Para João Pedro Stedile, a juventude mobilizada, por sua origem de
classe, não tem consciência de que está participando de uma luta
ideológica. Assim, estão sendo disputados pelas ideias da direita e da
esquerda
25/06/2013
Nilton Viana
da Redação
É
hora do governo aliar-se ao povo ou pagará a fatura no futuro. Essa é
uma das avaliações de João Pedro Stedile, da coordenação nacional do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sobre as recentes
mobilizações em todo o país. Segundo ele, há uma crise urbana instalada
nas cidades brasileiras, provocada por essa etapa do capitalismo
financeiro. “As pessoas estão vivendo um inferno nas grandes cidades,
perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar
com a família, estudando ou tendo atividades culturais”, afirma. Para o
dirigente do MST, a redução da tarifa interessava muito a todo o povo e
esse foi o acerto do Movimento Passe livre, que soube convocar
mobilizações em nome dos interesses do povo.
Nesta
entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Stedile fala sobre o caráter
dessas mobilizações, e faz um chamamento: devemos ter consciência da
natureza dessas manifestações e irmos todos para a rua disputar corações
e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta
de classes. “A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer
política burguesa, mercantil”, constata. E faz uma alerta: o mais grave
foi que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se moldaram a
esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. As forças populares e
os partidos de esquerda precisam colocar todas as suas energias para ir
para a rua, pois está ocorrendo, em cada cidade, em cada manifestação,
uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes.
“Precisamos explicar para o povo quem são os principais inimigos do
povo”.
Brasil de
Fato – Como você analisa as recentes manifestações que vêm sacudindo o
Brasil nas últimas semanas? Qual é a base econômica para elas terem
acontecido?
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| | | João Pedro Stedile, da coordenação do MST - Foto: José Cruz/ABr |
João Pedro Stedile –
Há muitas avaliações sobre por que estão ocorrendo estas manifestações.
Me somo à análise da professora Ermínia Maricato, que é nossa maior
especialista em temas urbanos e já atuou no Ministério das Cidades na
gestão Olívio Dutra. Ela defende a tese de que há uma crise urbana
instalada nas cidades brasileiras, provocada por essa etapa do
capitalismo financeiro. Houve uma enorme especulação imobiliária que
elevou os preços dos aluguéis e dos terrenos em 150% nos últimos três
anos. O capital financiou – sem nenhum controle governamental – a venda
de automóveis para enviar dinheiro para o exterior e transformou nosso
trânsito um caos. E, nos últimos dez anos, não houve investimento em
transporte público. O programa habitacional Minha casa, minha vida
empurrou os pobres para as periferias, sem condições de infraestrutura.
Tudo isso gerou uma crise estrutural, em que as pessoas estão vivendo um
inferno nas grandes cidades, perdendo três, quatro horas por dia no
trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo
atividades culturais. Somado a isso, a péssima qualidade dos serviços
públicos, em especial na saúde e mesmo na educação, desde a escola
fundamental, ensino médio, em que os estudantes saem sem saber fazer uma
redação. E o ensino superior virou loja de vendas de diplomas a
prestações, onde estão 70% dos estudantes universitários.
Do ponto de vista político, por que isso aconteceu?
Os
15 anos de neoliberalismo e mais os últimos dez anos de um governo de
composição de classes transformou a forma de fazer política em refém
apenas dos interesses do capital. Os partidos ficaram velhos em suas
práticas e se transformaram em meras siglas que aglutinam, em sua
maioria, oportunistas para ascender a cargos públicos ou disputar
recursos públicos para seus interesses. Toda a juventude nascida depois
das Diretas Já não teve oportunidade de participar da política. Hoje,
para disputar qualquer cargo, por exemplo, o de vereador, o sujeito
precisa ter mais de um milhão de reais. O de deputado custa ao redor de
dez milhões de reais. Os capitalistas pagam e depois os políticos os
obedecem. A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política
burguesa, mercantil. Mas o mais grave foi que os partidos da esquerda
institucional, todos eles, se moldaram a esses métodos. Envelheceram e
se burocratizaram. E, portanto, gerou na juventude uma ojeriza à forma
dos partidos atuarem. E eles têm razão. A juventude não é apolítica, ao
contrário, tanto é que levou a política para as ruas, mesmo sem ter
consciência do seu significado. Mas está dizendo que não aguenta mais
assistir na televisão essas práticas políticas que sequestraram o voto
das pessoas, baseadas na mentira e na manipulação. E os partidos de
esquerda precisam reapreender que seu papel é organizar a luta social e
politizar a classe trabalhadora. Senão cairão na vala comum da história.
E por que as manifestações eclodiram somente agora?
Provavelmente
tenha sido mais pela soma de diversos fatores de caráter da psicologia
de massas, do que por alguma decisão política planejada. Somou-se todo o
clima que comentei, mais as denúncias de superfaturamento das obras dos
estádios, que é são um acinte ao povo. Vejam alguns episódios. A Rede
Globo recebeu do governo do estado do Rio de Janeiro e da prefeitura R$
20 milhões do dinheiro público para organizar o showzinho de apenas duas
horas do sorteio dos jogos da Copa das Confederações. O estádio de
Brasília custou R$ 1,4 bilhão e não tem ônibus na cidade! A ditadura
explícita e as maracutaias que a Fifa/CBF impuseram e que os governos se
submeteram. A reinauguração do Maracanã foi um tapa no povo brasileiro.
As fotos eram claras, no maior templo do futebol mundial não havia
nenhum negro ou mestiço! E aí o aumento das tarifas de ônibus foi apenas
a faísca para acender o sentimento generalizado de revolta, de
indignação. A gasolina para a faísca veio do governo tucano Geraldo
Alckmin, que protegido pela mídia paulista que ele financia, e
acostumado a bater no povo impunemente – como fez no Pinheirinho e em
outros despejos rurais e urbanos – jogou sua polícia para a barbárie. Aí
todo mundo reagiu. Ainda bem que a juventude acordou. E nisso houve o
mérito do Movimento Passe Livre, que soube capitalizar essa insatisfação
popular e organizou os protestos na hora certa.
Por que a classe trabalhadora ainda não foi à rua?
É
verdade, a classe trabalhadora ainda não foi para a rua. Quem está na
rua são os filhos da classe média, da classe media baixa, e também
alguns jovens do que o Andre Singer chamaria de subproletariado, que
estudam e trabalham no setor de serviços, que melhoraram as condições de
consumo, mas querem ser ouvidos. Esses últimos apareceram mais em
outras capitais e nas periferias. A redução da tarifa interessava muito a
todo o povo e esse foi o acerto do Movimento Passe livre, soube
convocar mobilizações em nome dos interesses do povo. E o povo apoiou as
manifestações. Isso está expresso nos índices de popularidade dos
jovens, sobretudo quando foram reprimidos. A classe trabalhadora demora a
se mover, mas quando se move afeta diretamente o capital. Coisa que
ainda não começou acontecer. Acho que as organizações que fazem a
mediação com a classe trabalhadora ainda não compreenderam o momento e
estão um pouco tímidas. Mas a classe, como classe, acho que está
disposta a também lutar. Veja que o número de greves por melhorias
salariais já recuperou os padrões da década de 1980. Acho que é apenas
uma questão de tempo, é só as mediações acertarem nas bandeiras que
possam motivar a classe a se mexer. Nos últimos dias já se percebe que
em algumas cidades menores e nas periferias das grandes cidades já
começam a ter manifestações com bandeiras de reivindicações bem
localizadas. E isso é muito importante.
Vocês do MST e dos camponeses também não se mexeram ainda...
É
verdade. Nas capitais onde temos assentamentos e agricultores
familiares mais próximos já estamos participando. Inclusive, sou
testemunha de que fomos muito bem recebidos com nossa bandeira vermelha e
com nossa reivindicação de reforma agrária, alimentos saudáveis e
baratos para todo o povo. Acho que nas próximas semanas poderá haver uma
adesão maior, inclusive realizando manifestações dos camponeses nas
rodovias e municípios do interior. Na nossa militância está todo mundo
doido para entrar na briga e se mobilizar. Espero que também se mexam
logo.
Na sua opinião, qual é a origem da violência que tem acontecido em algumas manifestações?
Primeiro
vamos relativizar. A burguesia, através de suas televisões, tem usado a
tática de assustar o povo colocando apenas a propaganda dos baderneiros
e quebra-quebra. São minoritários e insignificantes diante das milhares
de pessoas que se mobilizaram. Para a direita, interessa colocar no
imaginário da população que isso é apenas bagunça e no final, se tiver
caos, colocar a culpa no governo e exigir a presença das Forças Armadas.
Espero que o governo não cometa essa besteira de chamar a guarda
nacional e as Forças Armadas para reprimir as manifestações. É tudo o
que a direita sonha! Quem está provocando as cenas de violência é a
forma de intervenção da Policia Militar. A PM foi preparada desde a
ditadura militar para tratar o povo sempre como inimigo. E nos estados
governados pelos tucanos (SP, RJ e MG), ainda tem a promessa de
impunidade. Há grupos direitistas organizados com orientação de fazer
provocações e saques. Em são Paulo, atuaram grupos fascistas e leões de
chácaras contratados. No Rio de Janeiro, atuaram as milícias organizadas
que protegem seus políticos conservadores. E claro, há também um
substrato de lumpesinato que aparece em qualquer mobilização popular,
seja nos estádios, carnaval, até em festa de igreja, tentando tirar seus
proveitos.
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PM reprime manifestação em frente ao estádio Mané Garrincha, em Brasília (DF) - Foto: Felipe Canova |
Há, então, uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude manifestando sua indignação?
É
claro que há uma luta de classes na rua. Embora ainda concentrada na
disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude
mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está
participando de uma luta ideológica. Eles estão fazendo política da
melhor forma possível, nas ruas. E aí escrevem nos cartazes: somos
contra os partidos e a política? Por isso têm sido tão difusas as
mensagens nos cartazes. Está ocorrendo, em cada cidade, em cada
manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses
de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas ideias da direita e
pela esquerda. Pelos capitalistas e pela classe trabalhadora. Por outro
lado, são evidentes os sinais da direita muito bem articulada e de seus
serviços de inteligência, que usam a internet, se escondem atrás das
máscaras e procuram criar ondas de boatos e opiniões pela internet. De
repente, uma mensagem estranha alcança milhares de mensagens. E aí se
passa a difundir o resultado como se ela fosse a expressão da maioria.
Esses mecanismos de manipulação foram usados pela CIA e pelo
Departamento de Estado Estadunidense, na Primavera Árabe, na tentativa
de desestabilização da Venezuela, na guerra da Síria. É claro que eles
estão operando aqui também para alcançar os seus objetivos.
E quais são os objetivos da direita e suas propostas?
A
classe dominante, os capitalistas, os interesses do império
Estadunidense e seus porta-vozes ideológicos, que aparecem na televisão
todos os dias, têm um grande objetivo: desgastar ao máximo o governo
Dilma, enfraquecer as formas organizativas da classe trabalhadora,
derrotar quaisquer propostas de mudanças estruturais na sociedade
brasileira e ganhar as eleições de 2014, para recompor uma hegemonia
total no comando do Estado brasileiro, que agora está em disputa. Para
alcançar esses objetivos, eles estão ainda tateando, alternando suas
táticas. Às vezes, provocam a violência para desfocar os objetivos dos
jovens.
Às vezes, colocam nos cartazes dos jovens
a sua mensagem. Por exemplo, a manifestação do sábado (22), embora
pequena, em São Paulo, foi totalmente manipulada por setores direitistas
que pautaram apenas a luta contra a PEC 37, com cartazes estranhamente
iguais e palavras de ordem iguais. Certamente, a maioria dos jovens nem
sabem do que se trata. E é um tema secundário para o povo, mas a direita
está tentando levantar as bandeiras da moralidade, como fez a UDN em
tempos passados. Isso que já estão fazendo no Congresso, logo, logo vão
levar às ruas. Tenho visto nas redes sociais controladas pela direita,
que suas bandeiras, além da PEC 37 são: saída do Renan do Senado; CPI e
transparência dos gastos da Copa; declarar a corrupção crime hediondo e
fim do foro especial para os políticos. Já os grupos mais fascistas
ensaiam Fora Dilma e abaixo-assinados pelo impeachment. Felizmente,
essas bandeiras não têm nada a ver com as condições de vida das massas,
ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E, objetivamente podem
ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e
políticos que são os maiores corruptos e corruptores. Quem se apropriou
dos gastos exagerados da copa? A Rede Globo e as empreiteiras!
Nesse
cenário, quais os desafios que estão colocados para a classe
trabalhadora e as organizações populares e partidos de esquerda?
Os
desafios são muitos. Primeiro devemos ter consciência da natureza
dessas manifestações e irmos todos para a rua disputar corações e mentes
para politizar essa juventude que não tem experiência na luta de
classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa se mover, ir para a rua,
manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como diria Geraldo
Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas concretos da
classe, do ponto de vista econômico e político. Terceiro, precisamos
explicar para o povo quem são os principais inimigos do povo. E agora
são os bancos, as empresas transnacionais que tomaram conta de nossa
economia, os latifundiários do agronegócio e os especuladores.
Precisamos tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a
aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas;
exigir que a prioridade de investimentos públicos seja em saúde,
educação, reforma agrária. Mas para isso, o governo precisa cortar juros
e deslocar os recursos do superávit primário, aqueles R$ 200 bilhões
que todo ano vão para apenas 20 mil ricos, rentistas, credores de uma
dívida interna que nunca fizemos, deslocar para investimentos produtivos
e sociais. É isso que a luta de classes coloca para o governo Dilma: os
recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os
problemas do povo? Aprovar em regime de urgência para que vigore nas
próximas eleições uma reforma política de fôlego, que, no mínimo
institua o financiamento publico exclusivo da campanha. Direito a
revogação de mandatos e plebiscitos populares autoconvocados. Precisamos
de uma reforma tributaria que volte a cobrar ICMS das exportações
primárias e penalize a riqueza dos ricos, e amenize os impostos dos
pobres, que são os que mais pagam. Precisamos que o governo suspenda os
leilões do petróleo e todas as concessões privatizantes de minérios e
outras áreas publicas. De nada adianta aplicar todo os royalties do
petróleo em educação, se os royalties representarão apenas 8% da renda
petroleira, e os 92% irão para as empresas transnacionais que vão ficar
com o petróleo nos leilões! Uma reforma urbana estrutural, que volte a
priorizar o transporte público, de qualidade e com tarifa zero. Já está
provado que não é caro, e nem difícil instituir transporte gratuito para
as massas das capitais. E controlar a especulação imobiliária. E,
finalmente, precisamos aproveitar e aprovar o projeto da Conferência
Nacional de Comunicação, amplamente representativa, de democratização
dos meios de comunicação. Assim, acabar com o monopólio da Globo, para
que o povo e suas organizações populares tenham amplo acesso a se
comunicar, criar seus próprios meios de comunicação, com recursos
públicos. Ouvi de diversos movimentos da juventude que estão articulando
as marchas que talvez essa seja a única bandeira que unifica a todos:
abaixo o monopólio da Globo! Mas, para que essas bandeiras tenham
ressonância na sociedade e pressionem o governo e os políticos, é
imprescindível a classe trabalhadora se mover.
O que o governo deveria fazer agora?
Espero
que o governo tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse
apoio, esse clamor que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma
consciência difusa na sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do
povo. Para isso o governo precisa enfrentar a classe dominante, em
todos os aspectos. Enfrentar a burguesia rentista, deslocando os
pagamentos de juros para investimentos em áreas que resolvam os
problemas do povo. Promover logo as reformas políticas, tributárias.
Encaminhar a aprovação do projeto de democratização dos meios de
comunicação. Criar mecanismos para investimento pesados em transporte
público, que encaminhem para a tarifa zero. Acelerar a reforma agrária e
um plano de produção de alimentos sadios para o mercado interno.
Garantir logo a aplicação de 10% do PIB em recursos públicos para a
educação em todos os níveis, desde as cirandas infantis nas grandes
cidades, ensino fundamental de qualidade até a universalização do acesso
dos jovens a universidade pública. Sem isso, haverá uma decepção e o
governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, que levarão
a novas manifestações, visando desgastar o governo até as eleições de
2014. É hora do governo aliar-se ao povo ou pagará a fatura no futuro.
E que perspectivas essas mobilizações podem levar para o país nos próximos meses?
Tudo
ainda é uma incógnita, porque os jovens e as massas estão em disputa.
Por isso que as forças populares e os partidos de esquerda precisam
colocar todas suas energias, para ir para a rua. Manifestar-se, colocar
as bandeiras de luta de reformas que interessam ao povo. Porque a
direita vai fazer a mesma coisa e colocar as suas bandeiras
conservadoras, atrasadas, de criminalização e estigmatização das ideias
de mudanças sociais. Estamos em plena batalha ideológica, que ninguém
sabe ainda qual será o resultado. Em cada cidade, em cada manifestação,
precisamos disputar corações e mentes. E quem ficar de fora, ficará de
fora da historia.
Foto: Marcelo Camargo/ABr