Precisa-se analisar o contexto maior que permite entender a lógica da violência estatal e que explica a sistemática produção de vítimas. Mais ainda, deixa claro o trauma nacional que significou viver sob suspeitas, denúncias, espionagem e medo paralisador.

Neste sentido, vítimas não foram apenas os que sentiram em seus corpos e nas suas mentes a truculência dos agentes do Estado. Vítimas foram todos os cidadãos. Foi toda a nação brasileira. Para que a missão da Comissão da Verdade seja completa e satisfatória, caberia a ela fazer um juízo ético-político sobre todo o período do regime militar.

Importa assinalar claramente que o assalto ao poder foi um crime contra a Constituição. Configurou uma ocupação violenta de todos os aparelhos de Estado para, a partir deles, montar uma ordem regida por atos institucionais, pela repressão e pelo estado de terror.

Bastava a suspeita de alguém ser subversivo para ser tratado como tal. Mesmo detidos e sequestrados por engano como inocentes camponeses, para logo serem seviciados e torturados. Muitos não resistiram e sua morte equivale a um assassinato. Não devemos deixar passar ao largo, os esquecidos dos esquecidos que foram os 246 camponeses mortos ou desaparecidos entre 1964-1979.

O que os militares cometeram foi um crime lesa-pátria. Alegam que se tratava de uma guerra civil, um lado querendo impor o comunismo e o outro defendendo a ordem democrática. Esta alegação não se sustenta. O comunismo nunca representou entre nós uma ameaça real. Na histeria do tempo da guerra-fria, todos os que queriam reformas na perspectiva dos historicamente condenados e ofendidos –as grandes maiorias operárias e camponesas– eram logo acusados de comunistas e de marxistas, mesmo que fossem bispos como o insuspeito Dom Helder Câmara.

Contra eles não cabia apenas a vigilância, mas para muitos a perseguição, a prisão, o interrogatório aviltante, o pau-de-arara feroz, os afogamentos desesperadores. Os alegados “suicídios” camuflavam apenas o puro e simples assassinato. Em nome do combate ao perigo comunista, se assumiu a prática comunista-estalinista da brutalização dos detidos. Em alguns casos se incorporou o método nazista de incinerar cadáveres como admitiu o ex-agente do Dops de São Paulo, Cláudio Guerra.

O grande perigo para o Brasil sempre foi o capitalismo selvagem. Usando palavras de Capistrano de Abreu, nosso historiador mulato, “capou e recapou, sangrou e ressangrou” as grandes maiorias de nosso povo.

O Estado ditatorial militar, por mais obras que tenha realizado, fez regredir política e culturalmente o Brasil. Expulsou ou obrigou ao exílio nossas inteligências e nossos artistas mais brilhantes. Afogou lideranças políticas e ensejou o surgimento de súcubos que, oportunistas e destituídos de ética e de brasilidade, se venderam ao poder ditatorial em troca benesses que vão de estações de rádio a canais de televisão.

Os que deram o golpe de Estado devem ser responsabilizados moralmente por esse crime coletivo contra o povo brasileiro.

Os militares já fora do poder garantiram sua impunidade e intangibilidade graças à forjada anistia geral e irrestrita para ambos os lados. Em nome deste status, resistem e fazem ameaças, como se tivessem algum poder de intervenção que, na verdade é inexistente e vazio. A melhor resposta é o silêncio e o desdém nacional para a vergonha internacional deles.

Os militares que deram o golpe se imaginam que foram eles os principais protagonistas desta façanha nada gloriosa. Na sua indigência analítica, mal suspeitam que foram, de fato, usados por forças muito maiores que as deles.

René Armand Dreifuss escreveu em 1980 sua tese de doutorado na Universidade de Glasgow com o título: 1964: A conquista do Estado, ação política, poder e golpe de classe (Vozes 1981). Trata-se de um livro com 814 páginas das quais 326 de documentos originais. Por estes documentos fica demonstrado: o que houve no Brasil não foi um golpe militar, mas um golpe de classe com uso da força militar.

A partir dos anos 60 do século passado, se formou o complexo IPES/IBAD/GLC. Explico: o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Grupo de Levantamento de Conjuntura (GLC). Compunham uma rede nacional que disseminava ideias golpistas, composta por grandes empresários multinacionais, nacionais, alguns generais, banqueiros, órgãos de imprensa, jornalistas, intelectuais, a maioria listados no livro de Dreifuss. O que os unificava, diz o autor “eram suas relações econômicas multinacionais e associadas, o seu posicionamento anticomunista e a sua ambição de readequar e reformular o Estado”(p.163) para que fosse funcional a seus interesses corporativos. O inspirador deste grupo era o General Golbery de Couto e Silva que já em “em 1962 preparava um trabalho estratégico sobre o assalto ao poder” (p.186).

A conspiração, pois estava em marcha, há bastante tempo. Aproveitando-se da confusão política criada ao redor do Presidente João Goulart, tido como o portador do projeto comunista, este grupo viu a ocasião apropriada para realizar seu projeto. Chamou os militares para darem o golpe e tomarem de assalto o Estado. Foi, portanto, um golpe da classe dominante, nacional e multinacional, usando o poder militar.

Conclui Dreifuss: “O ocorrido em 31 de março de 1964 não foi um mero golpe militar; foi um movimento civil-militar; o complexo IPES/IBAD e oficiais da ESG (Escola Superior de Guerra) organizaram a tomada do poder do aparelho de Estado” (p. 397). Especificamente afirma: “A história do bloco de poder multinacional e associados começou a 1º de abril de 1964, quando os novos interesses realmente tornaram-se Estado, readequando o regime e o sistema político e reformulando a economia a serviço de seus objetivos” (p.489). Todo o aparato de controle e repressão era acionado em nome da Segurança Nacional que, na verdade, significava a Segurança do Capital.

Os militares inteligentes e nacionalistas de hoje deveriam dar-se conta de como foram usados por aquelas elites oligárquicas que não buscavam realizar os interesses gerais do Brasil; mas, sim, alimentar sua voracidade particular de acumulação, sob a proteção do regime autoritário dos militares.

A Comissão da Verdade prestaria esclarecedor serviço ao país se trouxesse à luz esta trama. Ela simplesmente cumpriria sua missão de ser Comissão da Verdade. Não apenas da verdade de fatos individualizados; mas, da verdade do fato maior da dominação de uma classe poderosa, nacional, associada à multinacional, para, sob a égide do poder discricionário dos militares, tranquilamente, realizar seus propósitos corporativos de acumulação. Isso nos custou 21 anos de privação da liberdade, muitos mortos e desaparecidos e de muito padecimento coletivo.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

RESQUÍCIOS DA DITADURA MILITAR E ATUAÇÃO ESTUDANTIL SÃO TEMAS DE CONGRESSO NA FACULDADE DE DIREITO DA UFMG

Desvendar o passado para entender o presente. É com este objetivo que alunos do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da UFMG, em parceria com outras entidades, promoverão o primeiro Congresso Justiça de Transição: por um Estado Democrático de Direito, que ocorrerá nos dias 29 de maio a 1º de junho, no auditório da instituição. A atualidade das discussões do evento se confirma com a instalação da Comissão da Verdade, cujo foco são as investigações de violações de direitos humanos e crimes políticos cometidos por agentes do Estado brasileiro entre1946 e 1988, o evento, que faz parte da programação dos 120 anos da Faculdade, irá receber convidados ilustres para repercutir os assuntos ligados ao tema.
Entre os palestrantes estão o prof. Dr. Oscar Vergara, da Universidade espanhola Coruña, e o Prof. Dr. Paulo Abrão, Secretário Nacional de Justiça, que abrirão as atividades com uma conferência sobre o processo de transição brasileira para a democracia.
“Queremos que a sociedade entenda que a Comissão da Verdade vai além dos seus sete representantes. Acreditamos que, através da reflexão do passado e do meio de transição dos regimes, poderemos promover uma real justiça de transição”, destaca Philppe Rodrigues da Silva, aluno e membro da organização do Congresso.
Além de vários professores e figuras públicas notórias, estarão presentes, também, Gilney Viana, Secretaria Nacional de Direitos Humanos, e Nilmário Miranda, político e ex-aluno da Faculdade de Direito da UFMG. A programação contará com painéis e Grupos de Trabalhos para aprofundar a questão das violações aos direitos humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o direito à verdade e à memória e a criação da Comissão da Verdade.
Ao final do evento haverá uma confraternização com apresentações. O Congresso é aberto ao público e as inscrições podem ser feitas através do site www.semjusticadetransicao.wordpress.com.
Exposição fotográfica
Concomitante ao congresso ocorrerá a mostra fotográfica “Direito à Memória e à Verdade – A ditadura militar no Brasil - entre 1964 a 1985”. Vinte e uma fotografias serão expostas em painéis de 2,5 metros de altura por um de largura resgatarão a memórias e mostraram a atuação política dos grupos de estudantes organizados.
“A Faculdade é símbolo de resistência à opressão. Alunos foram presos e torturados nos tempos obscuros da Ditadura. Vamos fazer valer a luta deles e continuar as discussões sobre a conquista da democracia”, afirma.
Serviço:
CONGRESSO JUSTIÇA DE TRANASIÇÃO
Data: 29 de maio a 1º de junho de 2010
Local: Auditório Maximum Adeodato da Faculdade de Direito da UFMG - Av. João Pinheiro nº 100 –Belo Horizonte/MG
Preço: R$10
Inscrições e informações: www.semjusticadetransicao.wordpress.com

segunda-feira, 21 de maio de 2012

12º Congresso Estadual dos Jornalistas

foto: Alessandro Carvalho

Regular as mídias eletrônicas não atenta contra a liberdade de imprensa, diz Franklin Martins


“O Brasil é o único país democrático do mundo que não possui regulamentação das mídias eletrônicas. Toda vez que se propõe debatê-la, os grandes grupos de comunicação falam em atentado à liberdade de imprensa. A liberdade de imprensa não está em jogo nem ameaçada. É preciso tirar os fantasmas da sala e debater de forma inteligente, em todo o Brasil, para que as pessoas sejam capazes de entender que a regulamentação das mídias eletrônicas é uma questão de cidadania e faz parte da vida delas”. Essas afirmativas nortearam a conferência do Jornalista Franklin Martins na abertura do 12º Congresso Estadual dos Jornalistas de Minas Gerais, na noite da sexta-feira (18/05).

Ele explicou que o marco regulatório existente no Brasil é o Código de Radiodifusão de 1962, época em que no país tinha apenas 2 milhões de aparelhos de TV e não existia telefonia celular com inúmeras funções, como atualmente. Embora o capítulo que trata da Comunicação Social na Constituição Federal de 1988 tenha sido um avanço, observa-se que 24 anos depois quase nada foi regulamentado. No vácuo da legislação, existem as gambiarras e aberrações. A Constituição proíbe quem tem foro privilegiado de ter concessão de rádio e TV. No Brasil não faltam exemplos de parlamentares que têm concessões de rádios e TVs.

Outro exemplo citado pelo jornalista é a concentração de veículos em um grupo empresarial. Nos Estados Unidos é proibido ao mesmo grupo empresarial ter concessão de rádio, TV e jornal em um mesmo estado. A Constituição Federal também proíbe a concentração de veículos, mas com a falta de regulamentação, isso acontece país afora. Além disso, ele lembrou que a Carta Magna brasileira proíbe a venda de horários em rádio e TV, bem como a venda de titularidade das concessões. “No Brasil, vendem-se concessões da mesma forma que se vende carne. A concessão é do Estado e, como dono, o Estado tem que criar regras”.

Para Franklin Martins, os grandes grupos de comunicação evitam o debate com a argumentação de que é “um atentado à liberdade de imprensa”, por estar em desvantagem no cenário nacional das mídias eletrônicas. As empresas de telecomunicações são financeiramente mais fortes que as demais no setor de mídias eletrônicas. Por outro lado, ele destaca o fato de hoje ser quase impossível cercear a imprensa, uma vez que a internet possibilita à informação circular com velocidade impressionante. Na avaliação do jornalista, o poder da blogosfera e das redes sociais ultrapassou o da imprensa, como dona da informação.

O conferencista defende que os conceitos necessários para o novo marco regulatório já estão previstos no capítulo da Comunicação Social da Constituição Federal. Para ele, a regulamentação das mídias eletrônicas precisa ser feita e o debate precisa ser liderado pelo governo.

Franklin Martins traça alguns cenários sobre os rumos da regulamentação. No primeiro, as grandes empresas de telecomunicações dominariam o mercado; no segundo, o pior deles, haveria um “acordo” entre os setores de radiodifusão, as teles e o governo; no terceiro, o mais aberto e o ideal, a solução seria institucional, com lei aprovada pelo Congresso nacional após amplo debate com a sociedade. Nesse novo marco regulatório, o jornalista defende a inclusão de rádios e tevês comunitárias.

Texto: Helena Barcelos

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A face nazista da ditadura brasileira



Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos sociais
Adital
 
A notícia é estarrecedora: militantes políticos envolvidos no combate à ditadura militar tiveram seus corpos incinerados no forno de uma usina de cana de açúcar em Campos dos Goytacazes, no norte do estado do Rio de Janeiro, entre 1970 e 1980.

O regime militar, que governou o Brasil entre 1964 e 1985, merece, agora, ser comparado ao nazismo. A revelação é do ex-delegado do DOPS (polícia política) do Espírito Santo, Cláudio Guerra, hoje com 71 anos. Segundo seu depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, no livro "Memórias de uma guerra suja (Topbooks), no forno da usina Cambahyba - de propriedade de Heli Ribeiro Gomes, ex-vice-governador do Rio de Janeiro entre 1967 e 1971, já falecido -, foram incinerados Davi Capistrano, o casal Ana Rosa Kucinski Silva e Wilson Silva, João Batista Rita, Joaquim Pires Cerveira, João Massena Melo, José Roman, Luiz Ignácio Maranhão Filho, Eduardo Collier Filho e Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira. Os militantes teriam sido retirados de órgãos de repressão de São Paulo DEOPS e DOI-CODI e do centro clandestino de tortura e assassinato conhecido como Casa da Morte, em Petrópolis.

Cláudio Guerra acrescenta às suas denúncias que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra, um dos mais notórios torturadores de São Paulo, teria participado, em 1981, do atentado no Riocentro, na capital carioca, na véspera do feriado de 1º. de Maio. Se a bomba levada pelos oficiais do Exército não tivesse estourado no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, ceifando-lhe a vida, centenas de pessoas que assistiam a um show de música popular teriam sido mortas ou feridas. O objetivo da repressão era culpar os "terroristas pelo hediondo crime e, assim, justificar a ação perversa da ditadura.

Guerra aponta ainda os agentes que teriam participado, em 1979, da Chacina da Lapa, na capital paulista, quando três dirigentes do PCdoB foram executados. Acrescenta que a "comunidade de informação, como eram conhecidos os serviços secretos da ditadura, espalhou panfletos da candidatura Lula à Presidência da República no local em que ficou retido o empresário Abílio Diniz, vítima de um sequestro em 1989, em São Paulo, de modo a tentar envolver o PT.

Uma das revelações mais bombásticas de Cláudio Guerra é sobre o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o mais impiedoso torturador e assassino da regime militar, morto em 1979 por afogamento. Tido até agora como um acidente, segundo o ex-delegado, teria sido "queima de arquivo, crime praticado pelo CENIMAR, o serviço secreto da Marinha. Guerra assume ter assassinado o militante Nestor Veras, em 1975, alegando que apenas deu "o tiro de misericórdia porque ele havia sido "muito torturado e estava moribundo.

Das notícias da repressão há sempre que desconfiar. Guerra fala a verdade ou mente? Tudo indica que o ex-delegado, agora travestido de pastor adventista, não se limitou, na prática de crimes, à repressão política. Em 1982, a Justiça o condenou a 42 anos de prisão pela morte de um bicheiro, dos quais cumpriu 10 anos. Em seguida mereceu 18 anos de condenação por assassinar sua mulher, Rosa Maria Cleto, com 19 tiros, e a cunhada, no lixão de Cariacica, em 1980. Ele alega inocência nos três casos, embora admita que matou o tenente Odilon Carlos de Souza, a quem acusa de ter liquidado sua mulher Rosa.

Espera-se que a presidente Dilma anuncie, o quanto antes,(*) os nomes dos sete integrantes da Comissão da Verdade, que deverá apurar crimes e criminosos da ditadura. E investigar as denúncias do policial capixaba. Infelizmente a comissão ainda não será da Verdade e da Justiça.

O Brasil é o único país da América Latina que se recusa a punir aqueles que cometeram crimes em nome do Estado, entre 1964 e 1985. O pretexto é a esdrúxula Lei da Anistia, consagrada pelo STF, que pretende tornar inimputáveis algozes do regime militar.

Ora, como anistiar quem nunca foi julgado e punido? Nós, as vítimas, sofremos prisões, torturas, exílios, banimentos, assassinatos e desaparecimentos. E os que provocaram tudo isso merecem o prêmio de uma lei injusta e permanecer imunes e impunes como se nada houvessem feito?

O nazismo foi derrotado há quase 70 anos, e ainda hoje novas revelações vêm à tona. Enganam-se os que julgam que a Lei da Anistia, o silêncio das Forças Armadas e a leniência dos três poderes da República haverão de transformar a anistia em amnésia. Como afirmou Walter Benjamin, a memória das vítimas jamais se apaga.

(*) os nomes foram anunciados em 10/5/12 e será instalada em 16/5/12)

Frei Betto é escritor, autor de "Diário de Fernando nos cárceres da ditadura militar brasileira(Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org - Twitter:@freibetto.

 http://www.adital.com.br/

terça-feira, 15 de maio de 2012

Poder da mídia: diferenças entre Brasil e Inglaterra


Ao contrário da Inglaterra, onde a denúncia sobre o News of the World se tornou pública pela ação de um veículo da grande mídia (The Guardian), aqui a primeira reação – salvo uma rede de TV (Record) e uma revista semanal (Carta Capital) – foi ignorar o envolvimento da mídia no escândalo Carlinhos Cachoeira.
(*) Publicado originalmente na revista Teoria e Debate.

A Inglaterra do século 17 constitui a referência moderna obrigatória para o entendimento da liberdade de expressão republicana centrada na vita activa e no autogoverno. A terra de John Milton e Tom Paine tem sido um dos palcos fundamentais do debate entre republicanos e liberais em torno da ideia de liberdade, ao mesmo tempo em que lá se constituíram modelos importantes de prestação do serviço público de radiodifusão (BBC), de regulamentação (OfCom) e de autorregulamentação (PCC) das atividades da mídia.

Por tudo isso, as revelações tornadas públicas originalmente pelo tradicional The Guardian, no início de 2011, de práticas “jornalísticas” criminosas desenvolvidas rotineiramente pelo tabloide News of the World, do grupo News Corporation, desencadearam reações imediatas por parte do governo britânico, de instituições privadas e de cidadãos.

Uma investigação já foi concluída na Comissão de Cultura, Mídia e Esporte da Câmara dos Comuns e seu relatório divulgado no último dia 30 de abril; pelo menos outras três ainda estão em andamento no âmbito da polícia (Weeting, Eldeven e Tutela); várias ações civis impetradas por cidadãos que se consideram vítimas de invasão de privacidade também estão tramitando. E o inquérito mais importante de todos, mandado instalar pelo primeiro-ministro com o objetivo de esclarecer “o papel da mídia e da polícia no escândalo de escutas telefônicas ilegais” (Inquérito Levison), em julho de 2011, prossegue interrogando, entre outros, jornalistas e empresários.

Uma das consequências mais concretas das denúncias até agora foi o anúncio da agência autorreguladora (PCC), em fevereiro passado, de que estava sendo descontinuada para dar lugar a outra, com poderes de interferência mais eficazes.

E no Brasil?
Nas últimas semanas os brasileiros estão tomando conhecimento de atividades criminosas entre grupos empresariais privados, políticos profissionais no exercício do mandato, setores da polícia e do Judiciário, além da aparente cumplicidade de importantes órgãos da mídia tradicional. A se confirmar, estaríamos diante de um gravíssimo desvirtuamento profissional e ético do papel da imprensa, colocada a serviço de interesses políticos e empresarias privados e criminosos.

Escutas telefônicas apontam para uma relação que vai muito além daquela admissível entre o jornalista e sua fonte. Há indícios não só de um comando da fonte criminosa sobre a pauta jornalística, mas, sobretudo, de uma cumplicidade em relação a objetivos empresariais e políticos.

Lá e cá
Ao contrário da Inglaterra, onde a denúncia sobre o News of the World se tornou pública pela ação de um veículo da grande mídia (The Guardian), aqui a primeira reação – salvo uma rede de TV (Record) e uma revista semanal (Carta Capital) de menor circulação – foi ignorar o envolvimento da mídia no escândalo. Num segundo momento, a solidariedade explícita e ameaçadora dos principais grupos privados de mídia com o grupo sob suspeita.

Uma CPMI foi instalada no Congresso Nacional, mas até agora não há indicação clara sobre a disposição de investigar o envolvimento de grupos de mídia com as ações criminosas.

No Brasil não há órgão de regulação ou de autorregulação da mídia, portanto, ações específicas nessas áreas não existem nem existirão.

Já o governo brasileiro tem revelado total inapetência para assumir o papel de protagonista em relação à regulação democrática do setor de mídia. Nem mesmo os princípios e normas da Constituição de 1988 foram regulamentados, e portanto, na sua maioria, não são cumpridos. Há décadas se anuncia um projeto de marco regulatório para o setor de comunicações que, até agora, não se materializou.

Ao contrário da Inglaterra, no Brasil não há compromisso histórico com a liberdade de expressão. Nosso liberalismo nunca foi democrático e prevalece uma interdição branca até mesmo do debate público das questões ligadas à regulação do setor de mídia. Recentemente, a bandeira da liberdade de expressão foi indevidamente apropriada pelos mesmos grupos que apoiaram o golpe de 1964, responsável pela censura oficial que vitimou, inclusive, seus próprios apoiadores por mais de duas décadas.

Aparentemente, todavia, temos algo em comum com a Inglaterra: graves desvios no comportamento de jornalistas e de seus patrões. Mas ainda não temos no Brasil nem os instrumentos institucionais, nem a vontade e a força políticas para enfrentar o poder desmesurado da grande mídia.

Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

“Nossas Américas – Nossos Cinemas”




 Encontro de jovens realizadores da América Latina e do Caribe discutirá novos caminhos e propostas para o audiovisual latino e trará ampla mostra de curtas e longas de vários países.

Batizado de “Nossas Américas – Nossos Cinemas”, o evento ocorre em Sobral, no Ceará, de 23 a 26 de maio.  

Com o objetivo de reunir jovens realizadores latino-americanos e caribenhos para intercâmbios culturais e estéticos, o I Nossas Américas - Nossos Cinemas: I Encontro de Jovens Realizadores da América Latina e do Caribe será realizado em Sobral, a235 km da capital cearense, entre os dias 23 e 26 de maio, para difundir suas novas produções audiovisuais e contribuir para o debate teórico e técnico entre os profissionais.

Durante quatro dias, os realizadores participarão de mesas temáticas, palestras e mostras de filmes, em busca de novas formas de organização, de trocas e vivências. A partir desse encontro, poderão ser estabelecidas redes solidárias de cooperação, de ensino e de difusão, dentro de um processo de respeito à diversidade e de uma ética que estabeleça a reciprocidade, contribuindo para a universalização das culturas dos povos.

A escolha de Sobral como sede do encontro não é aleatória. Segundo Barbara Cariry, diretora geral do I Nossas Américas - Nossos Cinemas, a ideia é realizar ações em centros urbanos do interior, onde já acontece um trabalho cultural significativo e apresenta   um núcleo de produção audiovisual emergente, a partir do trabalho já realizado pela Escola de Ofícios e Artes (ECOA) e pela Universidade do Vale do Acaraú (UVA). “Esta produção precisa ser incentivada e vista, por isto estamos levando também para Sobral oficinas de formação e mostras de cinema de jovens realizadores de vários países, além de uma mostra com a produção local", afirma a diretora geral.

Os jovens realizadores convidados foram indicados por universidades, associações de cineastas e órgãos nacionais e internacionais ligados ao cinema e à cultura, dentro de vários perfis culturais, sociais e étnicos. “Além dos 100 jovens realizadores de todo o pais que se farão presentes no encontro, cerca de 60 convidados nacionais e internacionais realizarão palestras, debates e mesas redondas sobre o Cinema Latino Americano e Caribenho. O I Nossas Américas – Nossos Cinemas é um encontro sincrético, original, mestiço, plural e singular”, afirma Barbara Cariry.

O encontro ainda realizará o I Moitará de DVDS, CDs e livros, que possibilitará a ampla integração entre os convidados latino-americanos e caribenhos com os jovens brasileiros.

I Nossas Américas - Nossos Cinemas: I Encontro de Jovens Realizadores da América Latina e Caribe tem patrocínio do Ministério da Cultura / Secretaria do Audiovisual, da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará e da Prefeitura Municipal de Sobral. A realização é da Secretaria da Cultura e Turismo de Sobral, Sereia Filmes e Instituto Internacional de Intercambio e Cooperação Artístico e Cultural (INTERARTE). Os apoiadores são a Universidade do Vale do Acaraú (UVA), o Conselho Nacional de Cineclubes - CNC, o Encontro de Documentaristas do Século XXI (DOCLAT SEC XXI) e outras instituições internacionais ligadas ao audiovisual.

Debates programados:

"Panorama do Cinema  Caribenho e do seu desenvolvimento como uma das manifestações do Novo Cinema Latino Americano"

"O Cinema dos Povos Originários"

"Um Cinema sem Fronteiras"

“Cinema entre Fronteiras”

"Cinema: Ensino e Pratica"

"Distribuição e Difusão - Cinemas e Transmídia"

"Novos desafios para a gestão governamental"


Serviço:
I Nossas Américas – Nossos Cinemas
(I Encontro de Jovens Realizadores da América Latina e Caribe)
Local: Teatro São João - Sobral (CE)
Período:23 a 26 de maio
Informações: (85) 3224.6944



CONFIRA A PROGRAMAÇÃO:


Filmes que serão exibidos na Mostra Nossas Américas:

TRABALHAR CANSA - Direção: Juliana Rojas e Marco Dutra. 35mm. Ficção. 100 min. Brasil. 2011.

HAMACA PARAGUAYA - Direção: Paz Encina. 35mm. Ficção. 80 min. Paraguai. 2006

TRANSEUNTE - Direção: Eryk Rocha. 35mm. Ficção. Ficção. 100 min. Brasil. 2010

EL CAMINO  - Direção: Ishtar Yassin. 35mm.  Ficção. Ficção. 90 min. Costa Rica. 2007


Filmes que serão exibidos na Mostra Santiago Alvarez:

NOW -  Direção: Santiago Alvarez. 06 min. 1965

LA GUERRA OLVIDADA- Direção: Santiago Alvarez. 20 min. 1967

LA GUERRA NECESARIA-  Direção: Santiago Alvarez. 111 min. 1980

LBJ - Direção: Santiago Alvarez. 18 min. 1968

EL TIGRE SALTÓ Y MATÓ,... PERO MORIRA,... MORIRA! - Direção: Santiago Alvarez. 16min. 1973

ABRIL DE VIET-NAM EN EL AÑO DEL GATO - Direção: Santiago Alvarez. 110 min. 1967

79 PRIMAVERAS - Direção: Santiago Alvarez. 24 min. 1969

MI HERMANO FIDEL...! - Direção: Santiago Alvarez. 20 min. 1977

DE AMÉRICA SOY HIJO Y A ELLA ME DEBO - Direção: Santiago Alvarez. 120 min. 1972

HASTALA VICTORIA SIEMPRE- Direção: Santiago Alvarez. 20 min. 1967

CICLÓN - Direção: Santiago Alvarez. 20 min. 1963

EL NUEVO TANGO - Direção: Santiago Alvarez. 30 min. 1973

CÓMO, POR QUÉ Y PARA QUE SE ASESINA UN GENERAL? - Direção: Santiago Alvarez. 35 min. 1971

Filmes que serão exibidos na Mostra Grande Caribe:

CRÓNICA DE UNA CATÀSTROFE ANUNCIADA, 2010 - Diretor: ARNOLD ANTONIN. Doc. 20 min. Cuba.

PORT AU PRINCE SE PAM, 2000 - Diretor: RIGOBERTO LÓPEZ. Doc. 57 min.Haiti/Cuba

LA SANGRE, 2005 - Diretor: KOLTON LEE. Lee. Ficção. 8 min, Reino Unido

TRAGA! (SWALLOW), 2003 - Diretor: FRANK E. FLOWERS. Doc. 23 min. EUA

UNA MISMA RAZA, 2006 - Diretor:  JORGE LUIS NEYRA. Doc. 20 min. Cuba

QUERIDO CAMILO, 2007 - Diretor:  DANIEL ROSS/JULIO MOLINA. Doc. 52 min. Costa Rica / Brasil

ALMA NEGRA, 2001 -  Diretor: MARTINE CHARTRAND. Animação, 10 min. Canadá

LLUVIA, 2008 - Diretor: Maria Govan. Ficção. 85 min. Bahamas

20 ANOS - Diretor: Bárbaro J. Ortiz. Animação. 15 min.

SUEÑOS DE CALIPSO (CALYPSO DREAMS), 2004 - Diretor: GEOFFREY DUNN/ MICHAEL HORNE. Doc. 90 min. EUA

ROBLE DE OLOR, 2004 - Diretor: RIGOBERTO LÓPEZ. Ficção. 125 min. Cuba / França / Espanha


Filmes que serão exibidos na Mostra Curta o Ceará:

CORISCO E DADÁ - Direção: Rosemberg Cariry - 35mm. Ficção. 110min. CE. 1996

LUA CAMBARA - Direção: Rosemberg Cariry - 35mm. Ficção. 95min. CE. 2002

A CASA DAS HORAS - Direção:  Heraldo Cavalcanti. Ficção. 35mm. 19min. CE. 2011

PARQUE DE DIVERSÕES - Direção: Armando Praça. Ficção. Digital. 10min. CE. 2002

VIDA MARIA - Direção: Marcio Ramos. Animação. 35mm. 9min. CE. 2006

RUA DA ESCADINHA 162 - Direção: Márcio Câmara. Doc. 35mm. 18min. CE. 2003

RETRATO PINTADO - Direção: Joe Pimentel. Ficção. 35mm. 13min. CE. 2000

CAPISTRANO NO QUILO - Direção: Firmino Holanda. Doc. 35mm. 21min. CE. 2007

DOCE DE COCO - Direção: Allan Deberton. Fic.35mm.20min. CE. 2010

CINE HOLIÚDE - Direção:  Halder Gomes.Ficção. 35mm. 15CE. 2004

A AMIGA AMERICANA - Direção: Ricardo Pretti e Ivo Lopes Araújo.Ficção. HD. 19min. CE. 2009

CANOA VELOZ - Direção: Joe Pimentel e Tibico Brasil. Doc. 35mm. 14min. CE. 2005

MONTANHA MÁGICA - Direção: Petrus Cariry. Doc. 35mm. 13min. 2009

O SILÊNCIO DO MUNDO - Direção: Bárbara Cariry. Ficção. HD. 10min. CE. 2010

SUPERMEMÓRIAS - Direção: Danilo Carvalho. Doc. 35mm. 20min. CE. 2010

SOBRAL NO PLURAL  - Direção: Nilson Almino de Paulo Passos. Doc. DV. 51 min. CE. 2010

A VIDA ENTRE TECIDOS, FIOS E NÓS - Direção: Telma Bessa. Doc.  DV. 22min. 2011

DOM EXPEDITO: CULTURA, ARTE E EXPRESSÃO - Direção: Thiago de Castro. Doc. DV. 9 min. CE.  2011

VIDA E BAIRRO: VILA UNIÃO - Direção: Josiany Oliveira Mota. Doc. DV. 12 min. CE. 2011

SUMARÉ: HISTÓRIA, VERSÕES E GERAÇÕES. Direção: Daniele do Nascimento Rodrigues. Doc. DV. 12 min. CE. 2011

LEMBRANÇAS E VESTÍGIOS DE CATIVEIRO: ESCRAVIDÃO, ABOLIÇÃO E PÓS-ABOLIÇÃO. Direção: Paulo Henrique de Souza Martins. Doc. DV. 25 min.  2010


Sonho dos irmãos Villas Boas chega às telas em momento de retrocesso em políticas


Fonte: Brasil de Fato

Por Carlos Minuano De São Paulo (SP)
O filme “Xingu”, de Cao Hamburger (O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias), chega às telas em um momento de retrocesso nas políticas indígenas. No mês em que é celebrado o dia do índio, pouco há para se comemorar. O Parque Indígena, criado pelos irmãos Villas Boas, cenário do filme, vive às voltas com diferentes ameaças, e em outras aldeias espalhadas pelo país, o clima é de medo, provocado por invasões do garimpo, pela ameaça constante do narcotráfico e pela violenta disputa pelas terras com fazendeiros fortemente armados.
O filme faz um justo resgate da historia de três brasileiros de primeira grandeza que decidirem botar o pé na estrada, inicialmente sem saber ao certo pra onde, nem por que. A viagem em questão é a Expedição Roncador-Xingu que, em 1943, partiu de São Paulo rumo a regiões inóspitas do Brasil Central. Seus nomes: Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Bôas. Impulsionados, em princípio, pelo desejo de aventuras, descortinaram o misterioso mundo dos povos indígenas. Um mundo que, como poucos, eles compreenderam e ajudaram a preservar. E ao qual, apaixonados, dedicaram – de corpo e alma – suas vidas.
Abraço da morte
“É uma joia pública preservada”, defende o ator Caio Blat, que vive no longa o caçula, Leonardo Villas Boas. “Eles previram o avanço da destruição que ameaçaria os povos da região, chamavam isso de ‘abraço da morte’, o que, aliás, já está acontecendo, todo o entorno do parque já está devastado”, ressalta o ator. Ele também acredita que o filme chega numa boa hora. “Vamos levantar esse debate, levar esse tema para as casas das pessoas, escolas, e tentar reverter essa situação com a participação da sociedade”. Para o ator, quadro é dramática. “O parque está no seu limite, desmatamentos chegaram perto demais e impactos da usina Belo Monte não estão claros.” O ator aproveita pra chamar a atenção sobre questões ambientais. “Código florestal que está sendo aprovado é vergonhoso.”
A atriz Maria Flor, que vive o papel de Marina, a viúva de Orlando Villas Boas, e que passou vários dias no parque indígena, conta ter se impressionado ao ver como os índios ainda continuam vivendo dentro da própria cultura, mas vê com ressalvas a ideia de preservação cultural. “É inevitável nossa cultura entrar ali, e essa mistura é muito interessante, eles querem isso, ter ipod, máquina fotográfica, é legítimo, e o bacana é que ao mesmo tempo permanecem ligados às tradições.”
“Falta outro ‘Orlando’ pra botar ordem na casa”
Verdadeira celebridade na noite da pré-estreia do filme em São Paulo, Marina elogiou o olhar ‘sensível e competente’ do diretor Cao Hamburger. Sobre a atual situação de fragilidade de aldeias, ela lamenta. “Falta o interesse que já existiu na questão indígena”, em outras palavras, a viúva quis dizer que falta outro ‘Orlando’ pra botar ordem na casa, ou na aldeia.
Também marcou presença na pré-estreia de Xingu, ao lado da sempre bela, Bruna Lombardi, o eterno Aritana da TV, o ator Carlos Alberto Riccelli, que teve a ajuda dos sertanistas Orlando e Claudio Villas Boas para a composição de seu personagem, o líder indígena do Alto Xingu, Aritana Yawalapiti, em 1978, na saudosa TV Tupi. “Eles foram excelentes professores, me ensinaram um pouco dos costumes e do idioma”, diz o ator, que vive hoje em São Paulo e em Miami. Bruna acrescenta um detalhe importante. “Para nós tem um significado todo especial, foi no Xingu que nos conhecemos.”
O ator que acabava de chegar do Fórum de Sustentabilidade de Manaus, também ergueu a bandeira ambiental. Ele citou uma petição, da ONG Greenpeace que propõe ‘desmatamento zero’. “Pra transformar isso em lei é preciso 1 milhão e meio de assinaturas.” Ele afirma que a exemplo do que aconteceu com a Lei da Ficha Limpa’, que teve expressiva participação da sociedade, essa proposta pode fazer mais do que a atual revisão do código florestal, onde, segundo ele, ‘todo mundo deu palpite, mexeu onde não precisava e tudo para salvar quem deveria ser punido.”
Para o cineasta Fernando Meirelles (um dos diretores da O2 Filmes, produtora de Xingu), o longa, dirigido por Hamburger, questiona o que é progresso. Ele se refere a uma cena em que Felipe Camargo, na pele de Orlando, arremata o assunto afirmando que “progresso não interessa nem pra gente.” Questionado sobre porque não é mencionada a construção da Belo Monte, o diretor se defende dizendo que as imagens da Transamazônica no final do filme já deixam implícita a questão. Mas afirma ser contra a obra, imposta sem os devidos estudos de impacto. “Serão dezessete usinas ao longo do rio para produzir uma energia elétrica que não precisamos, para fazer alumínio para a China”, conclui.
Histórias de pajés
Certamente, o mais fantástico nas aventuras de Orlando Villas Boas foi seu encontro com o fascinante universo da cultura indígena. Desta mesma fonte, ele resgatou outro tesouro, as histórias de poderosos pajés, autores de feitos mirabolantes. A enfermeira Marina Villas Bôas, esposa do sertanista, que viveu e trabalhou com ele durante 12 anos no Xingu, conhece uma porção delas. Muitas, porém, trazem pitadas de um recheio fantástico, que ela própria reconhece ‘precisar muita fé para acreditar’. O que não impede o fascínio pelo universo indígena, motivo que a fez abandonar a vida segura em São Paulo e seguir rumo ao Xingu, onde viveu e trabalhou durante doze anos. Peço e ela concorda em contar um desses ‘causos’ mirabolantes.
“Um índio foi pescar com seus dois filhos. Duas crianças – uma de seis e a outra de oito ou nove anos. O pai foi até a outra margem do rio, mas advertiu aos pequenos para que o esperassem ali onde estavam. Quando retornou já não estavam mais lá. O índio procurou, mas não os encontrou. À noite, desesperado, voltou à aldeia. No dia seguinte, várias equipes de índios saíram à procura das crianças, sem sucesso. Orlando chamou então o pajé, que garantiu que as crianças estavam bem e que voltariam, mesmo depois de terem passado vários dias, com chuvas e tempestades. Quase duas semanas após o sumiço dos garotos, o pajé fez uma cerimônia e depois afirmou que no dia seguinte, ao meio-dia, eles retornariam à aldeia. No horário previsto, pediu que todos ficassem em suas casas enquanto ele faria sua reza. Em seguida, como anunciado, as crianças voltaram. Não tem explicação”, conclui Marina.

A nova classe média?, do professor Marcio Pochmann, está sendo lançado esta semana pela Boitempo



por Luiz Carlos Azenha


“A estrutura fundiária do Brasil é hoje pior do que em 1920. Atualmente, 40 mil proprietários rurais concentram 50% das áreas agricultáveis do País. Também é preciso acabar com essa lógica perversa que impera, em que os mais pobres são exatamente os que pagam mais impostos”.




A frase acima, do economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), requer a coragem dos que remam contra a maré. O Brasil, afinal, é o país do agronegócio, onde o senso comum equivocado nos diz que os ricos vivem sufocados pela carga tributária do impostômetro. Ou seria impostura?

Pois agora Pochmann rema, de novo, contra a maré. No livro Nova Classe Média?, da Boitempo, o economista coloca uma interrogação que deixa com a pulga atrás da orelha aqueles que se orgulham de uma ascensão social que, muitos de nós acreditamos, enfim teria livrado o Brasil do estigma da pobreza.

Logo na apresentação, ele sapeca: “Seja pelo nível de rendimento, seja pelo tipo de ocupação, seja pelo perfil e atributos pessoais, o grosso da população emergente não se encaixa em critérios sérios e objetivos que possam ser claramente identificados como classe média”.

Em outras palavras, seriam os “remediados” da classe trabalhadora.

No livro, o presidente do Ipea faz uma comparação intrigante: coloca lado a lado a ascensão social promovida durante o governo Lula e a experimentada por setores da população durante o milagre econômico dos anos 70, em plena ditadura militar. Lá, acompanhada pela migração do campo para as cidades e influenciada fortemente pela Igreja Católica e suas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). O bispo vermelho de Bauru, Dom Cândido Padin, que o diga. Eram as sementes que iriam eclodir plenamente mais adiante, com o PT e Lula, no ABC paulista dos anos 80.

Mas, agora, Marcio Pochmann diz que os partidos políticos e o sindicalismo, entre outros, não dão conta de lidar com a base despolitizada do lulismo. Mais um trecho da introdução: “Percebe-se sinteticamente que a despolitizadora emergência de segmentos novos na base da pirâmide social resulta do despreparo de instituições democráticas atualmente existentes para envolver e canalizar ações de interesses para a classe trabalhadora ampliada. Isto é, o escasso papel estratégico e renovado do sindicalismo, das associações estudantis e de bairros, das comunidades de base, dos partidos políticos, entre outros.”

Temos, portanto, um dilema: mais ou menos Estado? Privataria ou ensino, saúde e outros serviços públicos universais e de qualidade para todos? É o que está em jogo.

Márcio já havia escrito, anteriormente, na Folha de S. Paulo, um artigo que refletia a encruzilhada brasileira. Reapresentamos o artigo, no Viomundo, com o título: Clássico brasileiro é Vaco vs. Fama.

O Brasil produzirá produtos de alto valor e conhecimento agregados (Vaco) ou ficará na combinação de fazendas, mineração e maquiladoras (Fama)?

Eu [Azenha] diria que o Fama está ganhando de goleada. Você vai ao porto de Suape e todos os guindastes são feitos na China. Você vai à moderníssima usina de energia eólica de Pedra do Sal, no Piauí, e toda a tecnologia é importada. Você percorre as novas fronteiras do agronegócio e descobre que a maior parte do lucro fica com a Cargill, a Bunge, a Monsanto, a Basf, a Massey Ferguson e outras. E, enquanto as crianças sul-coreanas baixam os livros didáticos de clouds em escolas públicas, no Brasil a banda larga é da Telefônica e o Carlinhos Cachoeira é empresário do ramo da educação superior.

Marcio Pochmann aponta para vários passos que podem reforçar o time do Vaco e, no clássico que ele mesmo inventou, diz que “a luta continua”.

terça-feira, 1 de maio de 2012






Segundo episódio do documentário "O Dia que Durou 21 anos, que apresenta "os bastidores da participação do governo dos Estados Unidos no golpe militar de 1964 que durou até 1985 e instaurou a ditadura no Brasil". Uma coprodução da TV Brasil com a Pequi Filmes, com direção de Camilo Tavares.