Cíntia Alves
Ao GGN, coordenador do Manchetômetro analisou o comportamento da mídia desde o impeachment de Dilma. Lançado em 2014, projeto que fornece dados sobre a qualidade da cobertura jornalística ganhou versão 2.0 neste ano. Gráficos mostram queda nas críticas ao governo federal após posse de Temer e blindagem a Sergio Moro
Jornal GGN - Atingido repentina e duramente pela delação da JBS, o governo Temer começou a perder o apoio incondicional dos principais veículos da grande mídia, segundo análise do cientista político e coordenador do Manchetômetro, João Feres Jr. Para ele, a Globo lidera a "campanha ferrenha" contra o presidente da República, enquanto Folha de S. Paulo e Estadão ainda resistem um pouco, comportando-se como bombeiros em meio a um incêndio.
"O que vai acontecer a partir dessa crise do governo Temer, dessa exposição dos áudios de Temer e Aécio Neves, eu não sei. Minha impressão é que parte da mídia está desembarcando do governo Temer, mas eles estão sem direção. Não sabem aonde embarcar", disse Feres ao GGN.
A entrevista ocorreu no último dia 18, um dia após a bomba da JBS cair sobre Brasília, mas horas antes do Supremo Tribunal Federal divulgar a gravação de Joesley Batista. No áudio, Temer toma conhecimento de tentativas de obstrução de Justiça, incluindo suposta compra de silêncio de Eduardo Cunha, além de mostrar que o governo aceitou pressão da empresa investigada para resolver seus problemas com órgãos ligados ao Ministério da Fazenda.
Reportagem publicada pelo GGN na manhã seguinte à divulgação do áudio mostrou que enquanto Globo joga lenha na fogueira do impeachment revelando novas acusações a cada dia, Folha de S. Paulo lidera a compra da versão do acusado, chegando a omitir trechos da flagrante gravação para blindar Henrique Meirelles, o homen das reformas impopulares.
Para Feres, a mudança no comportamento da Globo é um marco na cobertura da grande mídia desde a reeleição de Dilma Rousseff e seus desdobramentos. Desde que tomou o poder, Temer vinha ganhando uma cobertura muito mais neutra do que a presidente afastada pelo impeachment.
O Manchetômetro de Feres e outros acadêmicos, criado pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LEMEP-UERJ), fornece dados sobre a qualidade da cobertura jornalística em relação a temas econômicos e políticos desde 2014. Como o projeto ganhou até uma versão 2.0 neste ano, é possível traçar um paralelo entre o tratamento dispensado à Dilma no auge de sua crise, e a cobertura do governo Temer.
No site, "uma comparação interessante de fazer é pegar a variável 'governo federal' e ver como ela evoluiu. No período Dilma, a quantidade negativa [de notícias] era 3 vezes maior, em média, que a de [notícias] neutras. Bastou a Dilma sair que a curva de [notícias] contrárias despencou. Ou seja, Temer começou com tratamento muito mais positivo ou privilegiado em relação à Dilma. Outra coisa que a gente nota é que esse tipo de tratamento continua ao longo do governo. Vamos ver como se comporta com esse novo escândalo [delações da JBS]", avaliou Feres.
Em 2017, o Manchetômetro ganhou uma versão 2.0. Agora, o internauta pode gerar gráficos com diferentes variáveis, ou seja, selecionando os personagens, temas e jornais que pretende analisar. O gráfico acima, por exemplo, expõe a cobertura de todos os veículos envolvidos no projeto (Folha, Estadão, O Globo e Jornal Nacional) sobre os governos Dilma e Temer, de maio de 2015 (um ano antes do início do impeachment no Senado) até os dias atuais.
DILMA X TEMER
Para Feres, a disparidade na cobertura do governo Dilma em relação a Temer ajuda a desmontar o argumento de que a grande mídia serve de "cão de guarda" do interesse público, ou seja, promove uma cobertura igualmente dura em relação a qualquer governante.
"Um crítico poderia dizer que não, que Dilma tinha crise econômica [e isso justificaria a cobertura mais negativa]. Mas o governo Temer também está em crime econômica. Ou que Dilma tinha denúncia de corrupção. Mas Temer está crivado de acusações de corrupção. Então controlando essas variáveis todas, você vê que a única maneira de explicar isso é que a mídia realmente trata diferentemente os partidos que estão no poder."
Feres lembrou que o Manchetômetro comparou a eleição de 1998 com a de 2014 e chegou à mesma conclusão. "Eram as reeleições de Fernando Henrique Cardoso e Dilma. Fernando Henrique enfrentava uma crise econômica muito pior que Dilma, e ainda assim ele tinha mais coberturas favoráveis e neutras que negativas. Então, a tese do cão de guarda em relação à mídia nacional não se aplica e pode ser refutada de várias maneiras diferentes." (Leia mais aqui)
A AGENDA DA GRANDE MÍDIA
O gráfico abaixo, que compara a cobertura de Folha, Estadão, O Globo e Jornal Nacional sobre Dilma, Lula e Temer, de maio de 2015 (um ano antes do início do impeachment no Senado) até maio de 2017, ajuda a entender a agenda da grande mídia.
Lula e Dilma continuaram sendo o alvo preferido da cobertura negativa mesmo após o afastamento pelo Senado, em maio de 2016. São poucas as ocasiões em que Temer têm cobertura mais negativa que os petistas. E, nitidamente, nem Dilma nem Lula tiveram o benefício da cobertura neutra como Temer tem desde que assumiu a Presidência.
De acordo com a análise de João Feres, atacar Dilma e Lula faz parte da agenda com "duplo objetivo" da grande mídia.
"Desde 2015, pelo menos, a cobertura da grande mídia tem duplo objetivo: um era retirar a Dilma, e esse já foi atingido, e outro é retirar os direitos políticos de Lula - nisto ainda estão muito engajados como mostra a cobertura feita, por exemplo, do depoimento dado a Sergio Moro recentemente [caso triplex]. É impressionante o viés do Jornal Nacional do dia seguinte ao depoimento. É comparável à edição histórica do debate entre Collor e Lula, tamanha a manipulação editorial. Para se ter ideia, os âncoras do telejornal se dedicam a ficar apontando contradições na fala de Lula. Editorializam o tempo todo nessa edição."
A BLINDAGEM A SERGIO MORO
Permear na opinião pública a ideia de que Lula será inevitavelmente condenado na Lava Jato e ficará indisponível para a próxima eleição passa pelo desafio de criar um antagonista para o ex-presidente. É nesse cenário que entra a blindagem ao juiz Sergio Moro.
O gráfico acima é uma análise da cobertura dos três principais jornais impressos, mais Jornal Nacional, sobre Dilma, Lula e Sergio Moro, de maio de 2015 a maio de 2017. Nesse intervalo, o juiz da Lava Jato ganhou mais destaque na cobertura da grande mídia em março de 2016, mês em que ele vazou à GloboNews o áudio de uma conversa entre Dilma e Lula sobre o termo de posse como ministro da Casa Civil. A repercussão negativa impediu Lula de ser titular da Pasta e ajudou a criar o clima ideal para a primeira votação do impeachment, na Câmara.
Por mais que tenha sido um dos episódios mais críticos para Moro - ele teve de pedir desculpas ao Supremo por ter vazado um áudio envolvendo presidente da República - ainda assim, a cobertura em relação ao magistrado foi majoritariamente neutra, enquanto Dilma e Lula atingiram picos incomparáveis de matérias negativas.
Desde então, Moro vem marcando território nos jornais, raramente com cobertura negativa.
SOBRE O MANCHETÔMETRO
O Manchetômetro nasceu em 2014 como uma "ferramenta de cidadania", disse João Feres Jr aoGGN. "A ideia era não só intervir no debate sobre a qualidade da informação no Brasil, mas dar às pessoas condições de criticar a cobertura jornalística que elas recebem diariamente."
Antes, o portal analisava a capa dos jornais O Globo, Folha de S. Paulo e Estadão, além de todas as matérias sobre economia e política veiculadas pelo Jornal Nacional. Agora, além das capas, o Manchetômetro analisa as páginas de opinião e editoriais dos jornais impressos.
O site foi relançado em 2017 para expandir o público leitor e facilitar a análise de dados. Mais interativo, o Manchetômetro agora permite a geração de gráficos com diferentes variáveis. O internauta pode analisar o tema, o personagem e o veículo que quiser.
Além disso, os organizadores publicam periodicamente análises na sessão "Série M", usando dados levantados pelo Manchetômetro mas que nem sempre estão disponíveis no portal. Isso porque, segundo Feres, tudo ainda é lançado no site de maneira manual, o que deve mudar em breve. "A gente está desenvolvendo uma tecnologia de codificação computadorizada das matérias."
"Por fim, o próximo passo é entrarmos nas redes sociais. Ou seja, o Manchetômetro funcionar também como observatório da política nas redes sociais, mas sempre tendo como perspectiva a grande mídia. Ou seja, no caso das redes sociais, seria mais o rebatimento que os grandes meios têm nas redes sociais", revelou Feres.
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