quinta-feira, 23 de junho de 2016

Metrópolis Refundada

Metrópolis Refundada é um documentário media metragem de:
Evangelina Loguercio/Diego Panich/Laura Tusi/Sebastián Yablón, 
Argentina, 2010.

Metrópolis  é uma obra-prima de Fritz Lang, reconhecido como um dos filmes-mudos mais importantes já lançados no cinema, continuando atual ainda hoje.






O documentário fala sobre a descoberta de cenas encontradas na Argentina do filme de Fritz Lang, METRÓPOLIS. 






Hoje existe a versão restaurada com as cenas adicionais.

O futuro é distante e o mundo está sob o comando dos poderosos, que isolaram os mais pobres no subsolo como se fossem seus escravos, para que trabalhassem em prol dos mesmos. Comandados por Freder Fredersen (Gustav Fröhlich), os operários são obrigados a trabalharem sem parar para que a cidade não pare.


segunda-feira, 20 de junho de 2016

Autonomia sem transparência está na raiz de ações de juízes contra jornalistas

Pesquisador da UFRGS, Luciano Da Ros Marco Santiago
El País Brasil, Espanha

"Não há um poder judiciário no Brasil, mas 17 mil magistrados: autonomia sem transparência está na raíz de ações de juízes contra jornalistas.


Para Luciano Da Ros, autonomia sem transparência está na raiz de ações de juízes contra jornalistas

Em uma semana pulou de 37 para 45 o número de processos movidos por juízes e membros do Ministério Público do Paraná contra jornalistas da Gazeta do Povo, que publicaram uma série de reportagens, em fevereiro deste ano, tratando de supersalários no Judiciário do Estado. Mas outras novidades relacionadas ao caso também aconteceram: o trabalho da equipe do jornal recebeu o prêmio Liberdade de Imprensa da Associação Nacional de Jornais (ANJ), de 2016, e o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) declarou que a moção das ações é um “suicídio institucional”

Apesar das boas notícias para os jornalistas, contudo, a disputa judicial continua. Em entrevista ao EL PAÍS, o cientista político e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luciano Da Ros, fala sobre problemas históricos do Judiciário brasileiro que, segundo ele, explicam em parte as ações movidas contra aGazeta do Povo. Dedicando-se a diferentes campos de pesquisa, Da Ros tem um trabalho que foca na eficiência da Justiça no Brasil, levantando dados sobre gastos, transparência, celeridade etc.

Pergunta. Você tem apontado que o Judiciário brasileiro é hoje o mais caro do mundo e que há muito pouco incentivo para que os Tribunais controlem seus gastos. Isso é uma exclusividade desse poder?

Resposta. Não. É uma realidade comum à burocracia de forma geral, só que isso acaba sendo mais verdadeiro no caso de órgãos que têm uma autonomia muito grande, como é o caso do poder Judiciário no Brasil. Por exemplo, quando falamos em ajuste fiscal ou reformas no Estado, pensamos logo no Executivo, e nunca entram na lista o Legislativo ou o Judiciário. Quem acaba pagando a conta é o funcionalismo público do Executivo. Por quê? Porque existe certa facilidade no controle que vem de cima, da chefia do Executivo. Ou seja, dos governadores, prefeitos e presidentes eleitos. Só que esse comando centralizado e legitimado pela população não existe no poder Judiciário, até porque, em quase todos os casos, a liderança desses órgãos é eleita por seus próprios pares. A falta de incentivo para controle de gastos é generalizada, mas em órgãos com muita autonomia, cresce.




P. Nesse ponto, a imprensa tem papel de controle, não?

R. Sim. Eu diria que a maior parte das grandes reformas que a gente teve no Brasil para a melhoria da eficiência do poder Judiciário, que não envolvem apenas orçamento, mas também gestão de processos e outras coisas, não partiram de dentro dele. Posso exemplificar a partir de dois casos significativos. O primeiro, e mais recente, é a criação do Conselho Nacional de Justiça [CNJ]. Idealizado como um órgão de controle externo do Judiciário, sua criação fez parte da campanha presidencial de Lula, em 2002, e teve como principal defensor o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Só que a criação desse órgão era um tema que já tinha sido colocado lá na Constituinte, em 1988. O segundo, e mais antigo, é a implantação dos Tribunais de Pequenas Causas, hoje chamados de Juizados Especiais. A ideia por trás disso era dar maior celeridade e menor custo para o Judiciário. Embora existissem iniciativas em um ou outro Estado, o esforço para nacionalizar esse modelo partiu, assim como no caso da CNJ, de fora do Judiciário. Veio do então Ministério da Desburocratização. Ou seja, no caso do Judiciário, os esforços para reformas de grande impacto têm partido tanto do Executivo como a partir de mobilizações da opinião pública. As reformas aprovadas por iniciativa do próprio poder Judiciário existem, mas são mais incrementais. Aí, para voltar à questão, os meios de comunicação têm o papel fundamental de chamar a atenção para ineficiências da Administração pública e provocar o debate.

"Os meios de comunicação têm o papel fundamental de chamar a atenção para ineficiências da administração pública e provocar o debate"

P. Como você avalia, então, a disputa judicial envolvendo magistrados do Paraná e jornalistas da Gazeta do Povoapós a publicação de uma reportagem sobre rendimentos de servidores que acabam extrapolando o teto constitucional?


R. Diz-se, em todo o mundo, que a liberdade de imprensa deve estar apoiada em um Judiciário independente. E vice-versa: que a imprensa ajuda na autonomia da Justiça, enquanto o Judiciário garante que não haverá interferência de outros poderes no trabalho do jornalista. Se a abertura dessas múltiplas ações no Paraná é, ou não, caso pensado para intimidar a imprensa, o fato é que elas estão dificultando o trabalho desses repórteres. Seja como for, esse episódio faz a gente pensar se no Brasil essa relação entre Judiciário e imprensa não é o contrário do que deveria ser.

P. E o que está na raiz dessa briga judicial?

R. Acredito que é o fato de que nós tivemos avanços pontuais na Justiça, mas que algumas questões básicas e fundamentais ainda não foram resolvidas. Uma delas é o fato de que o elevado nível de autonomia individual dos membros do Poder Judiciário no Brasil, que é benéfico para manter sua isenção e imparcialidade, pode ao mesmo tempo se tornar prejudicial para a boa administração da Justiça se não for acompanhado de mecanismos de transparência e responsabilização. Só isso é capaz de explicar tanto esse tipo de ação individualizada dos juízes do Paraná, que tem sido vista por setores da sociedade como cerceamento de liberdade de imprensa, como também um dos motivos do custo desproporcional que o Judiciário brasileiro tem.

"Como esses mecanismos de controle da jurisprudência são recentes e o grau de autonomia dos magistrados individuais é muito alto, ocorre de um juiz decidir de uma forma e, em uma vara vizinha, outro juiz decidir um caso idêntico de outra forma"

P. Como assim?

R. Um dos efeitos desta enorme autonomia individual dos magistrados é que cada juiz decide da forma que entende e, desse modo, é impossível ter posições claras de como o Judiciário, institucionalmente, decide. A melhor forma de ilustrar isso é dizer que não existe um Poder Judiciário propriamente dito no Brasil, e sim 17.000 magistrados. Quer dizer, toda a ideia do poder Judiciário é que haja independência exatamente para que os juízes tenham isenção de julgar sem que seus próprios interesses afetem o conteúdo da decisão. Para isso, é necessário um bom salário e garantias de que o magistrado não será exonerado ou removido de seu cargo. Contudo, isso não significa que, necessariamente, cada juiz pode decidir um caso da forma como ele sozinho acredita que deve ser decidido. Ele tem que obedecer a legislação, mas também tem que levar em conta as decisões anteriores que foram tomadas em casos idênticos. No Brasil, como esses mecanismos de controle da jurisprudência são recentes e o grau de autonomia dos magistrados individuais é muito alto, ocorre de um juiz decidir de uma forma e, em uma vara vizinha, outro juiz decidir um caso idêntico de outra forma. Isso é terrível, porque toda a ideia de que precisamos da independência do juiz é para que ele possa aplicar a mesma lei aos mesmos casos, para que haja igualdade e não diferença.

P. Você disse que isso é capaz de explicar as ações dos juízes e também o alto custo do Judiciário. Como entra essa segunda questão?

R. Hoje no Brasil em diversos casos vale mais a pena tentar a sorte na Justiça do que compor uma solução negociada fora do poder Judiciário. Isso porque as partes envolvidas em um processo não tem segurança sobre qual é ou será a posição do Judiciário a respeito de um determinado conflito, pois não há posições únicas dentro do próprio Judiciário sobre um mesmo tipo de caso. Isso é seguramente uma das causas da explosão de processos no país. Em 1990 eram cinco milhões de novos processos a cada ano, agora são 30 milhões. Para se ter uma ideia, hoje existe cerca de um processo em andamento para cada dois habitantes. Por fim, isso acaba produzindo uma carga de trabalho enorme e a consequência é o Judiciário mais caro do planeta. Enquanto os gastos de países como Espanha, EUA e Inglaterra ficam entre 0,12% e 0,14% do PIB, o do Brasil está na casa do 1,3%.

"Como é que se punem magistrados para além do CNJ? Que tipos de punições existem? Há poucos estudos sobre isso e são questões essenciais para se compreender como se constrói um Judiciário íntegro e probo"

P. Você acredita que esse aumento no número de novos processos também está refletido na alta influência do Judiciário na vida política brasileira?

R. Com certeza. O professor Conrado Hübner Mendes, da Universidade de São Paulo, diz uma coisa muito verdadeira sobre o STF [Supremo Tribunal Federal] que é que não há um Supremo como instituição, mas 11 ministros e cada um deles têm enormes possibilidades de interferência sobre os processos com pedidos de vista, votos individuais, prazos pouco claros para levar os casos a julgamento, para incluí-los na pauta etc. Isso é visto no sistema judicial como um todo e é em parte por isso que os políticos têm levado as questões para a Justiça. É a mesma lógica: já que não se tem certeza das posições do Judiciário, vale arriscar. O problema é que existe pouca política institucional e muita atuação individual.

P. Mas então onde o Judiciário brasileiro tem sido bem sucedido?

R. Comparativamente com outros países da América Latina, por exemplo, ele é considerado um dos poderes mais bem estruturados, com maiores recursos, com garantias mais fortes de independência. Quer dizer, nós temos um Judiciário altamente profissionalizado. Há muitas discrepâncias regionais, claro. Por exemplo, no Estado do Maranhão, o primeiro concurso público para servidores aconteceu apenas em 2005, só depois do CNJ ser criado. Mas, de forma geral, temos um Judiciário que tem garantias de independência e atua com muitos recursos. Veja bem, a grande questão é que há pouco controle, pouca transparência e que, quando existe, essas práticas são muito recentes. Ninguém estuda, por exemplo, como funcionam as corregedorias da Justiça. Ou seja, como é que se punem magistrados para além do CNJ? Que tipos de punições existem? Há poucos estudos sobre isso e são questões essenciais para se compreender como se constrói um Judiciário íntegro e probo.

Salário de juízes federais em comparação ao PIB per capita do brasileiro em início e fim de carreira

P. A independência, então, é essencial, mas, ao mesmo tempo fonte de problemas.

R. Se não houver controle e transparência, sim. Outro exemplo de uma coisa boa, mas que pode ter um reflexo ruim se não houver uma forma de fiscalização eficaz é a facilidade de acesso ao Judiciário. Nosso acesso ao poder Judiciário se ampliou muito ao longo dos últimos anos. E isso é ótimo. Ainda que vários problemas persistam, vários mecanismos foram criados ou se expandiram, como a assistência judiciária gratuita e a própria defensoria pública. Só que ao se diminuir as barreiras para se ter acesso ao Judiciário, um outro problema ficou escancarado: a desigualdade do tratamento de diferentes partes. Veja, por exemplo, a desigualdade expressa na dificuldade em condenar definitivamente um político por corrupção, por um lado, e o fato de que hoje temos 200.000 presos sem julgamento no Brasil, por outro. Esse tipo de desigualdade de tratamento é extremamente danoso em um poder do Estado que deve primar pela igualdade de tratamento. Enfim, para resumir, eu destacaria como pontos bons, embora longe de resolvidos: grau de independência, recursos e acesso. Pontos negativos: desigualdade de tratamento e ineficiência.

P. Alguns observadores têm apontado que o Judiciário é um dos poderes menos democráticos do Brasil. Isso teria raízes históricas relacionadas à ditadura militar. Você concorda?"Há uma mudança gradual da cultura institucional e uma diversificação crescente na magistratura, mas a arquitetura e as práticas institucionais ainda são herdeiras desse sistema de acomodação com os militares"

R. A ditadura militar no Brasil operou, grosso modo, com essa arquitetura institucional do Poder Judiciário que está hoje aí, tanto que a LOMAN [Lei Orgânica da Magistratura Nacional] é de 1979. De igual forma, não houve grandes expurgos na magistratura durante a ditadura e basicamente essa máquina que existia agora, existia lá atrás. O nosso Judiciário, então, conviveu com a ditadura, mas conviveu em um sistema de acomodação. O Judiciário foi em grande medida conivente com a ditadura e a ditadura foi conivente com abusos dentro do Poder Judiciário, permitindo remunerações enormes, nepotismo, sistemas de loteamento de cargos e um conjunto de práticas que herdamos e que estamos tentando resolver até hoje.


P. E houve algum avanço?

R. Sim. Vem havendo uma enorme renovação dos quadros da magistratura, de forma que hoje a grande maioria dos integrantes do Poder Judiciário ingressou depois de 1988. Há uma mudança gradual da cultura institucional e uma diversificação crescente na magistratura, mas a arquitetura e as práticas institucionais ainda são herdeiras desse sistema de acomodação com os militares. Agora, o nosso Judiciário não é menos democrático necessariamente por ser fruto da ditadura. Ele é um poder menos democrático porque, em suma, ele é o mais independente e menos sujeito a controle. E isso, como já dito, é uma faca de dois gumes. Por fim, ele também é o único dos três poderes que não tem ninguém eleito. Não há mecanismos de legitimação popular. Em alguns países, como nos Estados Unidos, existem eleições, por exemplo. E em vários outros países, o Judiciário funciona por um sistema de indicações, como é com o nosso STF, que é um mecanismo indireto de legitimação popular dos juízes. No nosso sistema Judiciário isso ocorre para apenas alguns cargos. Na maior parte deles, é o próprio Judiciário que seleciona seus integrantes.


segunda-feira, 13 de junho de 2016

Por que participar das eleições para o Comitê Gestor da Internet?

Escrito por: Flávia Lefèvre Guimarães 

Fonte: Convergência Digital
A internet é um espaço público, como uma cidade, um parque ou o meio ambiente, e que, apesar de ter surgido num contexto de guerra, tornou-se o que é hoje por impulso do que o ser humano tem de mais nobre: a criatividade, inteligência e vocação para socializar, tornando-a uma importante e decisiva manifestação cultural, econômica e social.
E este espaço está sujeito ao poder de grandes grupos econômicos transnacionais que vêm na internet uma oportunidade infinita de lucros, bem como ao poder dos governos autoritários que vêm neste valioso palco para as mais diversas e livres manifestações dos pensamentos e comunicação uma ameaça aos seus domínios.
É neste contexto que nasceu o Marco Civil da Internet (MCI), resultado de um debate intenso contando com a participação significativa da sociedade, iniciado em 2009 pelos Ministérios da Cultura e da Justiça, que se deu por intermédio de processos de consulta pública, até chegar a Câmara Federal e culminando na edição da Lei 12.965, em abril de 2014.
O MCI estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres, bem como a definição de diretrizes para atuação dos Poderes Públicos para a regulação do uso da internet no Brasil, tendo estabelecido que a governança da Internet deve se dar por mecanismos multiparticipativos e transparentes, de forma colaborativa e democrática com o envolvimento do governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da comunidade acadêmica.
E, mais, deixou expresso que  a promoção da racionalização da gestão, expansão e uso da internet deve contar com participação do Comitê Gestor da internet no Brasil (CGI.br).  O CGI.br nasceu em 1995,  resultado de uma iniciativa dos Ministérios das Comunicações e Ciência e Tecnologia, com o objetivo de tornar efetiva a participação da sociedade nas decisões envolvendo a implantação, administração e uso da Internet, com a atribuição de coordenar e integrar os serviços de Internet no Brasil.
Mais tarde, em setembro de 2003, foi editado o Decreto 4.829, que veio regulamentar o CGI.br e tratar sobre a governança da Internet no Brasil. Participam do Comitê representantes do Governo, da Academia, das Empresas e da Sociedade Civil. Desde de sua criação, o CGI.br, junto com seu braço técnico – o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) passou a implementar as decisões e os projetos do CGI.br.
Entre as mais relevantes contribuições do CGI.br para a sociedade, além da administração do .br, atividade da qual se origina a receita para sua sustentabilidade, temos:
-O Programa PPTMetro, desenvolvido pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Tecnologia de Redes e Operações (CEPTRO.br),  que é a área do NIC.br responsável por serviços e projetos relacionados principalmente à infraestrutura da Internet no Brasil e ao seu desenvolvimento.
Os Pontos de Troca de Tráfego do PTTMetro encontram-se hoje em mais de 12 localidades diferentes; são o serviço mais importantes do CEPTRO, ajudando a organizar a infraestrutura da Internet no país, tornando-a mais resiliente e diminuindo seus custos. 
-O CEPTRO.br também atua na medição da Qualidade da Internet, tendo desenvolvido o sistema SIMET, para viabilizar aos usuários a medição da qualidade do serviço prestado pelos provedores de conexão à Internet.
-Em 2005, o CGI.br decidiu criar o CETIC.br - Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), ligado ao NIC.br, responsável pelas pesquisas nacionais sobre o uso da Internet no país, desempenhando um papel fundamental para a formulação de políticas públicas de inclusão digital.
-A edição em 2009 do Decálogo do princípios para a governança da Internet, que serviu de fonte para a construção do Marco Civil da Internet, estabelecendo direitos como o da neutralidade da rede, que garante o tratamento isonômico dos pacotes de dados, independente da origem, destino, questões políticas, comerciais ou religiosas. Ou seja, importante instituição que assegura a democracia na rede.
-Em abril de 2014, promoveu o NET Mundial, Encontro Multissetorial Global Sobre o Futuro da Governança da Internet. O encontro contou com a participação de representantes de 97 países e teve como foco a definição de princípios de governança da Internet e a proposta de um roteiro para a evolução futura do ecossistema da Internet.
Essas são algumas das importantes realizações do CGI.br, que demonstram a relevância de a sociedade participar do processo eleitoral deste organismo, de modo a conseguir que o processo de definição de diretrizes para o desenvolvimento da Internet no Brasil seja de fato representativo e democrático.
Mais recentemente, foi editado o Decreto 8.771, de maio deste ano, cujo objetivo é regulamentar o Marco Civil da Internet. Este decreto estabeleceu um sistema para fiscalização e apuração de infrações relativas aos direitos dos usuários da rede, atribuindo competências específicas para a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), para a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) e Sistema Brasileiro da Concorrência (CADE)  que, nas suas respectivas atuações deverão considerar as diretrizes definidas pelo CGI.br.
Fundamental, então, as entidades da sociedade civil a se inscreverem nos Colégios Eleitorais correspondentes à sociedade civil, a fim de legitimar ainda mais a atuação do CGI.br. A chamada está aberta desde o dia 30 de maio até 28 de agosto. Maiores informações podem ser obtidas no link 
*Flávia Lefèvre Guimarães é advogada e Conselheira da PROTESTE

domingo, 5 de junho de 2016

O xadrez da manipulação dos fatos e das leis

A base de toda sociedade democrática é a informação. Sobre a base da informação, formam-se os conceitos. Dos conceitos nascem os pactos. Os pactos se consolidam em leis. Das leis, derivam os contratos. É esse ciclo que garante a convivência civilizada de opostos, as eleições, a alternância de poder e a construção da democracia, impedindo abusos, selvageria.

Essa é a expressão final do termo segurança jurídica.

Hoje em dia, vive-se um estado de exceção no país, porque esta cadeia foi corrompida. A corrupção de informações e conceitos tornou-se tão ampla e disseminada, que criou-se um novo normal jurídico, onde a exceção tornou-se regra.

Ponto de partida - a era dos factoides soltos

A primeira trinca no sistema de informações ocorreu com o pacto entre os grupos de mídia, proposto por Roberto Civita, da Editora Abril, inspirando-se no australiano-americano Rupert Murdock.

Os princípios do pacto eram a formação do cartel e, sem contraditório, a disseminação de todo tipo de factoide, de notícias falsas, por mais inverossímeis que fossem, acreditando no poder sempiterno da repetição.

Ali encerrou-se um ciclo de mídia em que houve relativa competição entre os veículos, relativo respeito à informação, relativo acatamento das teses legitimadoras, impedindo a disseminação de notícias falsas.

Sem o apoio de uma fonte diária de fatos, o modelo era alimentado pela parceria com organizações criminosas, como a de Carlinhos Cachoeira, com a indústria de dossiês associada, que emerge com o caso Lunus de José Serra e que torna-se elemento central da disputa política brasileira.

As eleições de 2006 e 2010 marcaram o coroamento dessa excrescência. A busca de factoides a qualquer preço gerou as peças símbolos do período: a escandalização da tapioca comprada com um cartão corporativo pelo Ministro dos Esportes Orlando Silva. Ou a denúncia de que um servidor da Casa Civil havia comprado os serviços de vinte bailarinas – e bailarina era um tipo de vaso ornamental para flores.

Segundo passo - o julgamento do mensalão.
Com o mensalão, o sistema ganha musculatura, porque o julgamento passou a garantir um fluxo continuado de fatos com viés claro.

A ênfase inicial no julgamento deveu-se à tática de competir com a geração de fatos da CPMI de Carlinhos Cachoeira – que expunha as parcerias da mídia com organizações criminosas.

Em pouco tempo o fato AP 470 se sobrepôs ao fato CPMI de Cachoeira. E a mídia descobriu a eficácia da parceria com o sistema judicial, explorando episódios que garantissem um fluxo diário de fatos.

Ali houve a primeira contaminação, a primeira quebra grave no sistema judicial, fundando-se em uma notícia falsa como peça central de um julgamento relevante.

Esqueça-se o petismo e o antipetismo, as polêmicas em torno de José Dirceu, a malandragem pouco sutil de Pizolatto, e concentre-se no fato: todo o julgamento baseou-se em uma informação falsa: o desvio de R$ 75 milhões da Visanet. Os próprios funcionários do Banco do Brasil - que detestavam Pizolatto - asseguraram que jamais ocorreu o tal desvio.

Posteriormente, a Lava Jato escancarou o gigantesco processo de propinas da Petrobras. Mas a AP 470 se baseou em uma mentira.

A informação falsa foi a peça central da acusação, aventada pelo Procurador Geral Antônio Fernando de Souza, endossada pelo grupo de procuradores que trabalhou no processo e acatada pelo ex-procurador Ministro Joaquim Barbosa e pelo pleno do Supremo.

Como foi possível um fato de tal gravidade ter sobrevivido à tantos filtros? E como foi possível deixar de lado o laudo da Polícia Federal sustentando que a maior parte dos recursos de Marcos Valério foi bancado pelo grupo Opportuniy, do banqueiro Daniel Dantas?

Ali ficou claro que a Corte Maior havia se rendido às paixões políticas. E  as análises colegiadas não serviam de filtro às narrativas do Procurador Geral. Pouco depois de deixar a PGR, aliás, Antônio Fernando assumiu um escritório de advocacia que conquistou um mega-contrato da Brasil Telecom, de Dantas.

Dali em diante, todo o sistema de informações do país entrou em curto-circuito. Mídia, partidos políticos, agentes do Estado, juízes passaram a tratar o fato de forma utilitária, adaptando-o às suas preferências partidárias, adulterando-o se necessário através do recurso da manipulação de ênfases e de interpretações.

Antes, à falta de fluxo constante de notícias, os grupos de mídia esfalfavam-se em factoides sem nenhuma verossimilhança. Com o julgamento do mensalão, descobriu-se o que os golpistas de 1954 sabiam: a base de toda ação desestabilizadora consiste em um evento, com geração diária de fatos e com o controle das versões pelos grupos hegemônicos de mídia. Foi assim na CPI da Última Hora, com Vargas. Foi assim na AP 470.

Terceiro passo - A campanha negativa a partir de 2012. 

Valeram-se desde as falsas ênfases (enfatizar o fato negativo irrelevante para ocultar o positivo relevante) até as falsificações de notícias. No dia da inauguração da arena do Corinthians, a manchete de um jornal foi sobre a falta de sabonete nas pias do banheiro.

Ora, nos Estados Unidos houve o fenômeno mãe, o caso FoxNews, de Murdock. Mas as instituições dispunham de anticorpos, seja no jornalismo referencial de outros veículos, como o New York Times, seja no próprio processo de formação de opinião do Parlamento e do Judiciário. No Brasil todos os grandes veículos embarcaram no mesmo jogo do antijornalismo.

O grande problema foi quando o desvirtuamento das informações atingiu o sistema jurídico. Não apenas os fatos, mas os conceitos passaram a ser deturpados. E a parcialidade da Justiça abriu sua bocarra, através de Gilmar Mendes.

Quarto passo - o fator Gilmar Mendes.

Nenhum outro personagem foi tão daninho à ordem jurídica e ao sistema de informações quanto Gilmar Mendes. No início, meio sutil, depois escancarando sua parcialidade, mostrou seguidamente à opinião pública que a lei, ora a lei, é apenas um instrumento para legitimar a vontade do julgador. Vai perder uma votação? Basta pedir vista por tempo indeterminado. É "inimigo"? O peso da condenação. É "aliado"? A defesa por todos os meios, jurídicos e jornalísticos. O mesmo garantista que interrompeu a Satiagraha se tornou o mais iracundo acusador em operações contra “inimigos”.

A parcialidade criou uma pedagogia negativa, para o público uma demonstração  da parcialidade do julgador, abrindo campo para que outros operadores da lei - juiz, procurador ou delegado -- passassem a exercer o subjetivismo em favor de suas preferências pessoais.

Quinto passo - a Lava Jato
Chega-se, finalmente, ao ápice desse modelo na Lava Jato, com o uso disseminado  dos vazamentos, praticados em inquéritos sob sigilo em Curitiba, na Procuradoria Geral da República e no Supremo Tribunal Federal, devidamente amarrados com a agenda do impeachment.

Nesse momentos, instaura-se o novo normal. Não interessam as coletas de provas, indícios, evidências: vale a versão publicada. Não interessa o processo jurídico: vale o julgamento midiático. Todos os vazamentos têm objetivos políticos claros e exibição de músculos por parte de seus autores. E abandona-se definitivamente a presunção da isenção para perseguições políticas ostensivas.

Sexto passo – a campanha do impeachment

A campanha do impeachment é mera consequência dos passos anteriores. E se tornou a comprovação mais acabada do desvirtuamento de fatos e de conceitos.

Agora não são mais procuradores e delegados transformados em editores de jornais, nem deputados paleolíticos com seus gritos guturais e seus rituais selvagens. São também juristas, Ministros do STF, ex-presidente que aderem ao jogo, ou se eximindo ou assumindo de público a constitucionalidade do golpe, em um momento em que todos os fatos são transmitidos em tempo real para o mundo. Por seis decretos de remanejamento de despesas, jogam-se no lixo 54 milhões de votos e assumem interinos, sem mandato popular, comportando-se como conquistadores espanhóis empenhados em destruir a civilização anterior.

É nesse momento que o processo de desconstrução dos fatos, de livre criação de narrativas, ainda que inverossímeis, definem a nova cara institucional do país, o novo normal, trazendo de volta o fantasma da insegurança jurídica.

A reação instintiva das ruas

E aí ocorre um fenômeno interessantíssimo.

Em que pese todo fogo de barragem dos grupos de mídia, todo o poder de disseminação de versões, de boatos, de factoides, a narrativa do impeachment constitucional não pegou.

Agora, nas ruas, não estão mais as massas tangidas por um sentimento difuso de descontentamento com a crise política, com a falta de perspectivas e com os erros da presidente.

Os manifestantes não são meramente petistas, movimentos sociais, mas também grupos dos mais distintos, segmentos dos mais diversos que entenderam, seja pelos debates na Internet, seja por intuição, a importância da legalidade, do cumprimento das leis, da Constituição, os riscos de retrocesso, muito mais do que a erudição sem consequências de Ministros do Supremo, a exibição de músculos do Procurador Geral, o sebastianismo de procuradores evangélicos e a truculência de delegados barras-pesadas, todos armados até os dentes com instrumentos de poder de Estado.

É essa a grande batalha nacional, onde Dilma ou Temer se tornaram símbolos, muito mais do que protagonistas. Fora do poder, Dilma ganhou uma dimensão simbólica que jamais teve antes em seus tempos de presidente, nem quando gozava de índices elevados de popularidade, muito menos quando atropelou as esperanças populares, após as eleições de 2014.

A batalha do impeachment tornou-se definitivamente a luta da civilização contra a barbárie, dos fatos contra as manipulações, da democracia, ainda que imperfeita, contra o assalto ao poder.

E, dessa avalanche, surge finalmente o melhor do Brasil: a moçada que descobriu a nova política, não mais atrelada a partidos, mas a bandeiras.

O Brasil moderno está em plena efervescência. Não sei se a ponto de derrubar o castelo de manipulações erigido nos últimos anos, mas certamente para confrontar o atraso em um ponto qualquer do futuro.