Tradução: Larriza Thurler (edição de Leticia Nunes)
O presidente do Equador, Rafael Correa, tem uma postura no mínimo
controversa em relação à liberdade de imprensa. Conhecido por processar
veículos e atacar verbalmente a mídia de seu país, na semana passada ele
teve que rebater críticos que o acusavam de hipocrisia por ter
concedido asilo ao fundador do WikiLeaks, Julian Assange. Em entrevista a
Jonathan Watts, do jornal britânico The Guardian [24/8/12],
Correa defendeu sua atitude em relação à liberdade de expressão no
Equador alegando ser necessária para controlar proprietários de jornais e
emissoras de rádio e TV que abusam do poder que têm.
O líder equatoriano chegou a comparar suas ações com as investigações
realizadas nos tabloides da News International no Reino Unido. “Não
vamos tolerar abusos e crimes cometidos diariamente em nome da liberdade
de expressão. Isso é liberdade de extorsão e chantagem”, disparou. “A
imprensa equatoriana (e latino-americana) não é como a europeia ou a
americana, que tem ética profissional. Ela pensa que está acima da lei e
faz extorsão e chantagem. Lamento por boas pessoas, em um nível
internacional, que defendem este tipo de imprensa”.
Revista censurada
Dias antes de o governo ter concedido asilo a Assange e se promovido
como defensor da liberdade de expressão, a polícia equatoriana invadiu
os escritórios em Quito de uma das maiores revistas do país, a Vanguardia,e
confiscou computadores. Também ordenou que a publicação fosse suspensa
por uma semana, como “punição por violação das leis trabalhistas”. Foi a
segunda vez em menos de dois anos que a Vanguardia teve seus
escritórios invadidos. Seus jornalistas afirmam receber ameaças de morte
depois de terem sido criticados pelo presidente durante seu programa
semanal na TV.
O diretor editorial da revista, Juan Carlos Calderón, foi processado
por Correa e condenado a pagar R$ 20 milhões por “danos morais”, após
ter sugerido que o presidente sabia que seu irmão estava ganhando
milhões em contratos com o governo. Depois de protestos públicos, o
presidente retirou uma ação e emitiu um indulto sobre outra. Ainda
assim, justificou o direito de ter aberto uma ação contra Calderón: “Há
uma lei escrita proibindo processar um jornalista? Desde quando? Então
ninguém deveria processar Murdoch e seus parceiros no crime no Reino
Unido?”.
Calderón já havia afirmado ao Guardian que havia se tornado
alvo de Correa por ter criticado o governo e acusado o presidente de
usar dois pesos e duas medidas. “O governo disse que concedeu asilo a
Assange porque ele é perseguido por defender a liberdade de expressão.
Mas o mesmo acontece conosco”, disse. “Este não é um país com uma
imprensa livre, como descrito por Correa”.
Faça o que digo, não o que faço
O sentimento de Calderón é compartilhado por outros jornalistas. O
observatório da imprensa equatoriano Fundamedios descreveu a situação no
país como uma “guerra de baixa intensidade com jornalistas” que fica
mais forte a cada dia. No ano passado, foram registrados 151 casos de
agressão física contra repórteres; em 2009, foram 101. O aumento é, em
grande parte, resultado de injúrias constantes a jornalistas feitas por
Correa em seu programa semanal de TV, que é exibido em quase todos os
canais do país.
A Fundamedios também observou que 17 emissoras de rádio foram fechadas
este ano acusadas de desrespeitar regulamentações. Além disso, o governo
emitiu, recentemente, novas regras que obrigam servidores de internet a
fornecer os endereços de IP de seus usuários para autoridades, mesmo
sem ordem de um tribunal. “Há uma grande distância entre o que Correa
diz sobre a liberdade de imprensa e a realidade”, afirma César Ricaurte,
presidente da organização. “Se Assange fosse equatoriano, eu ouso dizer
que já estaria preso”. Grupos internacionais, como o Comitê para a
Proteção dos Jornalistas e a Repórteres Sem Fronteiras, também acusaram
Correa de tentar depreciar e intimidar críticos.
Estratégia?
Críticos de mídia dizem que a atitude do presidente com relação à mídia
– em especial no seu programa semanal – é tão agressiva quanto a
adotada pelo venezuelano Hugo Chávez, mas menos destrutiva. “Chávez foi
muito mais longe. [No Equador] Há confronto, mas não houve emissoras de
TV fechadas, como na Venezuela”, observa Maurice Cerbino, professor da
Universidade Andina Simon Bolívar.
Já partidários de Correa alegam que o governo está tentando
reequilibrar a mídia, que anteriormente, em sua grande maioria,
pertencia a algumas poucas famílias. Quando Correa assumiu o governo, em
2007, havia apenas uma organização de mídia pública, a Radio Nacional.
Desde então, foi ampliado o número de emissoras de TV e jornais privados
e estatais. Hoje, dizem eles, há mais oportunidade para organizações
críticas às autoridades e um maior acesso a funcionários do governo. Os
que trabalham na imprensa pública afirmam que o ambiente midiático está
mais saudável, pois anunciantes têm menos influência.
Segundo Correa, o asilo político a Assange é uma tentativa de apoio a
um indivíduo ameaçado por um estado poderoso. “Não concordo com tudo o
que Assange fez. Mas acredito que ele deva ter um processo legal. Ele
nunca roubou informação – foi entregue a ele pelo soldado Bradley
Manning. Ele apenas a distribuiu. Então por que os jornais que a
publicaram também não são penalizados? Assange é apenas um cidadão”,
disparou.
Alguns aceitaram os argumentos idealistas do presidente. Outros
disseram que ele está tentando tirar o foco do tratamento que dá à mídia
equatoriana. Outra teoria é a de que Correa não passa de um oportunista
político que sabe dos benefícios de se envolver em uma briga do alto
escalão – neste caso, com o Reino Unido. Dentro do próprio governo houve
divergências sobre o caso; alguns acham que a ajuda a Assange pode
prejudicar o comércio com a União Europeia. Já nas ruas, parece que
Correa tem apoio do público.
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