Chaplin já dizia…
do Instituto Humanitas Unisinos, sugerido pela
Sgeral, reprodução parcial
A partir da experiência que possui ao longo dos anos na área da
Psicologia do Trabalho, o professor Roberto Heloani, da Unicamp,
identifica que foi se criando uma cultura dentro das organizações cujo
mote é o seguinte: “aproveite enquanto der; o futuro ninguém sabe; nem
você tem controle desse futuro”.
Na entrevista que aceitou conceder por telefone à IHU On-Line, ele
argumenta que, em uma situação como essa, “não se pode esperar dos
jovens sonhos de longo prazo, uma lealdade estrita às pessoas e à
organização e, muito menos, uma dedicação incondicional. Ele pode até
trabalhar muito, até 16 horas por dia, como alguns trabalham, mas é um
trabalho voltado para si, que quer uma recompensa rápida, imediata e de
preferência segura. Ele construiu uma lógica que não é perversa”.
E continua: “temos uma organização do trabalho que exige uma nova
modelagem, uma nova subjetividade – chamo isso de manipulação da
subjetividade – e responde com uma nova subjetividade: sendo
individualista para melhor se adaptar a essa realidade. Quem é perverso
não é o jovem, nem o gestor, nem o chefe. Se tem alguém perverso é a
própria forma de organizar o trabalho. Essa forma diferenciada de
organizar o trabalho tem obviamente benefícios, pontos positivos, mas
também tem muitos pontos negativos”.
Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP e em
Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP,
José Roberto Montes Heloani é mestre em Administração pela Fundação
Getúlio Vargas/SP e doutor em Psicologia pela PUC-SP. É professor e
pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas, na área de Gestão, Saúde e Subjetividade.
Também é professor conveniado junto à Université de Nanterre (Paris
X). Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia do
Trabalho, Saúde no Trabalho e Psicodinâmica do Trabalho. É
membro-fundador do site www.assediomoral.org, coautor de Assédio moral
no trabalho (São Paulo: Cengage Learning, 2008), e autor de, entre
outros, Gestão e organização no capitalismo globalizado – História da
manipulação psicológica no mundo do trabalho (São Paulo: Atlas, 2003).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que caracteriza o perfil dos jovens no
mercado de trabalho? Como a intolerância a problemas e a cobrança por
resultados aparece, nesse sentido?
Roberto Heloani – Em primeiro lugar, precisamos
reconhecer que o mundo do trabalho mudou de forma significativa, e aqui
me refiro à forma de organizar o trabalho.
Há 30 anos uma pessoa entrava para uma grande organização e sabia que
poderia permanecer lá a vida toda, caso tivesse um bom desempenho,
fosse uma pessoa leal à organização, que se aplicasse, se qualificasse,
aproveitasse as oportunidades oferecidas pela organização, e se fosse
minimamente disciplinada. E o sonho de muitos jovens era justamente
fazer carreira na organização e depois ser substituído pelo próprio
filho.
Isso caracterizou o que chamamos de modelo fordista de produção, que
era piramidal, com uma hierarquia mais explícita – não é que não se
tenha hierarquia hoje em dia, apenas pessoas ingênuas pensam que ela não
existe.
Em consequência disso, o grande sonho era fazer certos sacrifícios,
postergar a felicidade para depois ter os louros, a recompensa. O
próprio modelo de produção era de longo prazo. Hoje não.
Esse jovem já entra na escola e logo acaba recebendo a ideologia da
internet, da informação virtual, na qual não se exige do sujeito grande
reflexão, mas muito mais uma pró-atividade de resposta. Isso não quer
dizer que o sujeito está pensando, mas que ele está sendo treinado para
responder rapidamente.
O resultado disso é que, quando ele entra no mundo corporativo,
começa a ouvir comentários de que aquela pessoa que estava lá outro dia
já não está mais e que a média de permanência naquela organização é de 2
a 3 anos.
Daí ele para e pensa: afinal de contas, me é permitido pensar que vou
passar minha vida toda aqui? Será que essa será a minha casa? Será que
devo compartilhar minhas angústias e incertezas com esse grupo? É outra
lógica.
Uma coisa é ter um amigo, uma pessoa com a qual você compartilha as
ansiedades, desejos, medos, receios, neuras. E outra coisa é ter uma
amizade profissional.
Esse jovem, desde cedo, aprende que no mundo do trabalho atual é
preciso construir amizades profissionais, o que é diferente de construir
amizades. A amizade profissional dura enquanto for do interesse de
ambos.
São raras as pessoas que saem de uma organização e mantêm contato com
seus ex-colegas. Será que é porque são pessoas perversas e frias? Nada
disso. São pessoas “normais”, que aprenderam que ter uma relação afetiva
e efetiva pode ser até perigoso, porque essas amizades são datadas, não
são verdadeiras.
A relação que se estabelece com os colegas é a mesma que se acaba tendo com as empresas. E esse perfil vai sendo moldado.
Mais do que isso: vai se criando uma cultura dentro das organizações,
e hoje boa parte delas está moldada por essa lógica, cujo mote é o
seguinte: aproveite enquanto der; o futuro ninguém sabe; nem você tem
controle desse futuro. É claro que em uma situação como essa não se pode
esperar dos jovens sonhos de longo prazo, uma lealdade estrita às
pessoas e à organização e, muito menos, uma dedicação incondicional.
Ele pode até trabalhar muito, até 16 horas por dia, como alguns
trabalham, mas é um trabalho voltado para si, que quer uma recompensa
rápida, imediata e de preferência segura. Ele construiu uma lógica que
não é perversa.
Temos uma organização do trabalho que exige uma nova modelagem, uma
nova subjetividade – chamo isso de manipulação da subjetividade – e
responde com uma nova subjetividade: sendo individualista para melhor se
adaptar a essa realidade.
Quem é perverso não é o jovem, nem o gestor, nem o chefe. Se tem alguém perverso é a própria forma de organizar o trabalho.
Essa forma diferenciada de organizar o trabalho tem obviamente
benefícios, pontos positivos, mas também tem muitos pontos negativos.
Não é à toa que ainda nesta década, até 2020, segundo relatórios
internacionais, a segunda causa de afastamento do trabalho será o
transtorno mental, sendo que a mais recorrente será a depressão. Isso é
gravíssimo. Uma característica muito forte desse modelo de organização
do trabalho é a solidão. Encontra-se rodeado de pessoas, mas
verdadeiramente se está só.
IHU On-Line – Quais são os novos formatos da agressão no trabalho?
Roberto Heloani – Quando comecei a trabalhar com o
tema do assédio moral, há mais de 15 anos, o assédio era mais explícito.
Mas de uns tempos para cá ele está cada vez mais sofisticado, mais
sutil. Temos o assédio a jornalistas, na área de serviços, na justiça,
tem assédio a médicos, na academia, até nas grandes universidades, como
USP e Unicamp. Ou seja, não é que o assédio não existisse há décadas. É
óbvio que sim, mas por que hoje se fala tanto e por que ele tanto se
disseminou?
Essa nova lógica do trabalho tende a reificar a coisificação das
pessoas. Hoje não tenho grandes amigos, pois as pessoas que trabalham
comigo poderão vir a ser meus concorrentes para uma futura vaga. Isso
para um jovem de 20 e poucos anos é muito duro. É muito deseducativo
saber que ele vai ter que desejar que tantas pessoas se deem mal para
que ele garanta sua vaga.
O próprio modelo de organização prega o trabalho coletivo. No
entanto, as avaliações continuam sendo individuais. Isso causa na cabeça
das pessoas uma sensação de guerra constante. Esse é o modelo indutor
de agressão. Então, teremos desde agressões mais grosseiras e explícitas
até aquelas bem sutis, acompanhadas de elogio, com grande cinismo. Não é
à toa que o assédio moral se sofisticou, está complexo, mas
extremamente destrutivo.
IHU On-Line – Qual o preço que os trabalhadores do mundo
inteiro estão pagando em função da crise financeira internacional? Qual a
especificidade do Brasil?
Roberto Heloani – A crise nos países europeus nos
mostrou muito bem isso. A gente sabe que a União Europeia é algo difícil
de se estabelecer, uma ficção.
Não quero ser pessimista, mas me diga o que um português tem a ver
com um grego? O que um grego tem a ver com um alemão? Sabemos que foi
uma tentativa de fazer um acordo econômico.
No entanto, a Europa tem línguas e culturas muito diferentes. Já não
era uma união fácil. O que mantinha unidos povos tão diversos, que há
pouco tempo se digladiavam, era o interesse econômico e o Welfare State –
Estado-previdência.
Os países capitalistas centrais tentaram – e conseguiram – bolar um
sistema na lógica keynesiana de redistribuição, que é a lógica da
social-democracia.
O projeto keyenesiano é um estado, dentro do capitalismo, minimamente
protetor. Isso, até certo ponto, manteve as coisas a contento.
Quando, a partir da década de 1980, esse projeto vai sendo
paulatinamente substituído pelo projeto neoliberal, teremos o seguinte: o
projeto neoliberal vai pregar, afinal de contas, outra lógica, que é a
do “salve-se quem puder”, a lógica do Estado mínimo.
Não compete ao Estado ficar pensando muito em educação, saúde,
segurança, mas compete ao indivíduo. Esse projeto neoliberal diz o
seguinte: você é o principal responsável por você próprio. Esse negócio
de sociedade é um “lero”. O neoliberalismo vai, pouco a pouco, minando o
Estado protetor, vai tornando esse Estado cada vez menor, menos
interventor, menos positivo. E o mercado vai fazendo a vez do Estado.
É claro que, quando se tem uma concepção de Estado dessa forma, se
acaba tendo outra concepção de sociedade e de homem, que vai induzir as
pessoas a terem projetos voltados a um pequeno grupo social: a si e a
família.
Essa nova lógica econômica respinga nos países latino-americanos. Por
que o Brasil foi um dos menos afetados? Porque ele foi, na América
Latina, um dos poucos países que não aderiu ao projeto neoliberal. Ao
contrário da Argentina e principalmente do Chile, onde a previdência foi
privatizada.
O respingo da financeirização no Brasil ocorreu e ocorre até hoje.
Temos uma inflação latente, um medo latente; porém, apesar de tudo isso,
por termos um Banco Central com políticas de intervenção, graças ao
governo Lula e ao Bolsa Família, conseguimos incluir como consumidores
uma parcela significativa da população que estava totalmente à margem.
É a política interna e as políticas públicas, as ações concretas do
governo que amortecem os efeitos, ou, pelo contrário, exponenciam e os
aumentam.
Nunca tivemos Estado de bem-estar social no Brasil. O emprego formal
aumentou recentemente. Tem mais gente com carteira assinada, mas ainda
temos subemprego.
Onde se tem um capital financeiro muito forte em detrimento da
produção, é claro que isso trará consequências para a questão do
emprego. Há setores que estão se automatizando cada vez mais. Há também a
questão dos terceirizados, que será regulamentada agora.
Temos uma situação de uma classe média que perdeu muito, temos as
chamadas classes C, D e E que se mantiveram, mas permanece no Brasil um
percentual mínimo de pessoas, da ordem de 2%, que detém uma quantidade
de riqueza estonteante.
Isso é justamente consequência do processo de financeirização da economia.
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