23/01/2013
Nilton Viana,
da Redação
da Redação
O jornalista e escritor Fernando Morais Foto: Divulgação |
“Se você olhar o mapa da
América Latina de duas, três décadas atrás, verá que o continente estava
coalhado de ditaduras e governos alinhados automaticamente com os
interesses dos Estados Unidos”. Hoje é o oposto. Assim o jornalista e
escritor Fernando Morais vê o atual cenário da América Latina. E,
segundo ele, não se trata de uma visão retórica, mas muito concreta.
Para isto, cita como exemplos o sepultamento da Alca e a reação do
Mercosul ao golpe que depôs o presidente Lugo, no Paraguai.
Nesta entrevista, Fernando Morais, que participou do processo de criação do Brasil de Fato,
afirma estar tranquilo com o processo venezuelano. Para ele, que é amigo
pessoal do presidente Hugo Chávez, a Revolução Bolivariana é eterna.
Sobre o Brasil, Morais avalia que os dez anos de governos Lula/Dilma
foram positivos. “Se tivesse que votar no Lula ou na Dilma de novo,
faria isso de olhos fechados”, afirma. Para ele, salvo as exceções, a
mídia brasileira já é um partido político de direita, e o Brasil de Fato funciona como um respiradouro que nos salva da asfixia produzida pela grande imprensa.
Brasil
de Fato – A América Latina passou por uma mudança nesses últimos 10
anos, com a chegada de forças progressistas aos governos. Qual sua
opinião sobre esse processo e sobre a continuidade dele?
Fernando Morais – Se
você olhar o mapa da América Latina de duas, três décadas atrás, verá
que o continente estava coalhado de ditaduras e governos alinhados
automaticamente com os interesses dos Estados Unidos. Hoje é o oposto. À
exceção do Chile, do Paraguai (este vítima de um golpe de Estado) e de
mais um ou outro caso, como o da Colômbia, temos governantes
progressistas à frente de todos os países. Alguns deles, como Pepe
Mújica, no Uruguai, e Mauricio Funes, de El Salvador, egressos da luta
armada. Não se trata de uma visão retórica, mas muito concreta. Os
melhores exemplos disto foram o sepultamento da Área de Livre Comércio
da Américas (Alca) e a reação do Mercosul ao golpe que depôs o
presidente Lugo, no Paraguai. É sobre esse cimento que está sendo
construída a unidade que vai garantir a continuidade desse processo.
Como você vê a questão da Venezuela, em particular, com o agravamento da doença do presidente Hugo Chávez?
Não me abate qualquer
preocupação com o futuro da Venezuela. Uma das maiores conquistas da
Revolução Bolivariana comandada por Chávez foi o alto nível de
consciência política adquirida pelo povo da Venezuela – sobretudo os
mais pobres, que são a ampla maioria da população. Isto a grande
imprensa brasileira não publica. Como não publicou uma sílaba sobre
dados divulgados recentemente por organismos internacionais revelando
que a Venezuela é o país que detém os mais baixos índices de
desigualdade social do continente. Minha tristeza com o que ocorre com o
presidente Chávez é também pessoal. Tenho muita honra em ser amigo
dele. Aqui, ao lado da minha mesa, tenho um taco de beisebol autografado
por ele para mim: “Para Fernando Morais, bateador de jonrones de la
unidad latino-americana, Hugo Chávez”. Quis saber o que significava, na
linguagem do beisebol, “bateador de jonrones”, e ele me respondeu que
era algo como um
“centroavante matador”
no futebol. Como todos nós, Chávez é um mortal. Mas a Revolução
Bolivariana é eterna.
Quais
são as principais mudanças ocorridas em Cuba nesses últimos dez anos e
qual sua opinião sobre o futuro da revolução cubana?
O radicalismo da Revolução
Cubana, em seus primeiros anos, sobretudo, só encontra paralelo,
acredito, na Revolução Russa de 1917. Na área econômica o processo
começou com a estatização do sistema bancário e a “expropriação forçada”
de quase mil indústrias, entre as quais se encontravam cem usinas de
açúcar e algumas gigantes como a fábrica de rum Bacardi e a
norte-americana DuPont Chemical. E terminou estatizando até carrinhos de
pipoca. Manicures, barbeiros, engraxates e taxistas passaram a ser
funcionários do Estado. Nos últimos anos o presidente Raúl Castro vem
adotando medidas para corrigir esses erros. Antes tarde do que nunca. E
desde o começo do mês de janeiro acabaram-se as restrições para que
cubanos viagem ao exterior, outra medida acertada. O próprio Fidel
declarou, anos atrás, que a Revolução tinha que ser “obra voluntária de
um povo livre”, já apontando para o fim dos obstáculos às saídas do
país. A essas mudanças v
ai se somar um grande surto de crescimento econômico decorrente da
ampliação do porto de Mariel, perto de Havana – ampliação financiada
pelo BNDES. Por sua privilegiada posição geográfica, Mariel se
converterá num gigantesco e bem situado hub, um centro de transportes
intermodais. Conheço empresários brasileiros interessados em comprar,
arrendar ou alugar terrenos nas imediações de Mariel para instalar
grandes armazéns de storage que atenderão o movimento do porto. A
dimensão desse boom econômico, no entanto, vai depender do fim do
bloqueio imposto pelos EUA a Cuba há meio século. Quem sabe o presidente
Obama, que não pode se candidatar à reeleição e, portanto, não precisa
mais beijar o anel dos barões da poderosa e influente comunidade cubana
na Flórida, ponha fim ao bloqueio. Afinal, ele ganhou o Nobel da Paz e
já está na hora de fazer jus ao prêmio.
E
a questão dos 5 cubanos. Como a sociedade brasileira e os povos devem
agir para que estes heróis cubanos, presos e condenados injustamente
pelos EUA, sejam libertados?
Renomados juristas europeus e
norte-americanos afirmam que a condenação dos cubanos é um erro
judiciário comparável ao que levou os anarquistas italianos Nicola Sacco
e Bartolomeo Vanzetti à cadeira elétrica nos Estados Unidos nos anos
1920. Até o ex-presidente Jimmy Carter já sugeriu ao presidente Obama
que os indultasse. Mas enquanto a máfia cubana de Miami tiver poder –
dinheiro e eleitores – para eleger deputados, senadores e até
presidentes, esse perdão me parece muito remoto. Hoje há cerca de
quinhentos comitês pró-libertação dos 5 espalhados por todo o planeta.
Oito deles são dirigidos por prefeitos de cidades do interior dos EUA.
Os nomes mais expressivos da esquerda de Hollywood – Sean Penn, Danny
Glover, Saul Landau, Oliver Stone, Benicio del Toro, entre outros–
participam de atos a favor da libertação. Mais dia, menos dia eles
estarão tomando um mojito nas ruas de Havana, tenho certeza.
No Brasil, também estamos completando uma década de governo
progressista, de esquerda. Qual a sua avaliação deste período? Quais os
principais avanços?
A minha avaliação é muito
positiva. Se tivesse que votar no Lula ou na Dilma de novo, faria isso
de olhos fechados. A inclusão social de dezenas de milhões de
brasileiros, em si, já justificaria um governo. Mas a isso se soma a
democratização do acesso às universidades, através do Prouni, as
políticas de cotas raciais... E, claro, é preciso ressaltar que durante o
período o Brasil teve a mais independente e soberana política externa
de toda sua história. Como bem disse Chico Buarque, o Brasil parou de
falar fino com os Estados Unidos e falar grosso com a Bolívia. Não
podemos nos esquecer de que a morte da Alca começou com a recusa do
Brasil de Lula a entrar nessa canoa furada.
O que você destacaria deste período brasileiro que o governo
Lula e agora o governo Dilma ainda não avançou e que merece urgência?
Dois temas me preocupam: a
questão agrária, que está na raiz da maior parte dos problemas sociais
brasileiros, e a democratização dos meio de comunicação. Neste caso, a
dupla formada pelo ministro Franklin Martins e pelo jornalista Ottoni
Fernandes, recentemente falecido, produziu avanços significativos. A
mudança nos critérios de distribuição das verbas publicitárias do
governo federal – uma cordilheira de dinheiro que antes era concentrada
nas mãos dos grandes conglomerados de mídia – foi uma revolução, mas é
preciso avançar mais. É preciso não ter medo de fazer a luta política
pela implantação do Marco Regulatório da mídia no Brasil. Na área
eletromagnética – canais de televisão e estações de rádio – isso chega a
ser escandaloso. Um bem social, um bem público, como o sinal de rádio e
tv, é entregue a meia dúzia de famílias e a congressistas sem que a
sociedade tenha qualquer instrumento para cobrar um
serviço de qualidade po
r parte do concessionário. Vai dar briga? Vai, mas governar é se
confrontar com interesses antagônicos e escolher de que lado você vai
ficar.
A mídia brasileira tem se posicionado cada vez mais como um
verdadeiro partido político das elites. Como você analisa a mídia
brasileira?
Salvo as exceções de praxe, a mídia brasileira já é um partido
político de direita. Mas uma direita ainda meio envergonhada, que não
tem coragem de se assumir como de direita. Então isso não aparece no
expediente do jornal ou da revista.
O jornal Brasil de Fato está completando 10 anos. Qual a
importância de um veículo como este e qual o papel fundamental da mídia
alternativa/popular no atual cenário brasileiro?
Eu estou com o Brasil de Fato desde o quilômetro zero. Fui
voto vencido na reunião de escolha do nome (eu defendia “Aurora”, nome
do cruzador que transportou os bolcheviques na conquista de São
Petersburgo, em 1917). Fui do conselho do jornal durante muitos anos e
sou leitor regular do Brasil de Fato. O jornal funciona como um
respiradouro que nos salva da asfixia produzida pela grande imprensa. É
uma pena que experiências como esta não se multipliquem pelo país.
Em relação ao mercado editorial brasileiro, esses 10 anos
representaram mudanças significativas? Qual tem sido a influência da
internet na produção editorial brasileira?
A mudança mais significativa
foi o advento da internet como instrumento de comunicação de massa. O
futuro é a internet, o papel impresso está com os dias contados. E esse
fenômeno me parece muito saudável e democrático – veja a importância que
adquiriram os blogueiros progressistas no enfrentamento com a mídia
tradicional. Por isso é importante ficarmos de olho, porque as grandes
empresas de telecomunicações estão se armando para assumir o controle da
web.
*
Fernando Morais nasceu em Mariana (MG) em 1946. É jornalista desde
1961. Trabalhou nas redações do Jornal da Tarde, Veja, Folha de S. Paulo
e TV Cultura. Recebeu três vezes o Prêmio Esso e quatro vezes o Prêmio
Abril de Jornalismo. Foi deputado (1978-1986), secretário da Cultura
(1988-1991) e da Educação (1991-1993) do Estado de Sao Paulo. É autor do
roteiro da minissérie documental Cinco dias que abalaram o Brasil,
sobre o suicídio do presidente Getúlio Vargas, exibida pelo canal
GNT/Globosat. Antes de Os últimos soldados da Guerra Fria, escreveu os
livros Transamazônica, A Ilha, Olga, Chatô, o rei do Brasil, Cem quilos
de ouro, Corações sujos (Premio Jabuti – Livro doAno de 2001), Toca dos
Leões, Montenegro e O Mago (biografia do escritor Paulo Coelho,
traduzido em dezenas de idiomas). Publicado em mais de vinte países, em
2004 Olga foi transformado em fi lme pelo diretor Jayme Monjardim,
película vista por mais de
cinco milhões de espectado
res e indicada pra representar o Brasil no Oscar de 2005. Fernando
Morais faz parte do Conselho Superior da Telesur, TV pública
latino-americana sediada em Caracas, Venezuela.
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