Por Taís Ferreira
O documentário audiovisual nasceu com o cinema.
Nas primeiras cenas projetadas pelos irmãos Lumière, “A
chegada do trem na estação”, de 1895,
em que os espectadores começaram a fugir para o fundo da sala quando
viram o trem, pelo realismo espontâneo da cena. Nos
experimentos de Dziga Vertov, “Cinema-Verdade”, 1925,
“Um Homem com uma Câmera”, 1929, o real quotidiano de
cidades russas em noticiário de atualidades. Com Leni Riefestahl
em “O Triunfo da Vontade”, de
1935, um dos filmes de propaganda política mais conhecidos na
história do cinema, reconhecido por suas inovações técnicas e
estéticas. Além do cinema de Roberto Rossellini que iniciou
sua carreira com curtas e cinejornais. O neo-realismo busca a
inspiração direta na realidade, em “Roma Cidade Aberta”, de
1945, a câmera nas ruas, num cenário real, mostrando a
realidade social e econômica de uma época, um exercício de busca
pela verdade.
Os primeiros filmes
brasileiros realizados no fim do século XIX até a Primeira Guerra
também tiveram intensa atividade documental. Em vários pontos do
território nacional foram filmados, principalmente, o ritual em
torno dos políticos, as paradas militares, inaugurações, eventos
relacionados com a imagem da elite e o culto às belezas naturais do
país. Alguns exemplos mineiros:
- Retratos de diversos deputados e políticos, Raimundo Alves Pinto de 1908;
- A posse do novo presidente do Estado, 1910;
- A posse presidencial e a parada de 7 de setembro em Belo Horizonte, 1918;
- Os Funerais do presidente Raul Soares, 1924;
- A Visita dos Soberanos Belgas a Belo Horizonte, 1920;
- O Rio das Velhas, Aristides Junqueira,1921;
- Aspectos da Excursão Presidencial à Zona da Mata, Aristides Junqueira, 1928;
- Exposição Pecuária Mineira, Bonfioli de 1928.
Em 1908 foi criado na França
o primeiro cinejornal, o Pathé-Journal. No Brasil, em 1910 surge
como uma versão do Pathé-Journal, o primeiro cinejornal brasileiro,
com as filmagens de Alberto Botelho dos principais acontecimentos
ocorridos no Rio de Janeiro: “A saída de nossa matinée de
Domingo”, 12 de junho de 1910, a regata organizada pelo Clube de
Icaraí. Até 1935, haviam sido criados 50 cinejornais no Brasil,
superando a produção cinematográfica de outros gêneros.
Cinejornais são curtas
jornalísticos exibidos no cinema antes dos filmes. Normalmente
traziam notícias factuais mais relevantes e variedades em um espaço
curto de tempo, aproximadamente 10 minutos. As notícias eram
projetadas, inicialmente, com letreiros entre as cenas e
posteriormente com a narração de um locutor com mais informações
sobre as imagens. Os assuntos variavam: um resumo da semana,
propaganda do governo, inauguração de obras, uma personalidade
famosa, um pouco sobre moda e futebol.
O “Cine Jornal
Brasileiro”, cinejornal oficial do Estado Novo foi uma forma de
propaganda do regime na época. Tinha exibição obrigatória nos
cinemas (decreto de 1932), o “complemento educativo”, como era
chamado. Produzido entre 1938 e 1946, pelo DIP- Departamento de
Imprensa e Propaganda, através da Agencia Nacional. Até 1945, o
primeiro destaque nos cinejornais era Getúlio Vargas, em segundo, as
Forças Armadas e em terceiro, a burguesia agrária e industrial. Um
excesso de exposição dos Donos do Poder. O Brasil da Era Vargas,
dos navios de guerra, estaleiros, escolares em marcha, a aviação.
Vargas se desloca para Manaus, inspeciona a capital e o interior de
Minas, vai à concessão Ford de exploração de borracha no Pará;
ao nordeste para conversar com Roosevelt sobre os problemas de
guerra. Dividindo o poder da imagem de Vargas estão as Forças
Armadas: Exército, Marinha, Aeronáutica e depois de 1941, policias
militares estaduais e corpo de bombeiros. Nos seus variados temas, os
cinejornais mostram sob um viés ufanista, a representação das
maravilhas do país. Temas ligados à educação, ao analfabetismo e
à fome eram silenciados.
O cinema brasileiro, em boa
parte do século vinte, não foi movimentado pelas obras de ficção,
mas pelos noticiários através dos cinejornais, os precursores do
telejornalismo. Nesse período, a ficção estrangeira dominava o
mercado cinematográfico. São os cinejornais que sustentaram a
produção cinematográfica brasileira nas primeiras décadas e,
apesar de patrocinados ou institucionais, constituiem um acervo
histórico por guardarem, durante décadas, momentos políticos e
culturais, personalidades nacionais e estrangeiras, a representação
de uma parte da história, da arquitetura e do passado de diversas
cidades.
Marca uma época na
produção brasileira as produções cinematográficas do fotógrafo
Jean Manzon, francês que veio para o Brasil por indicação de
Alberto Cavalcanti, brasileiro, reconhecido como importante
documentarista na Europa, chefe do Serviço Cinematográfico e
Fotógrafico Inglês. Manzon produziu filmes para o DIP, documentário
sobre a borracha na região amazônica, trabalhou com Orson Welles
nas filmagens do Carnaval carioca, além de ter sido fotógrafo da
revista “O Cruzeiro” e dos Diários Associados.
Outro destaque dentro da
história dos cinejornais brasileiros são as produções de Primo
Carbonari, que teve a maioria de seu acervo deteriorado com o tempo,
restando apenas a terça parte, oito mil latas, na sua maioria
documentos de memória da cidade de São Paulo, da elite paulistana e
do governador Adhemar de Barros.
No Brasil, de 1898 até
1930, perdeu-se 90% das produções em incêndios, a maior parte dos
filmes em película de nitrato, de combustão espontânea, de difícel
preservação e recuperação. Entre as perdas, estão os arquivos da
Cinédia, que perdeu toda a sua produção, os arquivos do Instituto
Nacional do Cinema Educativo-INCE, no qual atuou Humberto Mauro entre
1936 e 1964, que também perdeu muitos filmes. Ainda podemos citar as
produtoras de Alberto e Paulino Botelho, no Rio de Janeiro, a Rossi
Atualidades, a serviço do estado de São Paulo no governo Washington
Luis, a Guarany Film, a Rex Film, entre outras tantas produtoras de
cinejornais.
Em Minas Gerais, o
destaque é a Carriço Film de Juiz de Fora que cobriu um período de
1934 a 1959, produzindo aproximadamente 500 edições. Parte de
acervo foi perdido em depósito na própria cidade e outra parte
perdida no incêndio na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Além
dela, outros cinejornais de pouca periodicidade foram produzidos em
Minas, como: Odeon Jornal, Revista Cinematográfica, Masoti
Atualidade, 1926, A Cine Revista Mineira de Bonfioli de 1927, o Cine
Jornal Mineiro de 1931, o Cine Cruzeiro do Sul, de Aristides
Junqueira, entre 1935 e 1936, Notícias de Minas, 1948, Atualidades
Mineiras, 1949 e Inconfidência Jornal, 1944, de José Silva, que
entre 1958 e 1959 também registrou a construção de Brasília, e, a
Minas Filme na década de 50.
Os cinejornais brasileiros
foram produzidos até a década de 1980 e parte do acervo foi salva
da destruição total, devido aos depósitos climatizados na
Cinemateca Brasileira e no Arquivo Nacional, ao trabalho de
transposição de suporte para mídias magnéticas analógicas
(Quadruplex, 1 polegada, VHS, U-matic (¾ de polegada), Betacam,
SuperVHS) e digital (Beta Digital, Hi8, MiniDV, DVCam, Xdcam), além
das mídias de leitura ótica (Blu-Ray, DVD) e smart cards, suportes
que facilitavam a catalogação, preservação e disponibilização
para os estudiosos, cineastas, historiadores, pesquisadores da
História do Cinema Brasileiro. Parte do acervo do Arquivo Nacional
pode ser visto no site Zappiens.
O último cinejornal a
manter uma peridiocidade no Brasil foi o Canal 100, no ar de 1959 a
1986, devido a forte relação com os governos militares. Durante a
ditadura, os patrocinadores que garantiram a vida do cinejornal de
Carlos Niemayer foram o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
Com teor ufanista no pós-64, as produções de Niemayer produziram
no período anterior, o documentário “Os Sem Terra”, que
abordava a questão da reforma agrária, a pedido do então
governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, ao mesmo tempo que
produzia filmes com teor conservador, como “A Boa Empresa”, com
claro interesse em ocultar os conflitos nas relações de trabalho, e
“Asas da Democracia”, uma apologia à Força Aérea Brasileira,
ambos encomendados pelo IPES que desenvolveu intensa propaganda
anticomunista, com dura oposição ao governo Goulart e incentivadora
do golpe de 1964.
Os filmes produzidos entre
1962 e 1964, cultuavam os valores capitalistas, a tradicional família
católica e os militares. Dirigidos por Carlos Niemayer, contavam com
a tradicional narração de Cid Moreira, clássica nas edições do
Canal 100.
Em 1968, o Canal 100 exibia,
nos cinemas, filmes curtos sobre o milagre econômico. As imagens da
semana, apresentadas como uma revista de variedades, inovadoram no
cinejornalismo brasileiro. O cinejornal trocava a postura séria e
tradicional do período da propaganda do Estado Novo, introduzindo
uma linguagem leve e informal. Apesar de registrar cenas de grandes
manifestações do movimento estudantil e a passeata dos Cem mil,
mostrava nas telas do cinema, somente, as realizações
governamentais, as imagens do Rio de Janeiro, as praias, as mulheres
e o futebol.
O futebol foi o tema
principal do Canal 100, ao final do noticiário, a edição dos
cinejornais terminava com o futebol e os recusos do close, da câmera
lenta, imagens surpreendentes nas várias câmeras espalhadas pelo
estádio, imagens da torcida, gestos, olhares, um espetáculo de
emoções diferente da televisão na época.
A partir da copa de 70, o
futebol ganhou grande espaço no cinema, enquanto a Tv brasileira
transmitia a copa em preto e branco, a equipe do Canal 100,
patrocinada pela Caixa Econômica Federal, foi ao México para trazer
as primeiras imagens em côres filmadas, de uma copa do mundo para o
Brasil.
No início dos anos 80, com
o fim do governo militar, e sem os patrocínios das instituições
governamentais, já não era mais possível manter os cinejornais num
mundo dominado pela televisão. Confira: Vídeo do Canal 100
https://www.youtube.com/watch?v=xOmYao6XNXY
Taís Ferreira é graduada em Comunicação Social – Habilitação jornalismo - Puc-Minas
Pós Graduação: Memória e Cinema - Escola de Belas Artes – UFMG
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