quarta-feira, 29 de abril de 2015

Cinema, documentário, cinejornal




Por Taís Ferreira

O documentário audiovisual nasceu com o cinema. Nas primeiras cenas projetadas pelos irmãos Lumière,A chegada do trem na estação”, de 1895, em que os espectadores começaram a fugir para o fundo da sala quando viram o trem, pelo realismo espontâneo da cena. Nos experimentos de Dziga Vertov, “Cinema-Verdade”, 1925, “Um Homem com uma Câmera”, 1929, o real quotidiano de cidades russas em noticiário de atualidades. Com Leni Riefestahl em “O Triunfo da Vontade”, de 1935, um dos filmes de propaganda política mais conhecidos na história do cinema, reconhecido por suas inovações técnicas e estéticas. Além do cinema de Roberto Rossellini que iniciou sua carreira com curtas e cinejornais. O neo-realismo busca a inspiração direta na realidade, em “Roma Cidade Aberta”, de 1945, a câmera nas ruas, num cenário real, mostrando a realidade social e econômica de uma época, um exercício de busca pela verdade.

Os primeiros filmes brasileiros realizados no fim do século XIX até a Primeira Guerra também tiveram intensa atividade documental. Em vários pontos do território nacional foram filmados, principalmente, o ritual em torno dos políticos, as paradas militares, inaugurações, eventos relacionados com a imagem da elite e o culto às belezas naturais do país. Alguns exemplos mineiros:

  • Retratos de diversos deputados e políticos, Raimundo Alves Pinto de 1908;
  • A posse do novo presidente do Estado, 1910;
  • A posse presidencial e a parada de 7 de setembro em Belo Horizonte, 1918;
  • Os Funerais do presidente Raul Soares, 1924;
  • A Visita dos Soberanos Belgas a Belo Horizonte, 1920;
  • O Rio das Velhas, Aristides Junqueira,1921;
  • Aspectos da Excursão Presidencial à Zona da Mata, Aristides Junqueira, 1928;
  • Exposição Pecuária Mineira, Bonfioli de 1928.

Em 1908 foi criado na França o primeiro cinejornal, o Pathé-Journal. No Brasil, em 1910 surge como uma versão do Pathé-Journal, o primeiro cinejornal brasileiro, com as filmagens de Alberto Botelho dos principais acontecimentos ocorridos no Rio de Janeiro: “A saída de nossa matinée de Domingo”, 12 de junho de 1910, a regata organizada pelo Clube de Icaraí. Até 1935, haviam sido criados 50 cinejornais no Brasil, superando a produção cinematográfica de outros gêneros.

Cinejornais são curtas jornalísticos exibidos no cinema antes dos filmes. Normalmente traziam notícias factuais mais relevantes e variedades em um espaço curto de tempo, aproximadamente 10 minutos. As notícias eram projetadas, inicialmente, com letreiros entre as cenas e posteriormente com a narração de um locutor com mais informações sobre as imagens. Os assuntos variavam: um resumo da semana, propaganda do governo, inauguração de obras, uma personalidade famosa, um pouco sobre moda e futebol.

O “Cine Jornal Brasileiro”, cinejornal oficial do Estado Novo foi uma forma de propaganda do regime na época. Tinha exibição obrigatória nos cinemas (decreto de 1932), o “complemento educativo”, como era chamado. Produzido entre 1938 e 1946, pelo DIP- Departamento de Imprensa e Propaganda, através da Agencia Nacional. Até 1945, o primeiro destaque nos cinejornais era Getúlio Vargas, em segundo, as Forças Armadas e em terceiro, a burguesia agrária e industrial. Um excesso de exposição dos Donos do Poder. O Brasil da Era Vargas, dos navios de guerra, estaleiros, escolares em marcha, a aviação. Vargas se desloca para Manaus, inspeciona a capital e o interior de Minas, vai à concessão Ford de exploração de borracha no Pará; ao nordeste para conversar com Roosevelt sobre os problemas de guerra. Dividindo o poder da imagem de Vargas estão as Forças Armadas: Exército, Marinha, Aeronáutica e depois de 1941, policias militares estaduais e corpo de bombeiros. Nos seus variados temas, os cinejornais mostram sob um viés ufanista, a representação das maravilhas do país. Temas ligados à educação, ao analfabetismo e à fome eram silenciados.

O cinema brasileiro, em boa parte do século vinte, não foi movimentado pelas obras de ficção, mas pelos noticiários através dos cinejornais, os precursores do telejornalismo. Nesse período, a ficção estrangeira dominava o mercado cinematográfico. São os cinejornais que sustentaram a produção cinematográfica brasileira nas primeiras décadas e, apesar de patrocinados ou institucionais, constituiem um acervo histórico por guardarem, durante décadas, momentos políticos e culturais, personalidades nacionais e estrangeiras, a representação de uma parte da história, da arquitetura e do passado de diversas cidades.

Marca uma época na produção brasileira as produções cinematográficas do fotógrafo Jean Manzon, francês que veio para o Brasil por indicação de Alberto Cavalcanti, brasileiro, reconhecido como importante documentarista na Europa, chefe do Serviço Cinematográfico e Fotógrafico Inglês. Manzon produziu filmes para o DIP, documentário sobre a borracha na região amazônica, trabalhou com Orson Welles nas filmagens do Carnaval carioca, além de ter sido fotógrafo da revista “O Cruzeiro” e dos Diários Associados.
Outro destaque dentro da história dos cinejornais brasileiros são as produções de Primo Carbonari, que teve a maioria de seu acervo deteriorado com o tempo, restando apenas a terça parte, oito mil latas, na sua maioria documentos de memória da cidade de São Paulo, da elite paulistana e do governador Adhemar de Barros.
No Brasil, de 1898 até 1930, perdeu-se 90% das produções em incêndios, a maior parte dos filmes em película de nitrato, de combustão espontânea, de difícel preservação e recuperação. Entre as perdas, estão os arquivos da Cinédia, que perdeu toda a sua produção, os arquivos do Instituto Nacional do Cinema Educativo-INCE, no qual atuou Humberto Mauro entre 1936 e 1964, que também perdeu muitos filmes. Ainda podemos citar as produtoras de Alberto e Paulino Botelho, no Rio de Janeiro, a Rossi Atualidades, a serviço do estado de São Paulo no governo Washington Luis, a Guarany Film, a Rex Film, entre outras tantas produtoras de cinejornais.
Em Minas Gerais, o destaque é a Carriço Film de Juiz de Fora que cobriu um período de 1934 a 1959, produzindo aproximadamente 500 edições. Parte de acervo foi perdido em depósito na própria cidade e outra parte perdida no incêndio na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Além dela, outros cinejornais de pouca periodicidade foram produzidos em Minas, como: Odeon Jornal, Revista Cinematográfica, Masoti Atualidade, 1926, A Cine Revista Mineira de Bonfioli de 1927, o Cine Jornal Mineiro de 1931, o Cine Cruzeiro do Sul, de Aristides Junqueira, entre 1935 e 1936, Notícias de Minas, 1948, Atualidades Mineiras, 1949 e Inconfidência Jornal, 1944, de José Silva, que entre 1958 e 1959 também registrou a construção de Brasília, e, a Minas Filme na década de 50.
Os cinejornais brasileiros foram produzidos até a década de 1980 e parte do acervo foi salva da destruição total, devido aos depósitos climatizados na Cinemateca Brasileira e no Arquivo Nacional, ao trabalho de transposição de suporte para mídias magnéticas analógicas (Quadruplex, 1 polegada, VHS, U-matic (¾ de polegada), Betacam, SuperVHS) e digital (Beta Digital, Hi8, MiniDV, DVCam, Xdcam), além das mídias de leitura ótica (Blu-Ray, DVD) e smart cards, suportes que facilitavam a catalogação, preservação e disponibilização para os estudiosos, cineastas, historiadores, pesquisadores da História do Cinema Brasileiro. Parte do acervo do Arquivo Nacional pode ser visto no site Zappiens.


O último cinejornal a manter uma peridiocidade no Brasil foi o Canal 100, no ar de 1959 a 1986, devido a forte relação com os governos militares. Durante a ditadura, os patrocinadores que garantiram a vida do cinejornal de Carlos Niemayer foram o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Com teor ufanista no pós-64, as produções de Niemayer produziram no período anterior, o documentário “Os Sem Terra”, que abordava a questão da reforma agrária, a pedido do então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, ao mesmo tempo que produzia filmes com teor conservador, como “A Boa Empresa”, com claro interesse em ocultar os conflitos nas relações de trabalho, e “Asas da Democracia”, uma apologia à Força Aérea Brasileira, ambos encomendados pelo IPES que desenvolveu intensa propaganda anticomunista, com dura oposição ao governo Goulart e incentivadora do golpe de 1964.

Os filmes produzidos entre 1962 e 1964, cultuavam os valores capitalistas, a tradicional família católica e os militares. Dirigidos por Carlos Niemayer, contavam com a tradicional narração de Cid Moreira, clássica nas edições do Canal 100.

Em 1968, o Canal 100 exibia, nos cinemas, filmes curtos sobre o milagre econômico. As imagens da semana, apresentadas como uma revista de variedades, inovadoram no cinejornalismo brasileiro. O cinejornal trocava a postura séria e tradicional do período da propaganda do Estado Novo, introduzindo uma linguagem leve e informal. Apesar de registrar cenas de grandes manifestações do movimento estudantil e a passeata dos Cem mil, mostrava nas telas do cinema, somente, as realizações governamentais, as imagens do Rio de Janeiro, as praias, as mulheres e o futebol.

O futebol foi o tema principal do Canal 100, ao final do noticiário, a edição dos cinejornais terminava com o futebol e os recusos do close, da câmera lenta, imagens surpreendentes nas várias câmeras espalhadas pelo estádio, imagens da torcida, gestos, olhares, um espetáculo de emoções diferente da televisão na época.

A partir da copa de 70, o futebol ganhou grande espaço no cinema, enquanto a Tv brasileira transmitia a copa em preto e branco, a equipe do Canal 100, patrocinada pela Caixa Econômica Federal, foi ao México para trazer as primeiras imagens em côres filmadas, de uma copa do mundo para o Brasil.

No início dos anos 80, com o fim do governo militar, e sem os patrocínios das instituições governamentais, já não era mais possível manter os cinejornais num mundo dominado pela televisão. Confira: Vídeo do Canal 100 https://www.youtube.com/watch?v=xOmYao6XNXY


Taís Ferreira é graduada em Comunicação Social – Habilitação jornalismo - Puc-Minas
Pós Graduação: Memória e Cinema - Escola de Belas Artes – UFMG 


           

Nenhum comentário:

Postar um comentário