quarta-feira, 30 de junho de 2010

Oliver Stone diz que Lula não deve confiar nos elogios de Obama

O cineasta veio ao Brasil para lançar o documentário 'Ao Sul da Fronteira', que fala sobre sete presidentes da América Latina. O destaque é para o venezuelano Hugo Chávez, de quem o cineasta é admirador.

* Matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo em 27 de maio de 2010


O cineasta americano Oliver Stone (Platoon, JFK, entre outros) por telefone, de seu escritório, em Los Angeles, Stone falou à folha:

Folha - Como é Chávez?

Oliver Stone - Ele é muito acolhedor e amoroso. As notícias sobre ele nos EUA têm sido muito negativas, porque ele mudou as regras. Fez coisas que nenhum outro, exceto [Fidel] Castro, havia feito. Ele tem feito coisas novas, assim como Néstor Kirchner na Argentina e Lula no Brasil. Como Cristina Kirchner diz no filme, as pessoas que estão no poder na América do Sul têm o semblante do povo que as elegeu. Hugo Chávez é um soldado e obviamente tem algumas das falhas de um soldado. Lula é um sindicalista e tem algumas das falhas de um sindicalista.
Mas ambos representam uma grande mudança. E eu espero que dê certo. Porque é o desejo de controlar o seu próprio destino, de ser levado a sério, de não ser ignorado.


O filme é pró-Chávez?

Não é pró-Chávez. Apenas mostra honestamente o que ele está fazendo e o que estão dizendo sobre ele. Não é um documentário longo que vai defender tudo, é uma "roadtrip". Se fosse pró-Chávez, ele teria três horas a mais.


O presidente Hugo Chávez tenta controlar a mídia na Venezuela...
[Interrompendo] Não mesmo. 80% da mídia na Venezuela é privada, dirigida por ricos que falam mal do governo. Chávez brigou pela liberdade de expressão. Alguns canais e revistas convocaram greves e chamaram as pessoas para um golpe de Estado em 2002. Em meu país, se você fizer isso, sua licença [de TV] será retirada.


Há relatos de jornalistas sobre a pressão do governo.
Estou falando do que vi e ouvi. O governo respeita a liberdade de imprensa, exceto nos casos em que a mídia desrespeita a lei ou tenta um golpe. Aí as licenças das empresas de comunicação não são renovadas. A maioria das TVs do país é dirigida por lunáticos, caras de direita que perderam seu poder quando Chávez nacionalizou o petróleo. É uma das imprensas mais histéricas que já vi.

O sr. desaprova algo no governo de Chávez?

Ele comete erros assim como qualquer outro governo do mundo. Mas 75% votaram nele em 2006. Nos EUA, a votação de Obama não chegou nem perto. Você não tem ideia de quão pobre era a Venezuela antes de Chávez. Parte por causa do neoliberalismo praticado, inclusive, no seu país, o Brasil. Washington e o FMI não têm interesse, de coração, nas pessoas. Chávez, Lula, Kirchner, [o boliviano Evo] Morales têm. E pagam o preço sendo criticados por pessoas que têm dinheiro e controlam a mídia.


No filme, Lula diz que só quer ser tratado com igualdade. Ele está sendo?

Por quem?

Por líderes do mundo.


Não. Ele e os outros líderes da América do Sul ainda são ignorados. Eu admiro muito o Lula. Ele fez uma coisa nobre indo ao Irã. Ele está tentando manter a sanidade, manter suas posições. Os americanos e europeus acreditam que podem controlar o mundo. Lula representa uma terceira via, de quem não quer a guerra, um caminho fora dessa loucura. Os EUA costumam dizer que Chávez é a má esquerda e Lula, a boa. Isso é nonsense. Obama apoiou Lula até quando ele cruzou a linha.


Ele disse que Lula é "o cara".

Eu não confiaria nos EUA. Os americanos sempre jogaram com os brasileiros desde que pudessem controlá-los. Apoiaram o golpe militar no país em 1964. O Brasil sempre esteve no bolso de trás dos EUA, mas agora eles têm que ser mais espertos. Sabem que não podem controlar o Brasil. E Lula é muito importante. Ele se dá com Chávez, com os Kirchner, e com a Colômbia, o Peru e o México, que são aliados dos Estados Unidos.


E Obama?

Nós estamos tentando. Ele é um homem racional, ético, mas faz parte de um grande sistema. Se ele não estivesse lá, estaria John McCain ou Sarah Palin. Você prefere eles? Eu não. Mas, em relação à América Latina, Obama está jogando o mesmo jogo. A reação americana ao golpe em Honduras foi típica.


O sr. vai fazer um documentário sobre o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad?

Não estou pensando nisso no momento. Houve um problema de comunicação. Eu quis fazer o filme, e ele [Ahmadinejad] não quis. Quando ele quis, eu estava fazendo o filme "W", sobre George W. Bush.

(LÍGIA MESQUITA)

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